domingo, 16 de agosto de 2009

“Os livros são feitos para serem vendidos”

Há alguns meses, um colega ofereceu-me um livro da sua autoria, versão melhorada da tese de doutoramento. Naturalmente, agradeci-lhe o gesto, até porque o tema era do meu interesse. Disse-me que o caso não merecia tanto, pois a editora tinha-o contactado perguntando-lhe se queria comprar os restos da edição, ao quilo penso ter ouvido, caso contrário, iriam para reciclagem.
Confesso que nunca me tinha ocorrido que pudesse passar pela cabeça de alguém mandar livros para o lixo, se não fossem vendidos num determinado prazo, ao que parece de quatro anos. Percebo que os livros que se encontram em stock apareçam em destaque nas diversas feiras do livro que se vão fazendo ao longo de todo o ano, que sejam vendidos com grandes descontos em algumas livrarias ou ao desbarato a alfarrabistas, que se enviem para sítios onde não os há, mas, sinceramente, não percebo que se lhes dê este novo fim… Como não percebo que se matem vacas, enterre fruta ou derrame leite para que os preços não baixem, sabendo-se que há muitas pessoas que passam fome, que morrem de fome.

São as leis do mercado, é que dizem certos economistas, empresários e políticos, mas deve falhar-me algum pormenor essencial das suas explicações, pois, por mais que me esforce, não consigo encontrar qualquer racionalidade nelas.

Estabeleci esta analogia porque tenho os livros e a comida na categoria de bens essenciais, sendo que o discurso para a sua destruição se assemelha. Centrando-me nos primeiros, percebi que veio a lume, em meses passados, a notícia de que, devido à crise, se tem verificado um abaixamento das vendas, estando os armazéns de várias editoras cheios, sendo que para acondicionar os novos “produtos” terão de se contratar mais espaços, o que acarreta mais prejuízos.

A Imprensa Nacional - Casa da Moeda, está entre essas editoras e mesmo sendo estatal, o seu director comercial, quando confrontado com a possibilidade óbvia da doação, avançada por um jornalista, respondeu: “Se as bibliotecas se habituam a receber os livros oferecidos acabam por não os comprar e os livros são feitos para serem vendidos”.

A propósito desta situação, a Sociedade Portuguesa de Autores, publicou em 9 de Julho passado, um comunicado onde se afirma que “a destruição de livros é sempre um acto de lesa-cultura e frequentemente uma forma de grave desrespeito pelos direitos dos autores”, “acto que, até no plano simbólico, é inaceitável e preocupante” e que “na sociedade de consumo, o livro nunca poderá ser encarado como um objecto descartável, como um desperdício ou como um fardo que é preciso alijar. A destruição física de livros contraria e põe em causa o património cultural e moral de muitos séculos de civilização”.

Num blogue tomei conhecimento que corre uma petição com o objectivo de demover as editoras de continuem a abater os seus fundos, propondo o seu autor, Francisco Seixas da Costa, uma medida interessantíssima: a constituição de um Banco Editorial contra o Analfabetismo (ou contra a Iliteracia).

A terminar, descobri também, na breve pesquisa que fiz na Internet, que em Inglaterra quando o maior fornecedor de livros em segunda mão da Amazon deixou o enorme armazém onde os tinha depositados, aconteceu o que se pode ver na figura acima e que o leitor pode ler aqui.

18 comentários:

Alexandre Wragg Freitas disse...

A verdade é que os livros são mesmo, em muito grande medida, feitos para serem vendidos.

Exemplos de crises de sobreprodução dos mais diversos bens não faltam na história económica mundial. O próprio conceito de "crise de sobreprodução" parece paradoxal. E é.

Como é que se pode deitar comida fora quando há pessoas a morrer à fome?... Concordo completamente com a pertinência da afirmação.

Um "bom" economista responderá que tem de ser assim porque há "leis" e etc e tal.

Mas pela extrema pertinência da questão, convido (na realidade aconselho vivamente) a Helena Damião e todos os leitores a lerem (comprado ou não) um livro de macroeconomia com sentido crítico bem alerta e a pensarem, ao virar de cada linha e de cada esquina, como é que isto poderia ser de outra forma.

