terça-feira, 3 de março de 2009

Comprar e vender ideias

Em plena segunda guerra mundial, quando o governo britânico pedia aos seus cidadãos imensos sacrifícios económicos, Orwell ficou chocado com a incongruência de jornais em que os editorialistas davam voz aos pedidos do governo, ao mesmo tempo que publicavam anúncios de casacos de peles, na mesma página. Esta imagem memorável ilustra um problema de fundo que poucas pessoas parecem compreender, sobretudo porque albergam preconceitos ideológicos relacionados com o comércio: é o problema do financiamento da cultura, da ciência, das artes, da filosofia e da informação. Não é possível pensar claramente neste problema enquanto se continuar a pensar de um modo aristocrático. Para o aristocrata, toda a transacção comercial é vil, e as coisas superiores da vida, nomeadamente as ideias, têm de se manter recatadamente afastadas do dinheiro. Hoje, pessoas protegidas desde muito novas por instituições públicas ou por grandes multinacionais, que sem sobressaltos lhes pagam a vida há décadas, podem dar-se ao luxo de ter, com a mesma hipocrisia dos aristocratas de antigamente, a mesma atitude de nojo perante o comércio. Ler mais...

51 comentários:

Anónimo disse...

Muito fraquinho.
É claro que não vou subscrever a Crítica, não vale a pena.
Não me apetece dizer porque acho fraco, é muita paranóia junta.
luis

Rui disse...

Caro Desidério: também podíamos fazer um raciocínio inverso, por exemplo com um professor universitário.
Uma vez que já recebe um salário assegurado pelo Estado e pelos contribuintes, não lhe cabe o dever de oferecer gratuitamente os resultados da sua investigação? Afinal, se os contribuintes já lhe pagaram (por intermédia pessoa, é evidente) para efectuar uma determinada actividade, por que razão é que deviam pagar novamente?

Outra possibilidade é a do artista que compõe as suas obras com nenhum público em vista, "para a gaveta". Há por exemplo os casos famosos de Kafka e de Pessoa, cuja obra é quase completamente póstuma. Também não me parece certa a necessidade de "comercialização" de uma determinada obra.

E estas são apenas duas das vertentes de uma questão muito complexa.
De qualquer forma, a liberdade de criação e de divulgação deve ser um princípio fundamental.

Rolando Almeida disse...

Caro Rui,
Posso estar errado mas penso que o professor é pago e o produto do seu trabalho inclui aulas, preparação das mesmas, exames, etc. Se o professor publica paralelamente esse trabalho não está incluído no preço enquanto professor, a menos que se incluísse que o professor recebe x para dar aulas incluindo a publicação de x artigos. Já viu se fosse assim 90% dos nossos professores perdiam o emprego :-)
O que acontece é que vale a pena publicar e investigar quando esse trabalho é compensado. Muitos professores puderem dedicar-se por inteiro à investigação publicando um livro que vendeu bem (ex. Stephen Hawking com a breve história do tempo). Mas o Hawking só com as aulas, muito provavelmente nunca se dedicaria a tempo inteiro a investigar física pois esse trabalho não é compensado. Num país como portugal publicar é mais uma extensão da burocracia. Como o mercado é pequeno os académicos publicam na sua maioria para se mostrarem uns aos outros. Basta observar esta realidade: vá à Fnac aos escaparates de física ou química ou biologia ou filosofia. Existe uma boa escolha de estudos que ninguém lê publicados e na maioria dos casos patrocinados pelo estado, mas pouquíssimos livros de física, biologia ou filosofia para o público geral. Não compensa publicar em portugal e talvez por isso os autores não tem tradição de publicar e nem sabem sequer como fazer esse trabalho para a generalidade das pessoas. Uma das consequências é que para ler introduções gerais temos que pagar a preço de ouro o copyright de obras estrangeiras e ainda pagar as traduções, para depois os estudantes serem incentivados a tirar fotocópias desses livros. Que motivação existe publicar para vender uns 300 exemplares? Nenhuma. O que isto significa é que sem mercado não há publicações, acesso ao conhecimento e ao saber. E o que o texto do Desidério alerta é precisamente a psicofoda que é pensar que temos acesso ás coisas de borla. E temos, só que cada vez mais o que temos é puro lixo e qualidade népias. Resta dizer que a publicação é um trabalho diferente da docência.
abraço

Rolando Almeida disse...

ERRATA:
acima quando referi:
"Num país como portugal publicar é mais uma extensão da burocracia"

queria referir:

"Num país como portugal publicar é mais uma extensão da aristocracia"

Desidério Murcho disse...

Olá, Rui!

A ideia de que um professor universitário tem o dever de dar de borla os produtos do seu trabalho porque já foi pago é outra maneira de esconder o problema do financiamento do trabalho dele. Ele já foi pago porque foi pago pelo estado, pois se ele tivesse de viver do dinheiro que os alunos lhe dão, teria de dar o triplo das aulas para sobreviver e depois não teria tempo para investigar. O verdadeiro problema é a hipocrisia de toda a gente bater no peito a dizer que a cultura e a ciência e as artes são muito importantes, mas praticamente ninguém abre a carteira voluntariamente para financiar essas coisas. Quando um professor que já é pago oferece então de borla o produto lateral do seu trabalho está a aprofundar essa hipocrisia porque na verdade quase ninguém estaria disposto a pagar-lhe esse produto lateral do seu trabalho — e nem sequer as suas aulas — se o estado, qual Robin Hood iluminado, não lhes roubasse o dinheiro através de impostos para lhe pagar. À hipocrisia junta-se depois a fantasia quando o professor pensa ingenuamente estar a fazer algo que as pessoas valorizam; se valorizassem, estariam dispostas a pagar. O que as pessoas realmente valorizam é o que compram e o que compram é tudo menos cultura, na sua maior parte. Valorizam livros da treta, mas não de física, jornais de futebol ou de palermices, mas não de qualidade informativa, novelas mas não documentários ou filmes de arte. Isto devia ser assumido por toda a gente, tal como os publicitários o assumem para fazer o seu trabalho. Talvez assim as minorias irrelevantes, como o Rui e eu, que damos realmente valor à cultura, abríssemos mais os cordões à bolsa para a financiar.

Anónimo disse...

"o professor é pago e o produto do seu trabalho inclui aulas, preparação das mesmas, exames, etc"

Nao so', existe o financiamento publico dos projectos de investigacao ... sem esse dinheiro, o professor nao teria laboratorios, nem o material necessario para fazer investigacao,. Os resultados dessa investigacao devem ser oferecidos gratuitamente ou, melhor, com o preco de custo de producao (i.e. devem ser vendidos ao preco de fabricacao no caso de software, hardware, etc)

Miguel

Anónimo disse...

"Quando um professor que já é pago oferece então de borla o produto lateral do seu trabalho está a aprofundar essa hipocrisia porque na verdade quase ninguém estaria disposto a pagar-lhe esse produto lateral do seu trabalho"

Se esse trabalho e' feito nos tempos livres, pode cobrar o preco que quiser. Se esse trablaho for financiado com o dinheiro dos contribuintes, entao deveria cumprir uma serie de regras e, na minha opiniao, esse trabalho devia ser disponivel ao preco de fabricacao.

Este preco serve para lhe responder 'a questao de saber se as pessoas estao interessadas em pagar do seu bolso para adquirir produtos culturais. E essa questao nao tem nada a ver com a outra questao de saber se o professor vai ter lucro financeiro com o seu trabalho. (alias, essa logica e' engracada: o risco e o investimento sao sociais; o lucro seria privado...)

Miguel

Desidério Murcho disse...

Há muitas lógicas engraçadas, Miguel.

Por exemplo, é muito engraçada a lógica de se dizer pomposamente que pagar a investigação em astrofísica é um investimento público, quando na realidade caso se perguntasse às pessoas que constituem o tal público, elas não quereriam que o seu dinheiro lhes fosse tirado recorrendo aos impostos para pagar tais coisas.

De modo que isto do interesse público é apenas um eufemismo para o que os políticos, burocratas e intelectuais entendem que as outras pessoas devem pagar, mesmo que não o queiram pagar. E depois oferecem-lhe de borla o produto do investimento que elas fizeram sem querer, produto esse que elas também não consomem, porque preferem futebol, novelas e cerveja. Não é isto uma lógica engraçada?

Anónimo disse...

Quando Diogenes foi interpelado por Desidério sobre a "O que acontece é que as pessoas preferem realmente o Windows ao Linux, e por uma razão simples: quase não há software para o Linux." abriu um Magalhães e pôs-se a brincar com o Caixa Mágica...

Anónimo disse...

Desiderio, na verdade nao e' assim tao simples.

Grande parte dos produtos de consumo de massas sao possiveis gracas a tecnologias desenvolvidas e financiadas atraves de dinheiros publicos. O Rui Curado da Silva deu uns bons exemplos no blogue dele ha' tempos para o caso da astrofisica e da fisica. Mas isso aplica=se 'a electronica, ao software, 'a internet, 'a biologia e medicina ....

