quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Os piolhos da evolução do Homem


Raramente pensamos nos parasitas do Homem como nossos aliados, pelo menos os parasitas contemporâneos. Mas o estudo de parasitas mais antigos permite-nos lançar luz não só sobre a História como sobre a evolução humana.

Sendo a cabeça sede da distinção do ser do homem do ser dos restantes animais não é de espantar que os parasitas que a infestam tenham dado uma contribuição inestimável para o esclarecimento de algumas questões relacionadas com a evolução humana. De facto, pode recorrer-se aos parasitas para investigar a evolução dos seus hospedeiros. O piolho em particular está intimamente ligado ao seu hospedeiro, o Phthirus pubis mesmo muito intimamente.

Os piolhos são insectos da ordem Phthiraptera, que contém mais de 3000 espécies e a maioria dos que infestam os mamíferos (incluindo o homem e restantes primatas) pertencem à sub-ordem Anoplura , que designa piolhos sugadores de sangue. Uma vez que o sangue dos mamíferos é muito diferente de espécie para espécie, os piolhos sugadores podem ser muito específicos infestando apenas um hospedeiro. Esta especificidade pode ser reforçada por interacções com o sistema imunitário do hospedeiro e assim uma elevada especificidade pode ser devida a uma longa história de co-evolução e co-especiação entre hospedeiros e parasitas.

O homem é único também nos piolhos já que somos hospedeiros para dois géneros deste parasita, o género Pediculus e e o género Phthirus. O primeiro inclui as sub-espécies Pediculus humanus capitis (o piolho da cabeça) e Pediculus humanus humanus (o piolho corporal), que, embora diversas no habitat, são muito próximas geneticamente sendo igualmente muito próximas do piolho do chimpanzé. Já o género Phthirus infesta igualmente o gorila - embora no homem seja tão francamente mais maçador que normalmente o designamos por «chato».

Curiosamente, o mais recente ancestral comum entre os Pediculus está de acordo com a equivalente separação entre hospedeiros, isto é, situa-se há cerca de 6 milhões de anos quando se prevê que tenham divergido as árvores evolutivas que conduziram ao homem e ao chimpanzé. Mas as duas espécies de Pthirus (Pthirus gorillae e Pthirus pubis) partilharam um ancestral comum mais recentemente, há cerca de 3-4 milhões de anos, num passado muito mais próximo que a estimada separação entre as linhas humana e dos gorilas, há cerca de 7 milhões de anos, o que sugere que este parasita «saltou» entre espécies.

O Pediculus humanus ilustra a sua longa história evolutiva no ADN mitocondrial. Contrastando com a curta história que nos conta o equivalente humano (que coalesce num ancestral comum há cerca de 200 000 anos), apresenta três linhas divergentes de ADN mitocondrial que revelam um ancestral comum há cerca de 2 milhões de ano. O tipo A é cosmopolita. O B é mais comum na América do Norte e Europa e o C é o mais raro. A análise dos piolhos conta-nos assim histórias fascinantes não só sobre a evolução humana como, analisando os (muitos) piolhos encontrados em múmias, por exemplo, sobre as migrações humanas. Tão fascinantes que serão retomadas noutro post.

4 comentários:

Lennine disse...

Somos os únicos agraciados com duas espécies de piolhos?

Lembro-me de ter lido n’O macaco nu, de Desmond Morris, que somos também os únicos dentre primatas e macacos a sofrer com pulgas, inclusive com espécies co-evoluídas conosco. A explicação assenta sobre o fato de nos recolhermos a abrigos para o descanso e o nosso sedentarismo: pulgas se reproduzem nos ninhos de seus hospedeiros, não neles próprios.

Já agora: parabéns a todos por este incrível blogue, é um trabalho primoroso! Informação de alta qualidade, críticas entusiasmantes e ótimas indicações de leitura acompanhadas sempre de civilidade e respeito. O prazer é nosso em ler.

Abraços
Lennine.

(Um dos muitos leitores brasileiros do Rerum Natura... que, a propósito, nunca precisou de reformas ortográficas de gabinetes para entendê-los ou fazer-se entender...)

:: rui :: disse...

É interessante ver que podemos ter evoluido de espécies como estas, ou então talvez não tenhamos. Não é possivel que tenhamos um ancestral comum com estas criaturas. Somente quem é muito "chato" é que pode crer que tal possa ser possível. No princípio do mundo, não havia "chatos", pois tudo era perfeito. Depois o homem rebelou-se contra Deus, e aí os "chatos" entraram neste mundo. Se queremos que os "chatos" não nos incomodem, deixem de crer que tenhamos sido parentes próximos. Nada indica que assim tenha sido. Até as crianças se riem se lhes disserem isso. Não façam figuras de ridiculo!

Desidério Murcho disse...

Caro Alex

Muito obrigado pelas tuas palavras!

Stalin Uesley da Silva disse...

Esta pesquisa merece um prêmio IgNobel!

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%AAmio_IgNobel)

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