Desenganemo-nos: os livros são feitos para serem vendidos e quando não o são são deitados ao lixo porque nós deixamos que assim seja. Todos temos alguma responsabilidade no processo! Pode é exigir um ligeiro esforço até vermos como as nossas acções e omissões contribuem para isso...

Alexandre Wragg Freitas

Anónimo disse...

É tão raro concordar com a Helena Damião, que não posso deixar de enviar este comentário a dizer "Bravo. Total acordo."
Helena Cabral

Carlos Medina Ribeiro disse...

Julgo que é preciso ver o problema um pouco mais a frio:

Imagine-se que, em tempos, uma editora fez uma edição de milhares de exemplares sobre o Windows 3.11, sobre o Netscape ou sobre calças boca-de-sino.

Em 2009, tem 90% deles nas prateleiras, e nem dados alguém os quer.

Qual o problema se forem digitalizados, preservados alguns em papel, e reciclados os restantes?

Rui Franco disse...

Que tal oferecerem-nos a centros culturais portugueses no estrangeiro? Que tal enviarem-nos para África ou Timor?

Anónimo disse...

a resposta a esta quetao é simples , alias demasiado simples , todas as pessoas preocupadas com a destruicao de papel com crateres , juntao-se e alugam um armazem onde poen todos os livros nao vendidos das editoras , todinhos , estou certo que gente tao preocupada com mais esta linda causa facilmente arranjara o tal armazem e o mantera aberto para consulta e mesmo venda a precos simbolicos , atençao as dimensoes do armazem a tipo de exemplo a editora estampa tem um de 5000m2 , ora como ate nem é das maiores editoras e temos umas 20 com esta dimensao , calculo que com um aramazem de 50.000m2 temm o caso resolvido durante os primeiros anos , coisa que entretanto resolvem porque sao gente muito bonita e tudo isto sem sacar mais dinheiro ao estado , só com a boa vontade destas pessoas tao bonitas .
é que se for com o dinheiro do contribuinte é apenas e só mais uma bela ideia para fazer aumentar os impostos sobre quem ainda vai produzindo alguma coisa neste país de gente tao bonita , mas tao bonita , deve haver por ai um concurso a ver quem é o mais bonito . .

Anónimo disse...

Alguém devia explicar ao Exmo. Director da Imprensa Nacional que os livros, em rigor, são feitos para ser lidos o que, infelizmente,se usa pouco em Portugal. A venda, a dádiva ou qualquer outro meio de transferência do autor para o seu leitor são fundamentais, mesmo que isso represente menos lucro!

Eva Gonçalves disse...

Os livros devem ter a oportunidade de serem lidos... mesmo se não vendidos. Mas nem todas as publicações têm o mesmo interesse. Nesse ponto, percebo o Carlos Medina Ribeiro, de que faria mais sentido reciclar livros que pela sua natureza técnica, estão desactualizados ou que nem dados alguém quer...mas com que critérios seria feita essa selecção? Se o critério é apenas o de que sobraram no armazém, então não há qualquer respeito pelos autores e possíveis leitores a quem os livros não chegam. Sinceramente, não vejo a quem poderia prejudicar a oferta às bibliotecas, centros culturais e escolas, de livros que de qualquer forma, nunca seriam por elas adquiridos, até porque deixariam de existir!! Em resumo, Editoras que desrespeitam autores, leitores, educação e cultura... infelizmente, a sociedade que temos!

Anónimo disse...

Parece-me que está a haver aqui uma sacralização do objecto "livro", confundido com a obra. Estamos em 2009, não em 1979, nem 99, e temos milhares de objectos "livros" em quantidades nada ecológicas. Acho de muito mau gosto o comentário que sugeriu enviá-los (o lixo, os livros que "nós não queremos nem dado") para Africa ou Timor...

Fulano de Tal disse...

Realmente não percebo a indignação com a destruição de livros. Essa indignação ainda podia fazer algum sentido há 50 ou 100 anos atrás. Mas agora livros, são só papel. O que verdadeiramente interessa são as palavras e essas podem ser preservadas de forma digital.
Quanto a mandar os livros para Timor, o que a faz pensar que em Timor haverá pessoas interessadas naquilo que cá ninguém quer?

Anónimo disse...