No limite e' uma questao de coesao da social. Se fossemos perguntar 'as pessoas se queriam pagar com os seus impostos as estradas e as linhas de caminho de ferro onde nunca vao circular, talvez a resposta seja negativa. Porem, nao e' muito dificil imaginar que se seguissemos na pratica essas indicacoes, acabariamos com um sistema social em pantanas ...

De qq. modo, e no que diz respeito 'a edicao de livros ou 'a producao de software, o mercado mundial e' suficientemente grande para que existam sempre nichos onde quem tenha boas ideias a comercializar o pode fazer. Nao vai competir com a Microsoft ou outro desses gigantes, mas em que sistema economico e' que vai existir um numero elevado de gigantes? Por definicao mesmo de 'gigante': em nenhum.

Miguel

Anónimo disse...

Embora tenha alguns pontos bem informados, quando chega à parte da informática, mesmo levantando boas questões é tão ignorante e "naif" que até mete dó.

A questão do Windows vs Linux é obviamente pertinente e eu sinceramente não sei a resposta. Mas aquilo que o Desidério diz sobre esse ponto é risível.

«E consequentemente, poucos engenheiros podem fazer software para o Linux, porque não poderiam viver disso.»

Os factos não suportam isto. O Linux/BSD e companhia são de longe os sistemas operativos com maior presença a nível de servidores na Internet. Muita desta gente ganha a sua vida administrando essas máquinas. Muitas não têm nada que ver com publicidade. Nem sequer indirectamente.

«Há umas ideias vagas de o engenheiro andar a fazer de moço de recados, dando assistência técnica a quem usa os produtos que escreveu tão mal que tem de ser chamado de hora a hora por meio planeta fora para desencravar os seus clientes que queriam ao invés poder usar um bom software sem terem de depender dos solícitos engenheiros.»

Aqui de novo está a falácia (implícita) muito comum do que o que é caro é bom ou pelo menos melhor do que é barato. Tipo francês de Alcochete e logo muito portuguesa (mas não só). De novo os factos não suportam isto. A maioria dos sistemas de servidores online não "correm" SO desenvolvidos segundo o modelo que o Desidério defende. É um facto objectivo. Outro facto embora não tão objectivo é que isso não acontece porque tipicamente os sistemas livres são mais robustos e simples de administrar. Este ponto é pura ignorância misturada com saloiada.
Porque são melhores não tenho a certeza, tal como não tenho a certeza do porquê a maioria dos humanos preferir Windows (insofismável), mas de novo o argumento da falta de software não colhe. Cada vez que utilizo Windows ou Mac OS X (os pagos que conheço) acabo quase sempre por ter de ou mudar para Linux porque o software parece ter sido feito para lobotomizados ou então porque não gosto de concursos em que para ir de A para B tenho de ir ao pé-coxinho e às voltas porque o software assim o obriga (quando sequer é possível). Até hoje nunca deixei de fazer um trabalho melhor e mais eficiente por causa desta opção com excepção dos casos em que os formatos de troca de informação são propositadamente obscurecidos. Sobre isto é que eu gostaria de ver o Desidério a escrever e existe "pano para mangas" com fartura.

«Se o leitor for um engenheiro informático com uma ideia que funciona, poderia colocar uma primeira versão à venda, barata, no seu site. Com essas receitas, poderia desenvolver melhor o seu trabalho e vender uma segunda versão ao fim de um ano de trabalho compensador. E assim poderia viver directamente do seu trabalho, vendendo-o directamente a quem dele usufrui.»

Bem, esta está ao nível de uma criança dizer "só é pobre quem trabalha pouco". Isto está amplamente falsificado e um exemplo claro pode ser o da Microsoft nos seus tempos áureos com o DOS e mais tarde com as incompatibilidades que criavam para acabar com a concorrência.

Não percebo porque é que o Linux não pega no Desktop. Tenho uma abordagem bastante desapaixonada sobre isto porque nunca percebi porque existe uma vontade tão "generalizada" de que pegue. É verdade que certos aspectos são quase religiosos. Pessoalmente acho que para mim até é vantajoso que não pegue. Já sei, sou aristocrata, elitista e como criancinhas ao pequeno almoço. Poupo-lhe o trabalho.

Na minha opinião é um caso análogo ao seguinte. Quem utiliza Windows acaba por ser um analfabeto satisfeito porque para escolher a refeição do menu basta apontar para a fotografia. Quem não vai nessa cantiga (e não é só o Linux e nem necessariamente "grátis") prefere aprender a ler e escrever porque acha que consegue fazer mais coisas. Claro que numa sociedade de analfabetos (neste sentido como em muitos outros) os analfabetos nunca se quererão alfabetizar e quando lhes derem livros vão sempre preferir os livros apenas com bonecos, porque parafraseando o próprio Desidério: "O estado normal de um país ou de seja o que for é a caca". No Desktop o Linux não pega e suspeito que enquanto tiver qualidade não vai pegar. Porquê não sei e concordo com o Desidério de que o facto de já vir instalado não o explica totalmente. (o exemplo dado de desinstalarem Linux é real e revelador).

Desidério Murcho disse...

Miguel, o que eu escrevi foi “O problema de fundo é uma injustiça fundamental da humanidade. Ao mesmo tempo que muitíssimas pessoas ganham, e muito, com avanços da ciência e com informação de qualidade, só uma pequeníssima minoria está realmente disposta a pagar essas coisas e a pagá-las caras.”

O que significa que alguns de nós usam o seu poder para roubar dinheiro às pessoas que elas não quereriam pagar, com o argumento algo mentiroso de que é para as ajudar a elas, quando na verdade é para fazer o que nós valorizamos e gostamos de fazer.

Além disso, apesar de haver muitas coisas que as pessoas não querem financiar apesar de lucrarem depois com elas, como a medicina, há muitas mais que não querem financiar e das quais nunca resulta seja o que for que elas valorizem. E neste caso nem sequer o argumento mentiroso acima se pode usar de cara levantada. Temos apenas de dizer às pessoas que lhes roubamos o dinheiro para fazermos filosofia, por exemplo, porque gostamos — e elas que se lixem.

Desidério Murcho disse...

Anónimo, o Linux responde a necessidades de um certo tipo de pessoas que fazem um certo tipo de trabalho. Para mim, é impossível. Não tenho o software necessário. E é aqui que se esconde o problema. A mentalidade Linux e freeware é como alguém que tem muita experiência a fazer e operar tractores industriais, e depois pensa que isso tem qualquer coisa a ver com os carros que as pessoas usam todos os dias para ir para o trabalho, para a praia e para visitar a avó. Eu conheço o mundo dos servidores, e isso nada tem a ver com os computadores que nós usamos em casa. Este é o erro fundamental dos doidos do Linux. E, claro, eu sou sempre interpretado como se pertencesse à religião rival, do Windows, porque estas pessoas não compreendem que se possa não pertencer a qualquer religião.

Para a maior parte das pessoas o Linux é possível, porque quase não usam software além de email, navegador e processador de texto, mas mesmo assim não querem o Linux. Mistério? Não. Em primeiro lugar, as pessoas mais novas querem jogos. Muitos jogos. E quase não há jogos para Linux. Em segundo lugar, as pessoas usam na sua maior parte bonés americanos de basebol, sem fazer a mínima ideia do que é o basebol. Usam-nos por causa da força da publicidade e da vontade de parecer trendy. O Linux, para conseguir ser trendy e ganhar pela força da publicidade teria de ter dinheiro e para isso não poderia ser gratuito. E lá se ia a mentalidade comunista por água abaixo. Mas se esta mentalidade inane desaparecesse seria muito bom — teríamos mais alternativas em termos de sistemas operativos, mais inter-operatividade, e melhores sistemas. Assim, temos um tripólio. Apple para pessoas fartas das parvoeiras da Microsoft que têm dinheiro para o pagar, Linux para nerds e Windows para quase toda a gente. Pensar que isto é natural é como pensar que seria natural haver só BMW, Fiat e Mercedes.

A verdade que a malta não quer ouvir é que a mentalidade do gratuito está a prejudicar-nos a todos. Sem ela, teríamos melhor software, mais escolha, mais alternativas. E não teríamos quasi-monopólios como o Google ou a Microsoft. Não os teríamos porque a engenharia de qualidade depende muito mais do talento do engenheiro do que das tolices publicitárias que sustentam esta grandes companhias (daí que as grandes companhias têm tendência a fazer cada vez pior software à medida que crescem: tornaram-se gigantes burocráticos em que montes de chefes e de estrategistas têm imenso a dizer, e quem faz o código propriamente dito torna-se um moço de recados).

Anónimo disse...

"A verdade que a malta não quer ouvir é que a mentalidade do gratuito está a prejudicar-nos a todos. "

Desiderio, falta demonstrar como e' que o Linux que e' usado por uma minoria pode ser efectivamente o factor determinante para o oligopolio (?) da MIcrosoft, Google, Apple, etc ... Quando, ainda por cima, as pessoas estao dispostas a pagar software caro e ineficiente como demonstra o dominio de mercdado do Windows. Nao percebo como e' uma minoria numerica de 'nerds' tem uma influencia determinante na dinamica do mercado ....


