sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
O exame de acesso à carreira docente
Já faltava esta semana a habitual colaboração de Rui Baptista sobre questões pedagógicas. Aqui está:
“A resignação passiva, por ensurdecimento progressivo do ser, é o falhanço completo e sem remédio” - Sophia de Mello Breyner.
A formação dos futuros professores deixa muito a desejar. Segundo notícia do “Expresso” (9.Fev.2008), intitulado “Erros nas universidades”, os alunos mais responsáveis da Faculdade de Letras de Lisboa queixam-se de que os “maus tratos do Português chegam ao corredor da universidade. Temos colegas que dizem ‘púzio’ (em vez de ‘pu-lo’(…). ‘Fizestes’, ou ‘dizestes’, em vez de ‘disseste’ ou’ fizeste’, ‘derivado a…’ ou ‘ténhamos’ são mais alguns exemplos do que os estudantes escutam a toda a hora” . Se é assim que falam, difícil não me parece descortinar erros de palmatória no que concerne a textos seus manuscritos numa sociedade em que os correctores de texto dos computadores “escrevem” pelo autor.
O “púzio” vem mesmo a calhar para “certificar” uma história passada numa escola secundária. Um docente chega à sala de professores com ar de ferrabrás, e diz: “Hoje um aluno portou-se mal na aula e eu ‘púzio’ na rua”. Estava presente um outro professor que não se sentiu com coragem para o emendar ali mesmo. No dia seguinte, não querendo apoucá-lo, volta-se para ele, dizendo: “Tem graça, hoje um aluno também se portou mal numa minha aula e pu-lo na rua”. Teve com resposta a indignação do seu interlocutor: “Pulos? Eu admitia lá que um aluno meu andasse aos pulos!”
Num artigo publicado no “Diário de Coimbra” (20.Fev.2003), intitulado “O estado da Educação em Portugal”, escrevi, em comentário crítico ao Jornal Nacional da TVI, do dia 29 de Fevereiro desse mesmo ano : “Alunos da Faculdade de Letras de Lisboa são entrevistados a fim de responderem a perguntas comezinhas relacionadas com Literatura [assunto de que era suposto serem conhecedores], por exemplo, os autores de ‘Os Maias’ e de ‘A cidade e as serras’ ou, ainda, a grafia da palavra ‘assessoria’. As respostas dadas não deixam lugar a dúvidas: esses alunos demonstraram uma ignorância confrangedora. Um deles atribui a autoria de “Os Maias” a Egas Moniz, deixando a alternativa da escolha: Egas Moniz, nado e criado no século XII, fidalgo, exemplo de honradez, ou Egas Moniz, “Prémio Nobel, 1949? Um outro disse escrever-se “asseçoria”! O facto destes alunos trazerem consigo vários diplomas que os habilitaram para a respectiva frequência universitária são prova cabal do mau estado do sistema educativo nacional”.
Meses mais tarde, passou um programa da RTP, “O Elo mais Fraco”, com a participação de nove jovens professoras, que me mereceu o seguinte artigo de opinião no “Público” (3.Fev.2003), de que transcrevo o excerto: “Com dificuldade, concebo que um programa em que a tensão nervosa possa faz das suas possa justificar, por si só, aquilo que na gíria académica chamam de ‘brancas’, como o esquecimento, como aconteceu, do conhecidíssimo ‘Teorema de Pitágoras’. Todavia, já não concebo certas respostas erradas, não dadas ou hesitadas, ante perguntas triviais do âmbito da disciplina que se ministra! E isto porque, ainda que a contragosto, possa admitir que os professores demonstrem um certo défice de cultura geral desde que contabilizem para si conhecimentos sólidos sobre a matéria que é suposto estarem habilitados a ensinarem. Só na conjugação de pouca cultura geral e escassos conhecimentos científicos pode ser encontrada justificação para o facto de, em uma das rondas de perguntas, essas concorrentes terem obtido a pontuação de zero pontos, e serem penalizadas no fim do concurso com a mais fraca prestação, relativamente a participantes que as precederem e com as mais diversas profissões tidas como muito menos exigentes no que tange a diplomas escolares”.
Saudosos tempos nos separam da época de ouro de Eça (e até de outros da nossa contemporaneidade), que referindo-se, salvo erro, a Pinheiro Chagas, o retratou como “um homem simples sem ambições excepto saber e tendo como único receio o erro”. No entanto, o testemunho dado pelos actuais alunos da Faculdade de Letras fazem renascer a esperança numa juventude capaz de si criticar a si própria, verdadeiro oásis num deserto cultural generalizado. Embora comungue da opinião de que há um limite em que a tolerância deixa de ser uma virtude, hesitei, mesmo assim, em escrever este texto com respaldo em prosa queirosiana: “Achais estas páginas cruéis? Pensais que não nos dói tanto escrevê-las como vos dói lê-las?"
