terça-feira, 3 de março de 2009

A EVOLUÇÃO DA BÍBLIA - GUIÃO 1


Recebida da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, publicamos a 1ª parte do guião, escrito por António Eugénio Maia do Amaral, da exposição "A Evolução da Bíblia" inaugurada hoje, :

Séculos XII-XV

A palavra Bíblia, no plural, deriva do grego bíblion (βίβλιον), que significa "rolo" ou "livro". A Bíblia, de longe o livro mais traduzido e divulgado de sempre, serve-nos nesta exposição apenas como exemplo para mostrar a evolução de todos os livros.

Na época medieval, as bíblias eram copiadas nos “scriptoria” dos conventos e das catedrais, para o uso das respectivas comunidades. Devido ao tamanho da letra escrita à mão, dificilmente se podiam fazer Bíblias inteiras num só volume. Pertencente estilisticamente ainda ao ciclo românico (Séc. XII), a Biblioteca Geral tem uma das mais completas das chamadas “bíblias atlânticas” em Portugal, de que se mostra aqui o volume I, dos quatro que a compunham.

No período gótico (Séc. XIII), o tamanho da letra foi reduzido e o uso intenso das abreviaturas e do velino fino contribuíram para a compactação dos códices. Mesmo assim, raramente pesavam menos de cinco quilos. Os muito, muito ricos podiam oferecer-se cópias manuscritas destas grandes bíblias de aparato, mas contentavam-se a maior parte das vezes com os excertos escolhidos para os seus livrinhos pessoais de devoção chamados “livros de horas”, alguns belamente ilustrados. No livro, a grande novidade humanista do século de Quatrocentos é a leitura individual.

A primeira grande aventura comercial na história da imprensa ocidental foi a produção de uma Bíblia completa, concluída por Gutenberg em 1454 ou 1455. A Biblioteca Geral não tem nenhuma Bíblia de Gutenberg, mas possui uma ainda mais rara, um excelente exemplar em papel da Bíblia dada à estampa pelos seus sócios, Johannes Fust e Petrus Schoeffer, a primeira a conter uma data, local e nome dos impressores. É a chamada Bíblia das 48 linhas e também o primeiro livro na história da imprensa ocidental a conter um “colophon” com uma marca de impressor. Note-se a semelhança (imitação deliberada para não desvendar a sua origem mecânica) entre este incunábulo e os produtos manuscritos, até aí dominantes.

Século XVI

A imprensa desenvolveu-se rapidamente, produzindo em poucos anos “cimélios” de grande beleza e complexidade tipográfica, como a Bíblia poliglota complutense (de Alcalá de Henares), ainda hoje fonte de inspiração pela excelência dos seus tipos gregos, desenhados por Arnaldo Guillén de Brocar. Só veio a ser superada pela poliglota que o orientalista Benedito Árias Montano reviu e Filipe II patrocinou, impressa em Antuérpia pelo famoso Christophe Plantin. Para esta obra, Plantino empenhou a sua fortuna pessoal para comprar o melhor papel e mandou gravar os caracteres a Robert Granjon e Guillaume Le Bé, em Paris. Para o texto hebraico, recorreu aos caracteres já usados na Bíblia de Bomberg. A BGUC possui dois exemplares desta rara Bíblia (imprimiram-se apenas 500 e a maior parte naufragou na viagem para Espanha), que é ainda hoje um trabalho quase insuperável pela complexidade da sua paginação. Em cada página, as várias línguas disponíveis apresentam exactamente a mesma parte dos textos.

A invenção ocidental da imprensa de tipos móveis refundou a história da leitura e estima-se que, em cinquenta anos, tenha multiplicado por cem o número dos livros em circulação. O século XVI será, sobretudo, o tempo das primeiras versões críticas do texto sagrado e das primeiras traduções do Latim para as “línguas vulgares”. Em 1516, Erasmo de Roterdão publicou uma edição crítica do Novo Testamento grego intitulada Novum Instrumentum omne, diligenter ab Erasmo Rot. Recognitum et Emendatum. Na segunda edição do texto, que ficará conhecido como o textus receptus, Erasmo usará no título o termo mais familiar "Testamentum", em vez de "Instrumentum". As traduções de Lutero, em alemão (Novo Testamento 1522; Antigo Testamento 1534), de Jacques Lefevre d’Étaples, em francês (1528), de Casidoro de Reina, em espanhol (1569) e a tradução por um conjunto de 47 teólogos, conhecida como do Rei James (King James), em inglês (1611), inscrevem-se na profunda aspiração protestante de tornar o texto acessível ao "rapaz que maneja o arado" (William Tyndale) e de colocar uma Bíblia em cada casa. Foram estas traduções da Bíblia as obras que maior influência tiveram na fixação das respectivas línguas literárias, sejam elas o alemão, o inglês ou o checo.

O impressor francês Robert Estienne (1503-1559) foi o primeiro a imprimir (na sua quarta edição do Novo Testamento) a numeração dos versículos da Bíblia, como depois se tornaria habitual. A Biblioteca Geral não tem essa raríssima edição de 1551, mas do mesmo editor podemos mostrar duas Bíblias, sem (1545) e com (1557) a numeração dos versículos, por onde é fácil de avaliar a conveniência da “novidade”. Diz a lenda que o erudito impressor teria numerado os versículos da sua Bíblia durante uma viagem a cavalo entre Paris e Lyon, mas trata-se de uma fantasia, que não considera os trabalhos anteriores, por exemplo de Lefevre e de Panini.

No mundo de língua inglesa, a versão do Rei James (KJV), também com numeração dos versículos e impressa num formato portátil, será a Bíblia mais popular e ainda hoje continua a ser reeditada. Nesta exposição mostra-se um exemplar seiscentista, com vários pertences de família, manuscritos.

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