Quanto 'a ideia de que roubamos o dinheiro 'as pessoas para fazermos o que nos da' prazer ... lamento, mas e' demagogia muito barata. E' claro que o astrofisico esta' la' por prazer, o musico e o filosofo tambem. Simplesmente, o trabalho destes excentricos nao e' util apenas para aqueles que consomem directamente os produto do seu trabalho. Como eu disse, mas tu ignoraste na resposta, existem inumeros beneficios indirectos relacionados com a tecnologia (olha os jogos de computador, excelente exemplo! ou achas que as coisas se desenvolvem porque um belo dia mihoes de pessoas, uhm, perdao, consumidores acordaram e disseram : "queremos jogos de computador!". Nao, sabes perfeitamente que foi ao c ontrario: as agencias publicas financiaram investigacao pura e aplicada, novas tecnologias tornaram-se realidade e a seguir surge um espertalhao que se lembra de juntar essas novas tecnologias a uma nova ideia e vende-a para proveito proprio; algumas teem tanto sucesso que se tornam paradigmaticas ... uma palavra 'magica' para nos rirmos um pouco ).
Por fim, surgem uns outros beneficios indirectos imateriais -- o cultivo das coisas do espirito, da inteligencia e do bom gosto, a recusa da vulgaridade e da estupidez) que resultam da tal cultura cientifica ou filosofica ou artistica que tem de ser financiada por todos, porque assim deve ser, porque vivemos em sociedade, porque nao somos meros espiritos atomizados, porque a sociedade se desagregaria se apenas os instintos animalescos e o egoismo mais primario fossem o modelo organizativo.

Miguel

Anónimo disse...

Caro Desidério

Por favor e vou repetir em letras garrafais

POR FAVOR

informe-se.

E como me sinto educador de infância, hoje, pergunto-lhe, que software é esse que precisa e não existe em Linux?

Primeiro, existem sim jogos para Linux. Basta procurá-los. E não é preciso ir longe. Sabe, acho que tem um grande defeito. Fala do que não sabe porque não quer. Leu aqui e ali mas não se foi informar para confirmar. Que percebe de jogos?

A seguir confunde soberbamente o conceito de código aberto com freeware. Não sei que pensar, não diz que é filósofo? Eu na minha ignorância pensava que um cuidado com os conceitos era primordial para o pensamento coerente... ou para não incorrer em falácias. Se precisar de dicas para diferenciar as coisas eu ofereço-me para lhas dar. Claro que pode usar o serviço dos nossos Overlords de momento, o Google, e descobrir por si.

Estranho... a minha namorada usa Linux, não é nerd, e está contente. Até diz que tem jogos mais giros que no Windows. Só se queixa de vez em quando de problemas a abrir documentos em word (quando tem a mariquice +1 que ainda não há interface no open office). Mas isso não é um problema de software como de standards abertos. Que é outra luta, de facto...

Estou deveras curioso em saber esse software ultra-especifico que um filósofo precisa para trabalhar. Deveras curioso...

Rolando Almeida disse...

Kyriu,
Eu usei o ubunto durante alguns meses. O SO não é intuitivo como falam e deixou-me à perna com uma data de problemas de compatibilidade de software. De resto, há um aspecto curioso que notei nesse tempo: grande parte dos utilizadores de linux dizem que o SO é muito melhor, mas em termos de compatibilidade de software reclamam coisas aproximadas às da microsoft como o Open Office, alegando que é a mesma coisa. Bem, serve o mesmo fim, mas não é, definitivamente, a mesma coisa. Enfim, o universo linux está cheio de incoerências.

Anónimo disse...

«A mentalidade Linux e freeware é como alguém que tem muita experiência a fazer e operar tractores industriais, e depois pensa que isso tem qualquer coisa a ver com os carros que as pessoas usam todos os dias para ir para o trabalho, para a praia e para visitar a avó»

Concordo plenamente com a analogia. Eu costumo utilizar algumas semelhantes.

«Mas se esta mentalidade inane desaparecesse seria muito bom — teríamos mais alternativas em termos de sistemas operativos, mais inter-operatividade, e melhores sistemas.»

Aqui discordo fundamentalmente. Acho que a inter-operatividade em particular não aumenta nessas circunstâncias e a história destas coisas assim o sugere (não prova).

Anónimo disse...

«Para mim, é impossível. Não tenho o software necessário.»

Já agora (e fora do tópico), que software é este?

Acredito plenamente que exista software para Windows que não exista para Linux ao contrário de muito fanático papagaio por aí, mas sinceramente estou curioso.

Anónimo disse...

caro Rolando...

sabe, eu cá não gosto de gnome, é o interface do Ubuntu. a vantagem do Linux é que eu não estou amarrado ao gnome. uso fluxbox que é completamente intragável para a maior parte das pessoas (os meus colegas evitam o meu computador). outros usam KDE. e há mais. mais interfaces, mais maneiras de interagir. essa é uma liberdade que não encontro no Windows ou no MacOX. porque se usar Windows ou MacOS só posso fazer as coisas de uma maneira. A maneira deles. Outra coisa do Linux é que o input dos utilizadores conta. Nem que seja porque decidem não usar mais e escolher aquilo que mais lhes agrada.

Sobre a compatibilidade, ela advem da questão dos formatos serem abertos ou não. Por exemplo, a web, fundada no html. Se houvesse um html da Microsoft, um da IBM, um sa Apple, acha que a internet era o que é hoje? Seria o inferno das dependências. E a questão do openoffice (que eu evito usar porque não gosto desse tipo de programas, uso outros, com outras abordagens à edição de texto ou realização de apresentações) é essa mesmo. Existe um foermato (open document), aprovado como standard ISO e sendo aberto, que todos poderiam implementar mas a MS decidiu não o fazer, propondo o seu próprio formato como spec ISO. basta procurar na net e ver o resultado e discussões associadas. Se quiser outro exemplo, volto à net: o IE implementa abordagens distorcidas do standard HTML e CSS (de facto, nenhum browser atinge a compatibilidade 100%) que fazem com que os webdesigners se torçam todos para o mesmo site apresentar o mesmo aspecto em browsers diferentes. So quem passou por esse inferno (been there, done that) sabe o que é. E o mais triste, nesse aspecto, é termos instituições públicas com sites que apregoam só funcionar em IE. Fale-se em distorção...

Mas ainda não me responderam, que software ultra-especializado é esse que os filósofos usam que só corre em Windows? É que se quiser pagar até o Microsoft Office corre em Linux!

Eu cá gostava de os ver discorrer sobre a questão do equilibrio entre a propriedade privada e o bem comum. Isso sim, era interessante. Aceito que se critique o Linux mas façam-no com conhecimento de causa. Um conhecimento sério, baseado numa pesquisa honeste e querer saber, não colhido numa resma de bitaites lidos na diagonal na internet ou em salta-linhas na wikipedia porque, com o devido respeito, é o indiciado pelas linhas que escreveram.

Outra questão importante é a da remuneração. O Desidério parece partir do principio que a remuneração é dinheiro sempre e isso é algo que me parece fundamentalmente errado. Como é fundamentalmente errado confundir freeware, que é algo que o Linux nunca foi, com "código aberto" que é algo que é.

Outra questão, se me permite, que gostava de ver tocada é da diferença da propriedade intelectual vs a propriedade material. Não me parece que as duas sejam iguais. E se não são iguais porque cada vez mais tem um tratamento igual? Onde está o equilibrio?

Anónimo disse...

«Primeiro, existem sim jogos para Linux.»

Sim, mas sejamos honestos, a variedade é muito menor e a qualidade também pelo menos em termos de jogos ultra-espectaculares em termos de multimédia.

Quem quer jogos em Linux acaba muitas vezes por ter de emular Windows. O resto são tretas.

Aparentemente o modelo código aberto que é altamente produtivo e funcional no mundo de backend (servidores por exemplo) falha completamente para os jogos.

Anónimo disse...

«A mentalidade Linux e freeware é como alguém que tem muita experiência a fazer e operar tractores industriais, e depois pensa que isso tem qualquer coisa a ver com os carros que as pessoas usam todos os dias para ir para o trabalho, para a praia e para visitar a avó»

A prova do absurdo desta afirmação é a quantidade de avozinhas a usar Linux.

Senhores, isto pretende ser um blog de divulgação cientifica não? Então sejam cientificos e apresentem os dados de corroboram as vossas afirmações.

Desidério Murcho disse...

Miguel: “Não percebo como é que uma minoria numérica de 'nerds' tem uma influência determinante na dinâmica do mercado”. Eu sei que não percebe. Esse é precisamente um dos problemas: as pessoas não percebem como funciona a economia. Não pode aparecer hoje um engenheiro ou grupo de engenheiros que façam coisas alternativas ao que já há porque terão de competir com 1) o gratuito e 2) os gigantes. Com 1 não se pode competir porque temos de fazer coisas gratuitas e isso significa que não as podemos fazer porque não temos financiamento. Com 2 não conseguimos competir porque mesmo que façamos software muito melhor do que eles, não podemos pedir dinheiro pelo software e portanto não conseguimos desenvolver-nos. A actual economia da borla gera monopólios, concentração imensa de capitais.