De há muitos anos, defensor público de uma medida para acabar com a injustiça da simples nota de licenciatura no acesso à docência do ensino não superior, reconheço a vantagem em ter sido criado um exame com a finalidade de colocar todos os candidatos em igualdade de circunstâncias e não apenas dependentes da maior ou menor exigência da instituição universitária ou politécnica, pública ou privada que a outorga. Os meus argumentos são estes. Embora não haja bela sem senão, julgo-os mais que convincentes! Ou não?
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30 comentários:
Um exame de admissão à profissão docente? Acho bem. Mas devia ser precedido de um exame de admissão à Universidade e este de um exame de admissão ao Ensino Secundário.
Caro José Luiz: Costuma dizer-se, "tirou-me as palavras da boca". Não é o caso!Apenas me fez recordar um artigo de opinião publicado no jornal "Público" (5 de Setembro de 2005), e passado um mês, constante do meu livro "O Leito de Procusta- Crónicas sobre o Sistema Educativo" (edição do Snpl,Outubro de 2005, p. 105), intitulado "Exame de Aptidão à Universidade, por que não?".
Nele, a páginas tantas, escrevi: "Seja a que título for - ainda que para efeitos meramente estatísticos que coloquem Portugal a par dos índices de licenciados de outros países europeus que levaram décadas a lá chegar num caldear cuidadoso de qualidade/qualidade -, o ensino superior não pode continuar a ser o escoador sem qualquer ralo de todos os indivíduos saídos do ensino secundário, ainda que mesmo com classificaçõe positivas nos exames nacionais [anteriormente, entravam com notas negativas a rondar o zero valores], porque finalmente foram tomadas medidas para excluir as classificações abaixo de 9.5 valores. Ou seja, alunos vitimados ou favorecidos, muitas vezes, por factores que variam de região para região, de cidade para cidade, de vila para vila, de escola para escola e dos respectivos corpos docentes com níveis de exigência abissalmente díspares. Desta forma, torna-se cada vez mais imperiosa uma correcta e justa avaliação dos candidatos à frequência do ensino universitário sem transformar o respectivo acesso numa farinha de má qualidade para laboração de uma espécie de padaria em que todos os dias saem fornadas de pão queimado ou mal cozido".
De lá para cá muita água pestilenta correu por debaixo da ponte. Refiro-me concretamente, à paródia carnavalesca, e fora de época,da prova de acesso ao ensino superior para maiores de 23 anos, aos Centros de Novas Oportunidades, "prometendo a uns o 9.º ano em 3 meses, a outros, tendencialmente mais pedagógicos, em ano e meio, e há por aí quem tire o 9.º ano em...2 dias (promessas pelo menos existem)" ("Cartas ao Director", J.Ricardo, "Público", 12.Fev.2008). E o que dizer da Universidade Independente (o escândalo foi de tal monta que o ministro Mariano Gago não teve outro remédio que encerrar as suas portas)? Seria um dado estatístico interessante de ser tornado público, saber quantos indivíduos do Partido Socialista, então com "o pão e o queijo na mão",
terão beneficiado dessa situação.
Meu Caro Jósé Luiz, as situações no âmbito da Educação degradam-se de tal maneira que o que escrevi em 2005 só pode ter o destino do cesto dos papéis. Um ensino secundário exigente com exame de aptidão à Universidade (como defendi e como muito bem - desculpe-me, ou ingenuamente -defende agora) deixou de ser exequível com um acesso ao ensino superior e obtenção de licenciaturas de verdadeira ópera- bufa.
Cordiais cumprimentos e grato por me ter permitido o desabafo de quem assiste impotente a toda esta degradação, mas recusa-se a renunciar ao dever de cidadania de chamar a atenção para este desolador "statu quo". A minha esperança é a de que "água mole em pedra dura tanto dá até que fura". Neste contexto, o seu comentário foi uma ajuda preciosa...
Também estou de acordo com um exame de admissão à profissão de professor. Não resolve tudo, mas evita as injustiças maiores.
Já não concordo com esse olhar nostálgico mitificador do passado, normalmente traduzido pelo sintagma: "no meu tempo é que era!" Não sendo um professor recente, reconheço no entanto que muitos jovens professores estão hoje melhor preparados do que alguns da minha geração (nem sequer é necessário recuar aos tempos do PREC).
Creio que muitas vezes a ideologia do progresso foi substituída pela da regressão, uma espécie de neo-tempo degenerativo próprio da circularidade trágica dos gregos.
«No entanto, o testemunho dado pelos actuais alunos da Faculdade de Letras fazem»...
Ou "O testemunho faz" ou "Os testemunhos fazem".
Tentar julgar alguém por não saber a grafia de "assessoria" é um pouco ridículo quando se utiliza uma frase como esta.
Erros todos cometemos. Eu cometo-os e como aqui exemplifiquei você também.