Os livros são é para ser lidos, acho eu...
Se há livros que não se conseguem vender, isso só significa que não interessaram a quem, tendo dinheiro, os podia comprar e não o fêz. Seja qual fôr o motivo...
E que tal serem oferecidos a quem, tendo gosto pela leitura, não tem dinheiro para os comprar?
Cumpria-se o seu destino e não se afectava o mercado.
Américo Oliveira

Jaculina disse...

Admito a reciclagem de livros completamente desactualizados, mas acho que serão uma minoria.
Quanto aos restantes, deve ser feito um esforço no sentido da venda a preços baixos ou mesmo da sua oferta antes de os destruirem. Penso que surgiu agora um site (Sítio do Livro) que vai procurar ajudar a escoar os excedentes.
O mais estranho (ou talvez não) é ver uma editora estatal na linha da frente da destruição de livros.

maria disse...

concordo em parte. tal como no caso de comida que se estraga , ou que saiu mal cozinhada por um azar , não há mais remédio que recicla-la ,deitá-la fora ou dá-la aos cães , ele há livros e livros . alguns nunca deviam ter sido escritos para ser postos à venda. não passo sem livros , mas cada vez mais me é difícil comprar um livro no meio do lixo que se edita ultimamente . qualquer gato pingado escreve agora um livro , não sei se já reparou. e um mau livro não deve ser oferecido a ninguém ,tal como um arroz queimado , a não ser que seja para aprender a ler , e só interessem as letras e não o conteúdo , vá lá.

Anónimo disse...

Bons livros e maus livros.
Questão interessante esta, mas quem faz a destinção? Prefiro que seja eu que um burocrata qualquer...
John Milton escreveu sobre este tema, séculos atrás, insurgindo-se contra uma lei aprovada no Parlamento Inglês que pretendia introduzir uma avaliação prévia antes da publicação de qualquer livro, evitando-se assim o aparecimento de obras insultuosas contra ideias ou pessoas.
E já agora, alguém já pensou que as Editoras não sobreviveriam sem a publicação do "lixo" que refere?
Quer outro exemplo? Os jornais. Acha que algum jornal teria viabilidade se só publicasse artigos de qualidade, pondo de lado o futebol, o horóscopo e as notícias dos "famosos"?!...
Tema interessante este.
Américo Oliveira

Rui Franco disse...

Mau gosto enviar os livros para África ou Timor???!!!
Mau gosto oferecer livros que nunca seriam comprados nessas paragens e que podem, perfeitamente, ter uma vida útil lá? Nem todo o livro que é deitado fora o é por não ter qualquer interesse mas sim porque não se vendeu. E então? Acham que as necessidades das pessoas e os luxos de rejeição são os mesmos?

Rui Franco disse...

Tenho em casa livros que não me interessam minimamente. São livros infantis e juvenis cujas histórias têm tanto interesse hoje como então mas que, para mim, já não servem. Que fazer-lhes? Não os deito fora porque me custa. Não os reciclo pela mesma razão. Resultado: estou à espera de saber de quem os receba para por à disposição de quem os leia. Deve ser mau gosto da minha parte!...

Unknown disse...

A questão dos “bons” e “maus” livros também me parece interessante. Mas, “desenganemo-nos” (como aqui diz Al W.F.): nós somos também responsáveis por este deus-dará em que imensa gente que não sabe escrever e/ou que não tem nada de importante para dizer publica como se fosse à pastelaria beber um descafeinado acompanhado por um queque, depois da manicure. Somos responsáveis quando nos alheamos da educação dos nossos filhos e das crianças que nos estão, de alguma forma, próximas. É preciso contar e ler histórias às crianças e oferecer livros aos nossos adolescentes e amigos (e os clássicos nunca deixarão de ser fundamentais). É preciso exigirmos, enquanto Encarregados de Educação, mais qualidade no ensino. Porque nos esquecemos constantemente que as crianças é que vão ditar o consumo futuro dos livros? Não é suficientemente assustadora a ideia de se andarem a queimar livros?

Unknown disse...

Catinga, não tem possibilidade de se desembaraçar do espólio que já não lhe interessa doando-o a crianças, escolas ou bibliotecas perto de si?

maria disse...

penso que não me percebeu bem , Américo. de forma nenhuma quero que alguém decida por mim o que é bom ou mau. apenas não choro se muita da produção literária do sec. XXI e décadas finais do XX for reciclada para papel de embrulho , a bem dizer o papel desses livros irá assumir uma função que devia ter sido logo a primeira...

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