Há um erro de raciocínio da sua parte, Miguel. Eu estou a falar do facto de algumas das coisas que fazemos com o dinheiro das pessoas não reverte a favor delas nem do que elas valorizam. E você está sempre a dizer-me que algumas revertem. Pois. Eu estou a dizer que alguns homens são carecas e você refuta-me dizendo que alguns não são? O problema é que apesar de algum do dinheiro tirado às pessoas através de impostos ser usado para coisas que elas depois até vão usufruir ou valorizar, a maior parte, a esmagadora maioria, não. Serve apenas para gajos como eu fazerem o que gostam com o dinheiro dos outros. Ninguém quer ver isto de frente porque as pessoas gostam de mentir a si mesmas e de manter a ideia de que são eticamente puras e socialmente irrepreensíveis.

Não tenho a Britânica em Linux, nem o FLiP, nem o Dicionário de Inglês-Português da Porto Editora, nem o Collins. Não tenho um processador de texto que esteja próximo do Word da Microsoft, em termos de funções avançadas. Não tenho o Houaiss, nem o Aurélio. Finalmente, não tenho um gestor de email que me permita escrever com os dicionários do Word e as facilidades que isso permite.

Kyriu, o software existente para Linux é muitíssimo pouco. E não se vê como poderá haver mais, porque os seus defensores não conseguem conceber como poderá um engenheiro sustentar-se a escrever software que depois oferece de borla ao pessoal. Grandes distribuidores de software, como a dowload.com, nem sequer têm software para Linux, só têm para MAC e Windows. Eis só um exemplo: a Linuxsoft.cz tem cerca de 200 programas educativos e científicos para Linux; a download.com, tem mil programas educativos... mas só de matemática, excluindo portanto muitas outras categorias de programas educativos e científicos, como a de programas para ensino, no qual há mais 1700 programas. É como comparar Portugal como Brasil. De facto, alguns portugueses têm a impressão vaga de que os dois países são mais ou menos do mesmo tamanho, mas não sou eu que os vou adjectivar — deixo-lhe a si essa liberdade verbal, pois já vi que a tem.

Quanto à interoperatividade, é verdade que temos assistido a guerras sem fim da indústria, que lesam os consumidores. Isso acontece agora outra vez com os ebook readers. Mas em vez de pensarem cuidadosamente em resolve este problema, que é um problema económico e não técnico, as bestas do Linux apenas o agravam, pois convidam cada vez mais as empresas fazer software ligado a hardware, para poderem ganhar dinheiro vendendo o hardware, que é a única coisa que os piratas que gostam tanto da borla não conseguem piratear.

Anónimo disse...

Desiderio,

nao estou a cometer o erro de raciocinio que apontas. Eu estou simplesmente a dizer que toda a gente e' beneficiada por alguma das coisas que sao feitas com os dinheiros publicos. Mas NINGUEM e' beneficiado com TUDO o que e' feito com dinheiros publicos. Por isso, o erro e' dizer que fulano de tal e' prejudicado porque parte dos impostos que paga vao para o Desiderio escrever (e ensinar Desideriozinhos a escrever tambem) livros de filosofia. Mas TODOS lucram e DEPENDEM para a sua vida diaria dos servicos publicos (seja na forma de estradas, transportes, cuidados medicos, escolas, o que seja ...). Na impossibilidade pratica de desenhar um esquema eficiente para cada um pagar apenas aquilo que utiliza (suponhamos que o Desiderio nao usa estradas porque nao tem carro, e so' apanha o comboio; sera' que o Desiderio tambem nao compra nenhum produto ou gadget que seja distribuido por camioes em estrada? adiante ...), e' uma infantilidade andar a berrar que me tiram dinheiro dos impostos para proporcionar a outros o fruto do meu trabalho.

Quanto a competir com o Linux, no fim de contas o argumento do Desiderio resume-se a isto: "merda para o Antonio que posta traducoes de filosofia 'a borla no seu website e esta-me a ir ao numero de assinantes da Critica). Portanto, eu nao posso postar no meu website as traducoes dos artigos de filosofia porque isso nao agrada ao Desiderio. Mas por que raio e' que uma comunidade nao tera' o direito de comprar os direitos de uma traducao e coloca'-la ao dispor do publico em geral que assim ate' ultrapassar o handicap de ser pouco desembaracado em linguas cultas (caracteristica que, como bem apontas, costuma vir correlacionada com fortes limitacoes financeiras).

Por que razao o Desiderio nao pode pedir dinheiro pelo seu software tal como a Microsoft (por culpa do Linux!...) o faz e' um misterio ....

Miguel

Anónimo disse...

ERRATA:

Mas TODOS lucram e DEPENDEM para a sua vida diaria de ALGUNS servicos ou bens publicos

Miguel

Anónimo disse...

'Não tenho um processador de texto que esteja próximo do Word da Microsoft, em termos de funções avançadas.'

Mas tens o LaTex que e' muito mais profissional! ;)

Miguel

Anónimo disse...

De qualquer modo, a logica do Linux e' ser aberto e permitir que qualquer pessoa possa desenvolve-lo. Eu, por exemplo, uso bastante programas numericos standard de matematica mas tambem regularmente vejo-me na necessidade de fazer algumas modificacoes. E' impossivel faze-lo se o software estiver fechado. Moral da historia: o mundo nao e' completamente descrito pelo modelo dicotomico produtor-consumidor; existem muitos utilizadores que assumem alternadamente os dois papeis e isso e' especialmente verdade no software, na ciencia, na filosofia. Ja' nao e' assim na literatura, por isso o modelo de "romance aberto" nao tem grande sucesso.

Miguel

Anónimo disse...

caro Desidério, já percebi, é um problema de fontes! digo-lhe já:

Debian Linux: repositório:http://www.debian.org/distrib/packages

N de pacotes de software (tradução, programas) mais de 18,200

Isto nos repositórios oficiais, existem muitos programas que não estão lá porque não obedecem aos principios fundadores do Debian.

Arquitecturas? mais de 10. Isto quer dizer que não é só X86 (o vulgar PC) mas muitas outras.

Sobre os programas que menciona nunca os experimentei correr em Linux. Os correctores ortográficos que uso tem dado conta do recado (aspell, ispell, hunspell) sem problemas. Sobre as enciclopédias, só experimentando. Há emuladores e máquinas virtuais que dão conta do recado. Não considero um Word um editor amigável (acho todos os programa do tipo Word atrofiantes) mas isso não vem ao caso.

Sou da opinião que as pessoas devem usar as ferramentas que mais lhes dão jeito e com as quais se sentem melhor. E defendo o direito à diferença. E a diferença é aquilo que o Linux me dá. Parece-me absurdo que extrapole da sua experiência pessoal a experiência de todos.

Mas isto são tudo fait-divers. Foque-se na sua premissa: um mundo de ideias não-remuneradas em dinheiro asfixia a criatividade, é isso que está a defender? Quero ter a certeza que o percebo bem para poder discutir.

A última achega não vem ao assunto mas sendo quem é não posso deixar passar: "que os dois países são mais ou menos do mesmo tamanho, mas não sou eu que os vou adjectivar — deixo-lhe a si essa liberdade verbal, pois já vi que a tem." Desidério, tenho-o visto insultar gratuitamente tudo e todos em vários posts neste blog. Profere regularmente as palavras "tolo", "besteira", "burro" e se bem me recordo defendeu o direito ao insulto há pouco tempo (direito que eu não usei). Para que essa achega gratuita? Que enriquecimento trás ao diálogo? tsc tsc tsc...

David Marçal disse...

Não me considero um religioso do Linux, apesar de usar para a análise de dados de difracção de Raio-X, aplicação para a qual o windows é absolutamente impraticavel. Dou três exemplos muito simples, que desafio a que me expliquem como se faz de um modo prático em windows:

1. Apagar uma coluna vertical de um ficheiro de texto
2. Listar numa directoria, por ordem cronologica de criação, todos os ficheiros que contêm os caracteres "log".
3. Encontrar num ficheiro de texto todas as linhas que tem a palavra "gato".

Pode parecer parvo, mas às vezes preciso mesmo de fazer coisas assim.

Mas não é para fazer evangelização de Linux que aqui vim, na realidade dá-me igual que outros usem ou não usem.

Não há nada de impossível em ganhar dinheiro com Linux ou programas de Open Source. E há empresas (red hat, sun), que o fazem.

Free software não é free como em free beer. É free, como em liberdade.

A licença open source tam a ver com a possibilidade de outros criativos inovarem sobre o que já existe, aceitando que o seu trabalho possa ser usado pelos outros do mesmo modo. Não há nada que impeça de vender o meu trabalho de inovação, desde que permita que outros usem o que fiz do mesmo modo.

As patentes e copyrigth não são o fim da história nem o melhor para o desenvolvimento das sociedades, ao contrário do que acriticamente se ouve. As patentes e o copyright fazem com que os mercados correspondentes (farmacêutico, música, etc) sejam apenas a acessíveis a participantes com capacidade de travar batalhas judiciais globalmente. Não protejem propriamente os autores e os inventores, mas sim as corporações multinacionais. (não sei se isto é um pensamento aristocrata? Não me considero)

Há um livro muito interessante sobre isso do Lawrence Lessig chamado Free Culture.