Mais grave do que a ignorância é a estupidez porque a primeira é simples de curar.
Compreendo algumas críticas aqui apresentadas, especialmente porque defendo que coisa que qualquer cidadão nacional, especialmente professores (independemente da sua área), devem saber falar e escrever correctamente no seu idioma natural.
O que me parece que está a faltar nesta discussão é o próprio ensino universitário e o acesso à docência nestes graus.
A escolha de docentes universitários continua a ter como factor decisivo a "média de licenciatura", o que em muitas áreas, não garante que se escreva e fala correctamente. Eu próprio já testemunhei situações destas, alunos de "média altas", mas que insistem no "fizestes" e no "dizestes".
Assim, começa a ser comum a existência de professores universitárias com graves falhas nao seu idioma natural, o que me parece verdadeiramente grave!
Por isso, antes de se pensar no acesso de alunos às universidades é preciso pensar no acesso de docentes às mesmas.
Adorei o conteúdo do blog e a interdisciplinaridade dos autores. Estou linkando vocês ao meu.
Sou brasileiro, mas devo me mudar pra Lisboa até agosto pra cursar o mestrado em História e Filosofia da Ciência na Universidade de Lisboa.
Mais uma vez, parabéns pelo site.
Caro Corrector:
Agradeço-lhe a correcção feita.
Na verdade, da minha parte tratou-se de um "lapsus calami" de que me penitencio. Da sua parte, a denúncia do cuidado posto na leitura do meu post em tarefa que eu quase diria comparável a procurar agulha em palheiro: em 819 palavras detectou o erro numa delas. Ou seja uma percentagem de 0,122.
Espero, contudo, não ter a impiedade de comparar este meu lapso à escrita grosseira das palavras "asseçoria" ou "púzio", em vez de "assessoria" e "pu-lo". E muito menos compará-lo à ignorância chapada de potenciais professores de Português ao atribuírem a autoria de "Os Maias" a Egas Moniz.
Seja como for, muito o honra a humildade em reconhecer que "erros todos cometemos", reconhecendo, implicitamente que, a meu mau exemplo, também os comete. Mas o que eu lamento é que o acessório tenha cedido lugar ao principal por não ter deixado a sua opinião se acha que se deve deixar passar em claro a ignorância que grassa entre os jovens universitários e, pior do que isso, até entre uns tantos professores?
Por fim, permita-me estar em desacordo consigo quando escreve que "a ignorância é simples de curar". Se fosse assim tão simples, como explica que a ignorância tenha assentado arraiais em terras lusitanas e não apareça uma alma bondosa e, principalmente, sábia com a terapia adequada para extirpar tão maligma doença que corrói os caboucos de uma sociedade que valorize o Saber? Puro masoquismo?
Mas nada de perder a esperança em dias melhores para o sistema educativo e felicidade dos portugueses com ele preocupados, porque “os dias terríveis são, afinal, vésperas de dias admiráveis” (Almada Negreiros).
Haja esperança, e demos um contributo para isso na medida das nossas possibilidades. A sua dávida em assinalar o meu crime de escrever “fazem” em vez de “faz”, considero-a mais uma gota de água para o desejável “mare magnum” de reprovação para com a ignorância de um país que não a merece por ter sido berço de um Camões, de um Padre António Vieira, de um Eça, de um Lobo Antunes, de uma Agustina, entre outros vultos da Língua Portuguesa.
Caro Alvares:
Muito pertinente o seu comentário sobre os pontapés na gramática por parte de uns tantos professores universitários. Sendo eles preparados nas Universidades (algumas com claustros respeitáveis, outras instaladas em simples "vãos de escada"), a exemplo de professores de posse de diploma universitário para a docência do ensino não superior, é natural que também neles haja umas tantas "nódoas". Como bem diz o povo, "no melhor pano cai a nódoa"!
Mas isso são contos muito largos que fogem ao âmbito da temática por mim abordada num texto, como este, com extensão ligeiramente superior a cinco mil caracteres com os espaços incluídos.
Caro Thiago:
Como é evidente, sem qualquer espécie de procuração por parte dos seus responsáveis, agradeço a referência elogiosa que faz a este blogue de que sou apenas um modesto colaborador.
Entretanto, peço-lhe que não veja no meu texto um sentido derrotista, apanágio de um "velho do Restelo" (durante o seu mestrado terá ocasião de saber o significado desta expressão)desiludido com tudo e com todos e sempre pronto a dizer mal de tudo e de todos. Nada disso! Em Portugal há professores de elevada craveira cultural e científica como terá ocasião de comprovar. E alunos interessados em estabelecer novos padrões de exigência que não se compraz com ignorantes residuais, seus colegas de estudo, que desvirtuam um desejável padrão de qualidade para o ensino universitário de um país com mais de oito séculos de História e como uma das universidades mais vetusta da Europa, a de Coimbra.