As pessoas, mesmo que paguem o windows quando compram o computador, não pagam os programas que nele instalam. Se tivessem que pagar, se houvesse uma repressão efectiva para a pirataria, gostaria de ver quantas optariam pelo windows.

3 de Março de 2009 19:27

Não me considero um religioso do Linux, apesar de usar para a análise de dados de difracção de Raio-X, aplicação para a qual o windows é absolutamente impraticavel. Dou três exemplos muito simples, que desafio a que me expliquem como se faz de um modo prático em windows: 1. Apagar uma coluna vertica de um ficheiro de texto 2. Lista numa directoria, por ordem cronologica de criação, todos os ficheiros que contêm os caracteres "log". 3. Encontrar num ficheiro de texto todas as linhas que tem a expressão "gato". Pode parecer parvo, mas às vezes preciso de fazer coisas assim. Mas não é para fazer evangelização de Linux que aqui vim, na realidade dá-me igual que outros usem ou não usem. Não há nada de impossível em ganhar dinheiro com Linux ou programas de Open Source. E há empresas (red hat, sun), que o fazem. Free software não é free como em free beer. É free, como em liberdade. A licença open source tam a ver com a possibilidade de outros criativos inovarem sobre o que já existe, aceitando que o seu trabalho possa ser usado pelos outros do mesmo modo. Não há nada que impeça de vender o meu trabalho de inovação, desde que permita que outros que usem o que eu fiz também o façam. As patentes e copyrigth não são o fim da história nem o melhor para o desenvolvimento das sociedades, ao contrário do que acriticamente se ouve. As patentes e o copyright fazem com que os mercados correspondentes (farmacêutico, música, etc) sejam apenas a acessíveis a participantes com capacidade de travar batalhas judiciais globalmente. Não proteje propriamente os autores e os inventores, mas sim as corporações multinacionais. Há um livro muito interessante sobre isso do Lawrence Lessig chamado Free Culture. E as pessoas, mesmo que paguem o windows quando compram o computador, não pagam os programas que nele instalam. Se tivessem que pagar, se houvesse uma repressão efectiva para a pirataria, gostaria de ver quantas optariam pelo windows.

Anónimo disse...

Olhe, o mais das ironias é várias vezes ter sido interpelado, com o portátil aberto, por passantes ou colegas "é pá, isso tem um aspecto porreiro, onde é que se saca esse programa" e eu ter de lhes dizer, "é pá, isto só dá em Linux" e nem sequer é de propósito. São coisas... :)

Anónimo disse...

Caro David

Já há quase um ano (será um ano? Bem, foi quando publicou neste blog a sua última diatribe anti-open source e wikipedia) desafiei o Desidério a ler esse livro e discutir os pressupostos do mesmo. Não tive sucesso. Será agora?

Desidério Murcho disse...

Por que razão me interpretam como se eu tivesse escrito que o Linux é mau? Tudo o que escrevi é que é um modelo económico suicida, e por isso infelizmente não há mais sistemas operativos e software fora das garras das grandes companhias. Ninguém faz dinheiro com o Linux, mas as grandes companhias conseguem fazer dinheiro usando o Linux como meio para vender outra coisa, tal e qual como o Google usa o GMail como meio para vender publicidade. Isto é como fingir que se oferece algo a alguém, mas depois a oferta é uma mentira económica que lixa os pequenos criadores que não podem competir com as grandes empresas. Por alguma razão não é possível um grupo de 5 engenheiros particularmente talentos viver de um sistema operativo baseado no Linux, particularmente bem feito.

Segundo, o Linux é como qualquer outro software: em si, tem coisas boas, e tem coisas más, e depende das distribuições. Se eu precisasse de fazer certas coisas, teria de usar o Linux ou seria melhor usar o Linux. Mas como tenho de fazer o que tenho de fazer, tenho de usar o Windows, e preferia não ter de o fazer, mas é impossível.

Jamais pus em causa o conceito de Open Source, ponho é em causa a ideia inane de disponibilizar software de borla, e bater palmas a seguir. Mas repare-se que o conceito de Open Source é irrelevante para a generalidade das pessoas, porque a generalidade das pessoas não sabe programar nem HTML, quanto mais uma linguagem a sério. Portanto, voltamos à minha analogia dos tractores. Os programadores inventam uma coisa que a eles lhes dá jeito, mas são tão palermas economicamente que nem vêm que estão a prejudicar a sua própria indústria, porque economicamente a ideia é insustentável.

Kyriu, eu defendo o direito de as pessoas passarem o dia a dar cabeçadas na parede se quiserem, mas não me interessa fazer isso. Uso uma linguagem pitoresca e insultuosa, mas é em geral, dizendo “as bestas que pensam que a Terra é plana”, por exemplo, mas não chego aqui e insulto-o a si ou a qualquer outro leitor em particular, o que é bem diferente. (Isso só aconteceu uma vez na brincadeira com o Luís.)

Mas tudo isto é um fait-divers, tem razão. A questão crucial é mesmo esta: como tornar economicamente sustentável coisas como a criação de software, de filosofia, de literatura, de física, de astronomia? Tudo o que a religião borlista faz é tornar o problema ainda mais intratável.

Finalmente, esclareço que a revista Crítica, por mim dirigida e de acesso restrito, tem isto escrito nas suas condições de utilização:
— O sistema de subscrições existe apenas para apoiar o trabalho e despesas envolvidas na publicação da Crítica, e não para impedir o acesso aos materiais publicados nesta revista.
— Os materiais disponibilizados na Crítica podem ser livremente lidos, fotocopiados e armazenados para consumo pessoal e escolar.
— Os subscritores podem usar livremente a sua subscrição, em qualquer computador. Podem dar os seus dados de acesso a terceiros, para divulgar a Crítica; mas devem incentivá-los a apoiar a Crítica, fazendo uma subscrição.
— É permitida e incentivada a reprodução não comercial dos artigos da Crítica em qualquer meio, nomeadamente na Internet, em livros, revistas, CD-ROMs ou outras publicações. A Crítica tem sempre de ser citada.
— Os autores dos materiais publicados na Crítica mantêm todos os seus direitos legais de propriedade intelectual, podendo reproduzi-los e reeditá-los sob qualquer forma, comercial ou não.

A insinuação de que defendo o que defendo porque estou a defender o meu negócio é hilariante, pois eu estou precisamente a atacar a mentalidade das pessoas que para defender o seu negócio fingem que ficam com o dinheiro dos contribuintes para lhes dar algo que eles valorizam, quando isto é claramente falso. E finalmente vamos outra vez ao Miguel: o que conta é que as pessoas que estão realmente interessadas em filosofia ou em astrofísica são tão poucas que se fossem elas a pagar directamente estas coisas, elas desapareciam ou quase. Nada disto tem a ver com o facto de eu financiar estradas sem ter carro. Mas compreendo que o Miguel se recuse a ver isto precisamente porque é um aspecto desagradável da realidade. Toda a gente gosta de dizer que somos pagos para fazer um bem público, mas isto é uma mentira política: a expressão “bem público” significa apenas que fazemos algo que as poucas pessoas que valorizam e ganham algo com o que fazemos são tão poucas que tornam a nossa actividade economicamente insustentável, pelo que roubamos dinheiro às outras e depois chamamos ao que fazemos bem público, e depois disponibilizamo-lo hipocritamente de borla e mesmo de borla a maior parte da malta não lhe pega. Ninguém quer enfrentar isto porque é demasiado desagradável, mas esta é a verdade.

Celso R. disse...

"Jamais pus em causa o conceito de Open Source, ponho é em causa a ideia inane de disponibilizar software de borla, e bater palmas a seguir. "

Linux ou antes a GNU não foi feito para ser grátis mas para ser livre, ou seja é permitido a venda (e isso é incentivado http://www.gnu.org/philosophy/selling.html excepto pelos que têm uma visão criticada no seu texto e querem tudo grátis). A GNU foi criada com um propósito intelectual não com um propósito de andar a distribuir software gratuito ao povo. Prova disso é que os maiores contribuidores de Linux são empresas como a Red Hat, Novell, etc ou seja programadores que trabalham para empresas que lhes pagam para trabalhar em Linux. O negócio à volta de Linux baseia-se no pagamento de serviços e não no pagamento do código* em si como um produto material. *(que é aberto e consequência da licença gratuito e distribuível)

Para a maioria das pessoas o ser gratuito ou não é indiferente pois não fazem conta de pagar pelo produto. É aí que os programas Open Source (linux nem sofre muito disso porque é um sistema operativo e pode ser pago com a compra do computador) têm de usar receitas alternativas (como publicidade) porque a norma é as pessoas não quererem pagar (tal como acontece com os jornais).

A distribuições vivem então das empresas que as mantêm porque têm lucros na venda de serviços e ou/e entusiastas que colaboram entre si por hobby.

O problema de fundo é cultural porque nas pessoas em geral não dão valor a coisas que não sejam materiais.

David Marçal disse...

Portanto a ideia é que se o Linux desaparecer floresce uma industria de sofware alternativa ao universo Microsoft, de que os utilizadores beneficiarão?

Anónimo disse...

OK. Essa é a questão de fundo portanto. E é uma questão que me interessa. Por isso achei que falar do Linux, dizendo coisas sobre o mesmo que não eram verdade nem vinham a propósito da tese central, não estava correcto.

Antes de mais um esclarecimento. Dou-o porque penso que não está claro. O html não é open source. O html é um formato aberto. São conceitos completamente distintos. Um diz respeito `formulação de um padrão por comum acordo de vários parceiros representativos da industria e/ou sociedade, sendo publico e permitindo que desde que a empresa A, B ou C o respeitem os seus programas (ou ferramentas, o que seja) são interoperáveis. É como a definição padrão dos fios dos parafusos. Assim dão em todos os buracos que obedeçam aquele padrão. Open source diz respeito a uma licença e forma de disponibilizar software. Que dá o direito de alterar e distribuir livremente desde que essas liberdades não sejam tiradas aos outros e as alterações sejam disponibilizadas da mesma forma.

Existem pessoas a fazer dinheiro directamente com o Linux. Existem empresas a pagar programadores para Linux (a IBM será a maior) porque este cria um ambiente de trabalho propicio ao desenvolvimento de outras ferramentas. O Linux e o Apache são a canalização informática dos nosso dias.

Quanto à cultura "borlista" que o Desidério menciona é muito mais antiga que isto. Basta defender o direito ao acesso às ideias. Agora aquilo que eu acho é que existe uma massa muito maior com as mesmas ideias punk dos anos 70 e 80 em que nada é preciso pagar, tudo deve ser grátis. Mas "livre" não é sinónimo de "grátis". Há um reverso da medalha, que é quando se guardam as ideias e se impede que as pessoas tenham acesso a elas. Mais irónico porque as ideias são construções mentais, qualquer um as poderia ter mas caminha-se para um estado de direito em que apenas a primeira pessoa (que a registre) em o direito ao seu usufruto! Não é bizarro? Como disse há um equilibrio a estabelecer. Entre o direito privado e o público. Porque o direito privado é concedido pelo público através da força. A Lei é a forma do público exercer a força sobre o privado.

Se há erros no raciocínio gostaria que mos apontassem. Evoluir é sempre bom.

Desidério Murcho disse...

Não, David, a ideia é que só é possível concorrer com a Microsoft e a Adobe e outras quando temos um modelo económico com pés e cabeça. Por exemplo, o Firefox foi um sucesso porque se adaptou à nova economia digital inaugurada pelo Google, financiando-se pela publicidade; de outro modo, não teria hoje tantos utilizadores. Quando se encontrar uma maneira de o Ubunto gerar dinheiro, muitas mais pessoas passarão a usá-lo. Isto devia ser óbvio, mas a mentalidade religiosa do pessoal é curiosa: é evidente que o Ubunto ou o Fedora ou outras distribuições, em termos técnicos, poderiam ser usadas pela maior parte das pessoas, sobretudo se viessem já instalados nos computadores que compram; além disso, são gratuitos; então como explicar que não sejam usados pelas pessoas? Depois disto vêm sempre teorias da conspiração e explicações imaginativas. Mas a resposta simples é: dinheiro. Se houvesse dinheiro a ganhar com o Linux, o Linux entraria pela casa dentro de mais pessoas, estaria nas lojas, nas montras, nas revistas, nos jornais. E depois as pessoas quereriam tê-lo.

Nada do que eu disse tem seja o que for a ver com direitos de propriedade intelectual. A grande falácia da religião borlista é misturar as duas coisas. Os direitos de propriedade intelectual, como praticamente todas as leis complicadas, estão cheios de palermices que têm o efeito contrário ao pretendido, que seria o de financiar os criadores. Mas os borlistas têm um modelo económico exactamente com o mesmo defeito, pois tem um efeito contrário ao pretendido, que seria estimular a criação: não a estimula porque é incapaz de conceber um modelo económico viável.

Repito: jamais afirmei que não é possível fazer dinheiro com os *nix. Claro que é. Tal como é possível ao Google e ao Firefox fazer dinheiro. E à Wikipédia. O modelo é sempre o mesmo: grandes tubarões, grandes empresas, grandes concentrações de capital, pouca ou nenhuma diversidade, nenhuns criadores independentes.

Desidério Murcho disse...

Celso, “O problema de fundo é cultural porque nas pessoas em geral não dão valor a coisas que não sejam materiais.” Isto é falso. As pessoas dão imenso valor a coisas que não são materiais, como novelas brasileiras ou estatutos sociais. O problema de fundo é que a generalidade das pessoas 1) não dão valor ao que intelectuais dão valor e apregoam que é o mais valioso e 2) não querem pagar até mesmo aquilo a que dão algum valor, como a medicina ou o ensino.

Anónimo disse...

Kyriu, quando dizes: "Mais irónico porque as ideias são construções mentais, qualquer um as poderia ter", parece-me que estás a ser um bocado simplório.
Vais-me dizer que qualquer um poderia ter tido a ideia do último livro do Saramago, e te-lo escrito exactamente igual? Ou que qualquer um comporia qualquer das músicas do Mozart? Há coisas que demoram muitos anos a desenvolver, as coisas não caem do céu.

Desidério, o problema do financiamento é uma coisa sem solução, o que temos é o que melhor se arranjou, e como tu não dizes nada de novo, ficamos na mesma.
Não fales mal do google. O google começou com uns putos, sem publicidade, e cresceu porque é o melhor motor de busca que existe, porque tem qualidade, e não porque as pessoas são estúpidas e só compram merda, exactamente ao contrário, as boas coisas tornam-se conhecidas.
Os blogues não servem só para chamar pessoas à net, nem o blogspot, que é do google, é a maior plataforma, nem de longe. Os blogues gratuitos, e tal e coisa, servem para revelar gente que escreve bem e que enriquece a vender o que escreve.
O Público não é um bom jornal, é um jornal de merda, cada vez pior, e com piores cronistas.
Então as pessoas não compram cultura? Então como é que a J K Rowling conseguiu aqueles 700 milhões de euros?
Não compram a tua cultura? E tu não sabes ao que ias? Quem decide viver a vida a arrumar carros, ou a fazer filosofia, e que sabe que vai viver de esmolas, não pode depois zangar-se e achar que as pessoas deviam pagar, caros, os seus excelentes serviços.
E se te dedicasses a escrever estórias para criança? Tens uma mentalidade infantil, és super-inteligente, se calhar até eras capaz de fazer melhor do que a J K. Depois de ganhares uns 700 milhões, já podes investir na investigação filosófica, sem te queixar da esmola.
luis

Desidério Murcho disse...

Nunca afirmei que não há coisas como o Harry Potter — há até coisas boas, como o Ian McE-wan. Na verdade, o modelo de financiamento da literatura é do mais honesto que há — as pessoas escrevem e são directamente sustentadas pelos seus leitores. É bonito; cada pessoa que usufrui do trabalho dele paga-lhe umas 2 ou 3 libras e ele pode viver da escrita. O mesmo não acontece com a maior parte do resto do trabalho intelectual. E é pena.

O meu artigo não é para apresentar soluções, que não as tenho, mas para mostrar um pro-blema que ninguém quer ver porque é demasiado chato. E se ninguém olhar para ele, não será possível encontrar melhores respostas do que as que temos hoje.

O Google impôs-se por ser na altura muito melhor do que os outros, e eu nunca disse o contrário. Tudo o que eu disse é que o modelo económico em que o Google e o Firefox se baseiam, a publicidade, é o modelo do velho mundo indigital, que nos deu a televisão aberta e os jornais da treta. Não há razões para pensar que no mundo digital as coisas serão diferentes porque todo o financiamento que depende da publicidade depende do número bruto de pessoas e quando queremos ter muitas pessoas, temos de enfrentar a realidade que ninguém quer enfrentar: a esmagadora maioria da humanidade só quer palermices e as minorias que querem as outras coisas não são em número suficiente para as pagar, ou não estão dispostas a pagá-las.

O meu artigo nada tem de pessoal. Eu, como muitos outros intelectuais privilegiados, vivo dos impostos dos outros.

Anónimo disse...

Já estavas a dar uma solução, que é a de as pessoas pagarem por aquilo que não querem pagar.
A vida é difícil, tem que se lutar muito, tu és um privilegiado que vives à custa das nossas esmolas, porque se tivesses que viver do real valor da tua escrita, não andavas aqui com tantos posts, tinhas mais que fazer.
Toma lá uma coisa que li há uns meses no The Times. É pena não conseguir encontrar o outro artigo relacionado que mostra as estaísticas sobre os ganhos de escritores. Acho que a vida não é fácil para eles, se não estou em erro, o ordenado médio é de 16000 libras por ano:

http://business.timesonline.co.uk/tol/business/columnists/article3378297.ece

luis

Anónimo disse...

oh Luis, aquilo que eu quis dizer (e já vi que me expressei mal) é que por A ter tido a ideia 1 não é impeditivo que um B não possa ter ter a mesma ideia em circunstâncias completamente independentes (ie, sem saber de A nem da sua formulação 1).