O próprio Thiago terá ocasião de comprovar isso mesmo na sua estadia académica na Universidade de Lisboa onde, decerto, cumprirá o seu mestrado com o êxito que lhe desejo em votos fraternos.
A penúltima linha do meu comentário a Thiago(não vá o diabo tecê-las!), deveria ter começado com a palavra "Repito" a anteceder o resto da frase. Aqui fica a rectificação.
"Maligma"? Oh Rui Baptista, que falha grotesca e incompreensível. "Dávida"? Oh Rui Baptista, que erro imperdoável e grosseiro! E o que dizer da construção "expressão)desiludido", que surge algures no texto? Reclama dos autores não sei do quê e tal e coiso, mas nem os míseros espaços sabe manobrar: que confissão descarada de incapacidade intelectual! Nunca na vida me darei ao trabalho de pensar numa miligrama do que alguém capaz de tais dislates tem para dizer!
Caro Jorge: Eu poderia servir-me da artimanha de dizer que os erros cometidos na escrita das palavras "maligma" e "dávida" se destinaram a não desmerecer a atenção e a honra que possíveis coca-bichinhos pudessem dedicar à leitura dos meus textos, escritos altas horas da noite. Não o farei, porém.
Limitar-me-ei, simplesmente, a agradecer-lhe o trabalho por si feito e a honra que me foi concedida de ser merecedor da sua gentil atenção, ao que julgo, apenas com a melhor e a mais generosa das intenções em detectar essas gralhas e, assim, dar-me a oportunidade de as corrigir: maligna e dádiva.
Ainda bem que há muita gente entendida em derivados e derivadas!
Parece que nos ramos cientificos a ignorância não fica atrás, está é melhor escondida.
1 - há uns anos atrás, na montra de Loja situada em artéria das mais movimentadas de Évora, alguém, através de anúncio manuscrito, se propunha dar explicações de português.
Começava assim:
Título: ESPLICAÇÕES DE PORTUGUEZ
DÁ-SE
O texto até final exibia 6 (seis) flagrantes erros de ortografia
2 - não sendo um especialista nestas coisas da língua portuguesa, e lendo muito apressadamente não o texto mas algumas das respostas de RUI BATISTA, fica-me a ideia de que o autor também "arranha" muito (metáfora automobilística)
quando se mete em vulgaríssimas manobras de concordâncias gramaticais.
Caro THIAGO
....alunos interessados em estabelecer novos padrões de exigência que não se compraz(???)....
- ....como uma das universidades mais vetusta(???) da Europa
na minha santa iliteracia, eu escreveria "comprazem" e "vetustas"
«Espero, contudo, não ter a impiedade de comparar este meu lapso à escrita grosseira das palavras "asseçoria" ou "púzio", em vez de "assessoria" e "pu-lo"»
Impiedade é um pouco forte.
Quanto a "asseçoria" sinceramente nem me choca muito (certamente menos do que o seu lapso) porque resulta de uma idiossincrasia da língua.
As línguas escritas deviam permitir transcrever fonemas de forma não ambígua (pelo menos as com alfabeto) mas infelizmente acabam por poucas vezes o fazer.
«E muito menos compará-lo à ignorância chapada de potenciais professores de Português ao atribuírem a autoria de "Os Maias" a Egas Moniz.»
Para professores de português é relevante, mas já vi pessoas a aplicarem críticas análogas a professores de Matemática e aí é absolutamente irrelevante.
«muito o honra a humildade em reconhecer que "erros todos cometemos"»
Humilde é coisa que não sou até porque não o considero necessariamente uma virtude.
Pura e simplesmente constatei um facto relevante e muito provavelmente irei cometer erros neste comentário. Excepto quando provocado não costumo adoptar esta postura pedante.
«não ter deixado a sua opinião se acha que se deve deixar passar em claro a ignorância que grassa entre os jovens universitários e, pior do que isso, até entre uns tantos professores?»
Ignorância grosseira sobre a sua área de estudo não. Sobre áreas periféricas mesmo que relacionadas sim.
«Se fosse assim tão simples, como explica que a ignorância tenha assentado arraiais em terras lusitanas e não apareça uma alma bondosa e, principalmente, sábia com a terapia adequada para extirpar tão maligma doença que corrói os caboucos de uma sociedade que valorize o Saber? »
Ignorância resolve-se com informação que pode ou não ser assimilada. O tratamento existe, pode é ser recusado ou não procurado pelo doente. O problema é tudo menos específico de Portugal e quem dá a entender o contrário ou é ignorante sobre os factos ou os interpreta de forma muito "sui generis".
Para a estupidez eu pelo menos não conheço tratamento e observando o meu percurso pessoal acho que colmatar a minha ignorância em certas áreas foi bem mais simples do que a estupidez.
O que eu pretendi fazer com o meu comentário foi mostrar que o pedantismo dá para os dois lados e quem o pratica (quando não provocado) deve ter muito cuidado para não ser ele alvo do mesmo.
Eu acho muito bem o "comunismo" de um exame de acesso à carreira docente comum a todos.
Quem está seguro e sabe, com certeza não tem medo e está seguro que passará. Só tem a temer aquele que sabe que não sabe.
Acho de uma pobreza confrangedora professores sem um mínimo de cultura geral ou mesmo conhecimentos básicos de outras áreas, além dos conhecimentos sólidos da sua área. Na minha modesta opinião, qualquer professor (agora com mestrado) deveria estar apto a leccionar QUALQUER disciplina até ao 9º ano. Não é por ser professor de música que não devo saber inglês básico, matemática, geografia, história ou português. Por algum motivo todos temos formação de base comum: esses conhecimentos são absolutamente essenciais e basilares na formação cultural e transversal de quem se pretende como mestre e educador.
Dei por mim (repito, na qualidade de professor de música) a ter de ensinar operações com polinómios a alunos do 8º ano, geografia e inglês a 7ºs e história de portugal a 5ºs porque havia conceitos que eram necessários à melhor compreensão de certos fenómenos na minha disciplina. E não tive nenhum problema em fazê-lo, como se revelou necessário visto que os professores da área, não fazia parte da sua matéria corrente (nem sempre os programas andam paralelos).
Como falar de Reggae sem saber explicar o que é a Jamaica, onde fica, e parte da sua sociologia?
Como explicar o que é um MP3 sem saber o que é informática ou operações binárias?
Como cantar Janis Joplin sem perceber o que diz a letra?
Apenas alguns exemplos...
Caro Jorge:
Começo por lhe dizer que considero desperdiçar os meus cuidados apenas para o elucidar que a palavra miligrama, que no seu comentário, apenas de 75 palavras, assume a forma feminina, é um substantivo masculino.
Quanto, palavras suas, "nunca na vida me dar ao trabalho de pensar NUM miligrama do que alguém capaz de tais dislates tem para dizer", gostaria de ser informado: que balança utilizou para pesar o que eu tinha para dizer?
Para lhe evitar o trabalho de voltar a passar a pente fino o meu texto na intenção de vir a encontrar uma ou outra gralha, obrigo-me em nome da seriedade e do respeito pelos leitores que me possam ter lido, ou venham a ler, em dar-lhe uma preciosa ajuda: nas 4.ª e 5.ª linhas do 4.º parágrafo, onde se lê este naco de prosa asneirenta "possa faz das suas possa justificar" deverá ser lido “posa fazer das suas justifique”.
Mas o pior de tudo é o facto de tanto eu como o Jorge estarmos a discutir o sexo dos anjos quando os turcos já não se encontram à porta de Constantinopla. Encontram-se dentro de portas do sistema educativo a legislar disparates sucessivos sobre um sistema educativo que tem dado provas cabais de não servir para melhorar a formação científica, cultural e técnica do povo e da nação portuguesa. Para alcançar esse objectivo a sua ajuda poderia (e ainda pode) ser preciosa se em vez de se deter no acessório enveredasse pelo caminho de discutir as minhas ideias e não, como deixou escrito Edgar Morin, “aquilo que gostaria que fossem as minhas ideias”. Bem saberá que em termos de doença deve ser tentado um diagnóstico correcto antes de se proceder a qualquer tratamento. Bem ou mal, tentei fazer o diagnóstico da situação, através de sintomas desastrosos que prenunciam a doença grave de fazer entrar na Universidade todo e qualquer bicho-careta que a isso se proponha através do acesso para maiores de 23 anos ou das Novas Oportunidades, em substituição do sério e exigente exame “ad hoc”. Passou, assim, a haver a via do facilitismo descarado para estes casos e a via da dificuldade acrescida de 16 anos de estudos prévios para o acesso aos bancos do ensino superior.
Cada vez mais me convenço que, depois de 25 de Abril, quem diz ou escreve o que pensa é reaccionário e quem diz ou escreve o que o partido e/ou o sindicato lhe mandam é progressista! Com todo este meu arrazoado não quero significar que comungue inteiramente do pessimismo de Jorge de Sena quando nos diz que “Portugal não precisa de ser salvo, porque estará sempre perdido como merece”.
Enquanto a juventude deste país se rebelar contra a ignorância que grassa nos corredores universitários, como, corajosamente, o denunciaram os actuais e responsáveis alunos da Faculdade de Letras de Lisboa, Portugal não “estará sempre perdido”. Nem o merece, sequer!
“Sans rancune”,
Rui Baptista
Caro Platero:
Escrevi "alunos interessados em estabelecer novos padrões de exigência que não se compraz" (em vez de compazem) por me referir a exigência escrita no singular. Se tivesse escrito padrões de exigências, teria considerado correcta a forma "comprazem".