Quanto a Desidério continuo a achar que não tem razão. Primeiro o firefox não precisa do google para ter sucesso. É um produto técnico de sucesso. Já andava aí na berra muito antes do google vir em seu auxílio. A sua base instalada fora do ambiente windows é grande. Isso dirá qq coisa não? O Ubuntu não é um sucesso neste momento? Creio que o é. Dizer que é apenas uma questão de dinheiro é que me parece simplista. Se tal fosse verdade bastava adicionar dinheiro à equação não? Há factores de escala, habituação e inte-roperação importantes a ter em conta. Como aquele com que me lixam no banco online ao estarem meses com um site que não funciona em Firefox porque a percepção é que os clientes podem sempre ir ao IE. E tem um sistema de relações públicas tão pouco inteligente que o diz assim aos clientes (você não nos interessa). Quase toda a gente confrontrada com isto não está para se chatear e continua na mesma. O poder da inércia é gigantesco. Chame-lhe teoria da conspiração, eu é o que vejo. Isto é como na física, se aumentarmos a escala determinados efeitos que pensamos lineares começam a tornar-se não-lineares.

A realidade é que teremos sempre vários modelos a coexistir. E a outra realidade é que, como sempre, há coisas que são um luxo e que nunca estarão na lista de prioridades das pessoas. E a cultura, para muitos, é um luxo. Como o pensamento. Nesse aspecto tem razão...

Quanto a criação o universo de software existente, a quantidade de produtos derivados do mesmo e que existem graças a ele desmentem-no completamente.

joão viegas disse...

Caros,

Não vou entrar na discussão do problema geral, porque acho que as fraquezas do texto do Desidério estão à mostra (ele mesmo parece estar ciente disso), nem na discussão técnica acerca de Firefox e Linux, que é assunto do qual não percebo nada.

Apenas lembrar que um bocadinho de rigor nunca pode fazer mal, menos ainda numa discussão filosofica.

Ora acontece que, em bom rigor, as ideias não são, nem nunca foram, susceptiveis de apropriação.

Estou convencido que se o Desidério tivesse procurado saber porquê, ou pelo menos tentado exprimir as suas reflexões tendo em conta esta realidade elementar, muitos dos erros de palmatoria do seu texto teriam sido evitados.

Boa continuação.

Desidério Murcho disse...

Não estou a defender que as ideias têm dono, nunca afirmei tal coisa. O que se passa é que as pessoas não querem enfrentar a realidade, porque é chata. E a realidade é que há muitas actividades que não são em si economicamente sustentáveis. As soluções que temos hoje em dia são a publicidade e o financiamento do estado, que é uma forma de roubo pois se as pessoas estivessem interessadas em pagar, pagavam directamente. Isto é de tal modo desagradável que é mais fácil fingir que está tudo bem. Não está. Algumas actividades pagas pelos impostos involuntários das pessoas são certamente usadas para coisas que elas até valorizam, como a medicina; mas a esmagadora maioria da investigação académica não tem quaisquer efeitos na vida das pessoas e as pessoas não se interessam por tais coisas. Mais gritante ainda é o investimento público nas artes do espectáculo, que por definição deveriam ser totalmente financiadas... pelo espectáculo. As pessoas pagam assim coisas que se quisessem realmente que existisse poderiam ir ver e pagar o bilhete de entrada e assim não seriam necessários subsídios. O mesmo acontece com os livros financiados, como os livros da INCM ou da Gulbenkian (em alguns casos apenas): as pessoas não os compram, porque não os querem nem dados, mas financiam-nos à mesma porque parte dos seus impostos são canalizados para pagar esses livros, que depois ficam a ganhar bolor nos armazéns, até serem destruídos, porque quase ninguém os compra. Isto é muito desagradável e as pessoas não querem olhar para a coisa de frente; afinal, nós, intelectuais e académicos, temos os políticos e burocratas do nosso lado, porque nos dão o dinheiro que queremos, inventando-se a cantiga do interesse público e do apoio público às artes, às ciências e à filosofia. Mas se o público realmente quisesse apoiar estas coisas, pagava-as do seu bolso, consumia-as e ao fazer isso tornava-as economicamente viáveis. O comércio é o grande soro da verdade.

O sucesso informático do Firefox ou de algo como o Ubuntu mede-se em percentagem de utilizadores. O primeiro é um sucesso, o segundo não. O primeiro é um sucesso porque tem o Google por detrás, que o financia através da publicidade. Em 2006 a Mozilla meteu no bolso cerca de 66 milhões de dólares, mais de 80% dos quais foram pagos pelo Google. Mas a Mozilla pagou apenas a 90 pessoas, e o seu chefe ganha 500 mil dólares por ano. Sem o contrato com o Google, o Firefox nunca teria tido a força comercial para se impor — e ao mesmo tempo, claro, fez 10 mil pessoas ajudar a pagar do seu bolso um anúncio no New York Times. Imagine-se o que seria a Adobe ou a Microsoft ou a Sun pedir à malta para lhe pagar anúncios. Isto tornou-se claramente uma religião, em tudo semelhante à Igreja Universal do Reino de Deus e outras, que vivem da generosidade deslocada dos seus fãs, que só é possível porque a realidade acerca dessas organizações não entra na cabeça dos fãs.

A vida social seria mais bonita se tivesse menos mentiras e mais honestidade. Ninguém sabe como resolver o problema da viabilidade económica daquilo que o grosso da população não valoriza, mas uma minoria valoriza. Então, essa minoria usa o poder político que tem e tira dinheiro às pessoas para financiar o que elas não querem financiar. Ninguém concebe outra maneira de financiar estas coisas, além da publicidade. Mas é melhor assumir isso honestamente do que fingir que temos um modelo maravilhoso de financiamento da cultura, das artes e das ciências.

Anónimo disse...

"o financiamento do estado, que é uma forma de roubo"

Desiderio, isto nao e' uma realidade 'a priori'. E' uma opiniao (concerteza legitima), um juizo de valor e uma posicao ideologica muito randyana e 'a la Cato. E' muito pouco filosofico nao reconhecer estas coisas elementares.

Miguel

joão viegas disse...

Caro Desidério,

Eu não digo que o assunto em que tocas não mereça reflexão ponderada, apenas digo que a reflexão não serve de nada se não fôr feita com um minimo de rigor.

Ora, no teu texto, não é apenas o titulo que carece de rigor. Por exemplo, ha muitas coisas, para além das ideias, que estão fora do comércio e isto não significa de maneira nenhuma que as pessoas não as valorizem... Portanto a equivalência simplista que fazes entre "valorizar" e "comprar", ou entre o preço de mercado e a viabilidade ou "sustentabilidade" economica, traduz uma analise perfeitamente superficial do problema.

Este erro ja seria censuvel num economista, que tem a obrigação de ter uma ideia clara e bem definida daquilo de que fala. Agora num filosofo é pura e simplesmente indesculpavel.

E o erro não é circunstancial, é um traço de estrutura. Por exemplo noto com espanto (e preocupação) que tu afirmas que o trabalho que fazes, como investigador e professor, interessa apenas a uma minoria de pessoas. Acreditas mesmo nisso ?

Talvez devesses começar pelas bases. Lembras-te com certeza que Socrates foi um critico dos sofistas, os quais pretendiam dispensar o seu saber a troco de dinheiro. Tens alguma ideia das razões pelas quais Socrates considerava que esse pretenso saber não "valia" nada ?

Eu so pergunto porque acho que a questão é capaz de ter alguma coisa a ver com filosofia...

E também porque acredito que a maneira idiota com que muitas pessoas vão atras das balelas proferidas por (maus) economistas (lembro aqui uma discissão perfeitamente surrealista sobre o imposto progressivo) é reveladora, não de uma falta de cultura economica, mas de uma tremenda falta de cultura filosofica (no melhor sentido do termo, que implica a capacidade de pensar claramente e pela sua propria cabeça).

E por ultimo, Desidério, eu não estaria aqui a perder o meu tempo se não acreditasse que és capaz de fazer muito melhor do que o texto infeliz deste post.

Abraços filosoficos.

João Sá disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Sá disse...

Caro Desidério, já o vi escrever coisas bem mais interessantes. Este texto tem imensas confusões e incoerências. Confunde permanentemente software gratuito com software livre (deriva do duplo significado da palavra free em inglês).
Só para dar um exemplo dos erros que cometeu, freeware e software open source são coisas totalmente distintas. Há software livre e aberto, como o Linux e como o Apache (servidor web), que é usado na esmagadora maioria dos servidores (que todos utilizamos sem pensar quando navegamos na Internet). Tal como o software comercial, há o que tem um grande número de utilizadores e o que tem poucos. E isto, claro, independentemente de ter ou não publicidade a financiá-lo.

Eu percebo, e partilho, da sua vontade de procurar a verdade. Mas, como bem sabe, é preciso conhecer os assuntos em profundidade e não se limitar a divagar sobre questões que conhece apenas pela rama.

Desidério Murcho disse...

Olá, João

Não faço tal confusão. E é vísivel que a distinção é irrelevante para o que está em causa. Tanto faz que o software seja de código fechado ou aberto, o problema é o mesmo: como tornar a actividade de o escrever economicamente viável, sem 1) depender da publicidade nem 2) de grandes companhias? Como estimular a criação independente economicamente viável? A comunidade Linux tem contribuído muito para tornar este problema invisível, pois pressupõe sistematicamente que toda a gente tem o tipo de emprego que eles têm, ou em grandes companhias ou no estado. Curiosamente, esse modelo de programação nunca produziu algo como o Aurélio ou como o FLiP. Porquê? Porque não é economicamente viável fazer tal coisa, a menos que os utilizadores paguem, e a comunidade Linux quer meter tudo de borla na net porque assim é que é bonito, dizem eles. Pois, para eles é bonito. Vão lá dizer isso à Priberam, que faz o FLiP, por exemplo.

João Sá disse...

Desidério,

A comunidade open source tem um sem número de dicionários, ferramentas de tradução, de correcção ortográfica e gramatical. Alguns exemplos: ISpell, ASpell, StarDict, ..., http://translate.sourceforge.net/wiki/, http://gtranslator.sourceforge.net/. Temos, também, as ferramentas incluídas no openoffice e noutras aplicações de processamento de texto e não só.
Mas não me parece que isso seja o importante. O software comercial é "mais forte" e tem maior oferta para determinados sectores, enquanto o software open source tem noutros (aqui, o domínio dos servidores é evidente).

A questão central está na forma redutora como apresenta a questão. Claro que a sobrevivência de quem desenvolve este tipo de software tem de ser assegurada. Uma forma possível, passa pela posterior manutenção desse software (pagamento pela prestação de um serviço e não pela venda de um produto). Outra forma, passa pelo desenvolvimento de versões base que, depois, com o contributo de todos amadurecem e ganham massa crítica. A partir daí é possível que utilizadores mais exigentes (normalmente empresas), porque dependem dessas aplicações, financiem o desenvolvimento de novas funcionalidades e actualizações.
O voluntarismo é, também, e sem dúvida, indispensável ao desenvolvimento deste tipo de software. Mas, não é assim com a contribuição cívica de tantos? Em associações, em clubes, em família, em grupos de amigos, ...
Qual é a necessidade de "obrigar" tudo a submeter-se a uma lógica de mercado?
Não vejo onde está a mentira ou a ilusão.

Desidério Murcho disse...

João, não vê a realidade quem não a quer ver, e é óbvio que não é com argumentos e seriedade epistémica que se convencem pessoas que têm atitudes dogmáticas e religiosas em relação ao borlismo da Internet. As aplicações que refere para o Open Office são risíveis, comparadas com o FLiP; não têm correcção sintáctica de jeito, apenas ortográfica, e mesmo esta não reconhece metade das palavras; não tem dicionário de sinónimos de jeito. E, claro, não há Aurélio ou Houaiss em Linux, nem qualquer bom dicionário português.

Agora é importante ver o seguinte: eu gostaria de ter todas essas coisas em Linux — talvez mudasse para Linux se tivesse. Mas não tenho nem nunca terei porque a referida “comunidade open source” (não sou eu que estou a confundir código aberto com software gratuito) não é economicamente viável e por isso só temos os restos do que um engenheiro qualquer precisou de programar para uma grande empresa qualquer, ou o que lhe deu na gana fazer ao fim-de-semana. Produtos de alta qualidade não temos, nem teremos.

Não se trata de obrigar tudo a submeter-se à “lógica de mercado”. Trata-se pura e simplesmente de pensar na viabilidade económica das nossas actividades, e das consequências de insistirmos religiosamente em modelos que são economicamente inviáveis. Uma das consequências é a consolidação de corporações cada vez maiores que empregam os engenheiros, em vez da criação de pequenas empresas de engenharia informática, independentes das grandes corporações, criativas e inovadoras. Portanto, devolvo-lhe a pergunta: por que razão haveremos de submeter tudo à lógica das grandes corporações?

João Sá disse...

Desidério,

No que respeita a software, claro que há segmentos em que as aplicações comerciais (e fechadas – praticamente não existe software comercial e aberto) são incomparavalmente superiores. O mesmo acontece, noutros tipos de aplicações, em relação ao software aberto. Não há uma tão grande diversidade de aplicações nem com tanta qualidade, no que respeita a servidores, como no domínio do software aberto. Refiro-me a servidores de email, de transferência de ficheiros, de DNS, de páginas web, …! Nesse campo, em termos de performance, de fiabilidade, de funcionalidades, e até no número de utilizadores, o software open source bate aos pontos o sofware comercial. “Cada macaco no seu galho”. Claro que, ambos (software comercial[que é esmagadoramente fechado] e software [de código] aberto[que é uma parte do software gratuito]), procuram ganhar massa crítica onde não dominam. Esta discussão daria pano para mangas mas, para já, passemos à frente...

Mas qual é a necessidade de “mudar” e de padronizar a utilização de computadores? Por mim, valorizo a diversidade. Utilizo computadores com Windows (várias versões), com Mac OS X, com Linux (várias distribuições), e não sou fundamentalista de nenhum deles. Quanto maior a escolha, melhor.

Eu não discordo de muitos dos seus argumentos. Mas discordo de uma lógica que lhes está implícita, isto é, de achar que tudo tem de ser economicamente viável. Admitindo que parte do software (não é todo assim) é financiado indirectamente por grandes companhias ou pelo estado, qual é o problema disso? Todo o financiamento tem de assentar numa lógica directa e simplista? Se eu for trabalhador do estado, cumprir as minhas tarefas profissionais, qual o problema de me dedicar ao fim de semana a desenvover software aberto? Ou mesmo durante o horário de trabalho, se esse trabalho for do interesse de quem me paga ao fim do mês e, mais, quem me paga puder ainda ganhar com o trabalho de uma comunidade distribuída por todo o mundo que me ajuda?

No mundo do software existem cada vez mais pequenas empresas. Aliás, a minha percepção, que conheço o meio, é de que crescem como cogumelos. Umas com qualidade, outras nem por isso.

Mas, para não me alongar demasiado, e para responder à sua pergunta, não me parece que o mundo do software open source (e de outras produções intelectuais) esteja submetido à lógica das grandes corporações. Naturalmente que não tenho uma resposta final sobre aquilo a que está submetido. Mas tenho algumas pistas. Talvez seja apenas uma forma de socialismo real que não foi ainda possível pôr em prática noutros domínios da vida... Se não, quando eu me sento no sofá à noite ou ao fim de semana, a pensar em tudo e em nada, estarão também esses meus pensamentos submetidos à lógica das grandes corporações? Quando participo numa manifestação em defesa dos direitos humanos, só porque pago o transporte com o dinheiro que ganhei a trabalhar para uma grande corporação, também lhes devo agradecer? Tal como nem todo o software é “mercado”, nem toda a liberdade é liberalismo.

Desidério Murcho disse...

Ou seja, João, finalmente concorda que um modelo económico viável num caso pode não o ser noutro. Isso é o que eu disse desde o início. O modelo económico dos tractores não se aplica aos automóveis. O modelo económico das aplicações especificamente para empresas não se aplica ao software doméstico, pois num caso os engenheiros são contratados pelas próprias empresas para programar, mas no caso do doméstico isto não faz qualquer sentido.

No caso doméstico faz sentido fazer com o software tal e qual como fazemos com os livros: compramos cópias e ao fazer isso uma percentagem desse dinheiro sustenta economicamente o criador, e outra percentagem sustenta todos os intermediários que distribuem o produto e o produzem.

No caso dos livros, o que pagamos por cada cópia é para pagar ao livreiro, que tem um papel crucial na distribuição, ao revisor do texto, ao tradutor (se for o caso), às pessoas que trabalham nas gráficas e fazem o livro fisicamente e ao autor.

No caso do software, grande parte dos intermediários é eliminada, porque o engenheiro pode pôr o seu trabalho directamente na internet, e nesse caso o preço da cópia paga-lhe mais directamente, apesar de uma parte ser também para pagar os servidores e o domínio.

Mas os borlistas acham metafisicamente escandaloso que se pague por uma cópia que se pode copiar facilmente e quase a custo zero, esquecendo que o que estamos a pagar quando pagamos aparentemente a cópia não é a cópia mas o criador e todos os intermediários necessários para existir a obra em causa.

De modo que não sou eu que estou a querer um sistema económico único; são os borlistas que o querem. Eu sempre defendi que o modelo económico que se aplica ao mundo dos servidores não se aplica ao restante mundo dos computadores.

Finalmente, a quase totalidade das empresas de software que surgem no mercado surgem para servir outras empresas, e não o grande público -- pela simples razão de que tentar servir o grande público é economicamente inviável: uma semana depois de você pôr o seu aplicativo a vender no seu site, aplicativo que demorou meses ou anos a desenvolver com os seus colegas, ele aparece pirateado na internet e acabou-se o negócio para si: tem de reformular a empresa para passar a ser pago pelo serviço, directamente, o que implica abandonar o software que interessa a pessoas como eu e ao grande público.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...