Caro corrector:
O seu último comentário foi deveras elucidativo, levando-me a rever algumas das minhas afirmações.De forma alguma, pretendi atingir a honorabilidade científica ou mesmo cultural dos professores universitários competentes. Obrigado pela oportunidade que me deu de prestar este esclarecimento.
Caro musicólogo:
Grato pelo seu comentário que se debruça sobre a substância do meu artigo.
Para que não subsistam dúvidas, reconheço que a forma "comprazem" é que está correcta.
Embora discutível, reconheço alguns méritos ao tal exame de acesso à docência. Adiante.
O que questiono é o critério de aplicação desse exame. Parte-se do princípio de que quem está na carreira não precisa de provar nada. Ora, já não falando nas passagens administrativas nem dos cursos-expresso comprados, perdão, obtidos em algumas ESE, pergunto-me quantos dos professores dos quadros não seriam redondamente reprovados se também fossem submetidos a um exame. Se o exemplo serve de alguma coisa, que avaliação merece uma professora do 10.º escalão que determina o plural de "nó" como "nozes"?
Caro Rui Batista (Prof.?)
1 - falta reconhecer o erro, igualmente primário, que é escrever:
"...como uma das universidades mais vetusta da Europa."
dando de barato que a vetustidade de uma instituição não lhe confere
garantia de qualidade científica
2 - quando falo das vantagens da Net com os meus amigos refiro invariavelmente as virtualidades do de Rerum Natura: onde milita a nata da intelectualidade portuguesa
Pois bem, ou cuidam de rever os textos que publicam, ou correm o risco de cair na vulgaridade, e não passar de mais um ruido blogosférico, sem o carácter científico que justamente lhe é atribuido
Caro Platero:
Encosto o peito à barra do tribunal da opinião pública para assumir a responsabilidade plena dos erros de concordância gramatical que cometi. Poderia apresentar como atenuante as horas da madrugada em que redigi os meus comentários. Não o faço porque aqui a falta recaíria novamente em mim: deveria ter esperado por uma altura mais conveniente em que o cansaço se não tivesse apoderado de mim.
Outra desculpa (que corre o risco de por si ser havida como esfarrapada) reside no facto de eu escrever directamente os textos dos meus comentários no quadrado sobrepujado com a frase "Deixar o seu comentário". Ou seja, sem qualquer espécie de muleta que me ponha a coberto de quaisquer tropeções de natureza gramatical. É, igualmente, o caso deste comentário.
Aliás, mesmo em textos de jornais de referência em que os artigos passam pelas mãos de revisores experimentados, ou mesmo em livros de autores consagrados, de quando em vez, lá aparecem umas tantas arreliadoras gralhas ou mesmo disparates de uma certa monta. Por último, quando se trata da revisão de textos por nós próprios redigidos, a tendência é para ler aquilo que julgamos lá estar e que, na verdade, não está.
Resta-me pedir a compreensão dos autores do blogue "De Rerum Natura", "onde milita a fina nata da intelectualidade portuguesa", como como bem refere, para com estes meus erros involuntários. Cotejando este último texto com muitos outros da minha autoria, julgo ser de concluir que apenas uma excepção não é suficiente para confirmar uma regra.
Caro Rui Baptista: anime-se, a vida são dois dias e um é gasto em blogs.
Pensei que tinha sido óbvio, mas parece que não: estava a ser irónico. E não consigo, mas com o Corrector: os erros que apontei são obviamente ou traições do teclado (o "n" e o "m" lado a lado, a barra de espaço que falha), ou mera troca de sílabas.
Pretendia simular um fanático da contra-argumentação picuinhas, e por isso terminava com a tal recusa de pensar sequer numa miligrama do que disse -- quando o contrário é que deve ser feito: atentar na legitimidade da questão, mesmo que você escrevesse como um carroceiro.
Mas pronto, parece que fui demasiado subtil; infelizmente, tal redundou num gasto de energia da sua parte, ao contra-argumentar desnecessariamente. Mais uma vez: eu concordo consigo, homem!
Já agora: miligrama é, como grama, masculino; eu sei disso (sou físico), mas muita gente não sabe -- o uso comum da palavra é no feminino "uma grama"; como tal, o submúltiplo resultaria "miligrama". Transigi no rigor técnico, em prol do alcance. E a língua é uma coisa viva, excepto a do meu tio que teve uma trombose.
Saudações,
Jorge
Caro Jorge:
Acredite que me tirou um peso de cima. Senti-me injustiçado por carregar em meus ombros o ónus da responsabilização daquilo que outros escreveram e que eu transcrevi.
Tenho deixado escrito, em várias ocasiões, que os comentários aos meus post's são a coisa que mais me agrada nesta navegação pelos mares taiçoeiros da Net, mesmo quando naufrago nos escolhos das gralhas ou das falhas descoordenativas entre o sujeito e o o verbo.
Só uma coisa lhe não desculpo: o pensar que a minha ignorância chegasse ao ponto de me encaixar no rol de pessoas que desconhecem que grama ( logo, miligrama) se refere a uma medida de peso correspondente a um centímetro cúbico de água destilada a 4 graus centígrado,tratando-se de um substantivo do género masculino.E que grama no feminino quer dizer relva.
De resto, confesso que a polémica, sem ser do género camiliano - "escolheu o cacete terá o cacete" - , me dá um certo prazer por me obrigar a procurar no recôndito de mim próprio aquele(s) argumento(s) que suporte(em) a tese que defendo "com unhas e dentes", por (pobre de mim) julgar ter à minha ilharga a razão dos factos e dela (razão!) ser seu amo e senhor.
Portanto, dei como bem empregue aquilo que para si foi um gasto de energia da minha parte. Agora, com as armas depostas a nossos pés, envio-lhe um abraço com o pedido de desculpa por ter tomado a nuvem por Juno pela incompreensão de que a vida é uma coisa demasiado séria para ser levada muito a sério. E aqui estou confuso: acabei de criar uma metáfora de belo efeito ou limitei-me a transcrever algo que estava no baú das minhas reminiscências?
Caro Rui Baptista:
Devolvo-lhe o abraço, e ainda bem que tomou o tempo por bem empregue -- não queria que a minha piadola lhe causasse transtorno.
Sobre a última questão, pode ficar com o empate: porque não a transcrição criativa de uma metáfora de belo efeito que estava no baú das suas reminiscências?
«Pensei que tinha sido óbvio, mas parece que não: estava a ser irónico. E não consigo, mas com o Corrector: os erros que apontei são obviamente ou traições do teclado»
Pela minha parte, a sua última frase ("Nunca na vida me darei ao trabalho de pensar"…) deixou tudo claro. Estava à espera dum comentário seu com pelo menos um(a) grama de massa gravítica para me pronunciar.
«atentar na legitimidade da questão, mesmo que você escrevesse como um carroceiro.»
Sim, em geral tem razão, mas neste caso temos alguém que comete erros que quando cometidos por outros lhe permitem considerar estes como ignorantes. E não referi alguns dos erros que referiu por os considerar lapsos de teclado.
E já agora, um físico deixar passar em branco a frase:
«Só uma coisa lhe não desculpo: o pensar que a minha ignorância chegasse ao ponto de me encaixar no rol de pessoas que desconhecem que grama ( logo, miligrama) se refere a uma medida de peso correspondente a um centímetro cúbico de água destilada a 4 graus centígrado»
é no mínimo de estranhar da sua parte e da parte do autor visto defender medidas draconianas para quem tiver o azar de segundo ele ser ignorante.
1º e GRAVÍSSIMO. Grama é uma medida de MASSA e nunca de peso. Isto é um erro SUBSTANCIAL e bem mais grave do que concordâncias ou escrever asseçoria.
Gostava de saber se o autor do post também defende a inadmissibilidade desta gafe monumental para um professor de português. Só por uma questão de consistência. Para que fique claro eu não o defendo mas seguindo a linha do post um desconhecimento desta gravidade deveria ser mortal nas aspirações de um professor de português. Mas claro, isto é cultura científica e como tal não interessa porque vale menos do que saber quem foi o autor dos Maias e outras trivialidades.
2º e muito menos importante, mesmo substituindo peso por massa a definição está errada. Mas isto é de somenos importância visto o erro ser negligenciavel para a utilização quotidiana.
3º Graus centígrados não definem univocamente a escala de temperatura mas isto é um preciosismo (abriram a caixa de pandora…).
4º existem ainda mais problemas mas nem me vou dignar a enumerá-los porque os considero tão fúteis que nem valem o meu tempo
A gafe do grama ser uma medida de peso é inadmissível num blog sobre cultura científica porque perpetua erros muito comuns nos leitores que não saibam que é falso e a confusão entre massa e força.
Caro “corrector_reloaded:
“Mas assim me apetece , que o entendam ou não, que o admitam ou não, escrever..." - Irene Lisboa.
À laia de aviso à navegação em rotas da Net, peço que os comentários de crítica ao meu post obedeçam às seguintes coordenadas: 1.ª Que tenham em conta que os exemplos neles apresentados (“Expresso”, 9.Fev.2008 e “Diário de Coimbra”, 20. Fev.2003), dizem respeito a alunos da Faculdade de Letras de Lisboa, “tout court” . 2.ª Que não seja esquecido que uns tantos se preparam para virem a ser professores de Português do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário. 3.ª Que não se trata, portanto, de futuros professores de disciplinas científicas ou de futuros licenciados destinados a quaisquer outros misteres.
No meu post, senti a tentação de transcrever, um naco de prosa de humor com laivos de tragédia, quase diria, nacional. Embora não tendo actualmente em minha posse o nome do seu autor, data e local de publicação, não resisto a fazê-lo agora enquadrando-o em tempos de autêntica tirania pedagógica sem qualquer preocupação de natureza científica ou literária:
“Como se avalia este professor, ouvido há tempo numa livraria: - ‘Bom dia, queria a ‘Aparição’ do Fernando Pessoa. - Desculpe do Vergílio Ferreira – Francamente, quer-me ensinar a mim que dou aulas de português há 15 anos? Há pessoas que não deviam estar em certos lugares’.(Caricato??? Mas verdadeiro. É piada ainda hoje nessa livraria). Conversa entre mim e uma professora sobre a questão dos A.T.L.: ‘– haaaaa! Conheço-a bem (refere-se a Maria Montessori) ainda o ano passado estive com ela numa acção de formação’ (incrível mas verdadeiro). Conversa entre mim e a colega que dá a cadeira de Português: ‘ – Não li os ‘Contos Exemplares’ nem vou ler. Eles (alunos) que leiam. Já comprei um estudo de obra para lhes dar aquilo’. ‘– E como vais dar se nunca leste nem analisaste? - Da mesma forma que dei o ‘Felizmente há luar’, pelos resumos’ “. (Sem comentários) .
Ao escrever o meu polémico post (haja em vista os comentários críticos gerados) não renego um possível arrojo da minha parte, ainda que em dever de cidadania com a intenção de fazer ouvir a minha voz quando "os pensamentos se abaixam, quando os caracteres se degradam, quando os princípios se obscurecem, quando as instituições se envenenam, quando os actos públicos revelam a triste anarquia que vai nas consciências...pois quê! não será esse o momento próprio, conveniente, necessário, de apelar para a regeneração das ideias, para a propagação dos estudos, para a dedicação das vontades, para a ressurreição moral? Não será esse o momento de dizer cada um a verdade que tem dentro do coração!" - Antero de Quental ( 1842-1891).
Que crime horrendo, que falha de ética, cometi? Repito, uma vez mais: limitei-me a transcrever a revolta que vai nos corações dos actuais estudantes de Letras de Lisboa pela incultura de colegas seus e a citar uma entrevista concedida à TVI, também, por alunos dessa faculdade em que um deles ao ser entrevistado atribui a autoria de “Os Maias” a Eça de Queiroz, deixando no ar a dúvida se se referia a Egas Moniz, “o Aio”, ou a Egas Moniz “Premio Nobel da Medicina” (1949).
Quando escrevi o meu texto a minha finalidade primeira foi fundamentar a necessidade de um exame de acesso à carreira docente, a fim de detectar falhas graves de cultura geral por parte dos examinados penalizando-os por isso. Longe de mim a simples suspeição de que o meu texto ia ser posto no mármore frio de um teatro anatómico para ser dissecado órgão por órgão, músculo por músculo, osso por osso. Isto é, palavra por palavra, vírgula por vírgula, ponto por ponto, em vez de ser considerado no seu conjunto e na sua intenção como matéria viva nas críticas a um “statu quo” necessitado de ser discutido publicamente.
Aliás, quem se deu ao trabalho de ler o último parágrafo do meu texto – um comentador, confessou ter lido apenas os comentários que lhe foram feitos - não terá qualquer dúvida sobre a sua verdadeira intenção em não fazer finca-pé na má ortografia da palavra “asseçoria” pois tive como importância maior o desconhecimento de alunos de Letras sobre o autor de “Os Maias”, atribuindo-a a Egas Moniz e não, como seria no mínimo de esperar, a um qualquer outro escritor.
Não entenderam assim certos comentadores que fizeram da má grafia da palavra assessoria o seu troféu de guerra para fundamentar o pouco ou nenhum valor dado a outras críticas por mim transcritas, apenas.
Sem eu estar à espera sequer, foi o desconhecimento do autor de “Os Maias” tido como de menor importância quando confrontado com a definição que dei de grama, rebuscada em memória dos meus tempos de aluno de liceu: “Grama é uma medida de peso correspondente a um centímetro cúbico de água destilada a 4 graus centígrados”.
Bem sei que muita matéria que nos ensinaram nos liceus (hoje ensino secundário) é, muitas vezes, posta em causa nos bancos universitários. Não tendo guardado os livros liceais de Física, sem nunca pôr em causa as explicações do autor do comentário sobre a definição de grama, apenas ávido de rever uma matéria disciplinar que não prossegui como estudo superior, acorri às enciclopédias e dicionários da minha posse.
Comecei por consultar a “Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira”, vol. 12, p. 678: “Unidade das medidas de peso , no sistema métrico ou decimal, que é o peso de um centímetro cúbico de água destilada a 4º centígrados” (sic.). Procurei depois em “A Enciclopédia”, Editorial Verbo S.A. 2004, distribuída pelo Jornal “Público”que me deu, APENAS, a definição de grama do âmbito da Botânica (vol. 10, p. 4173). Voltei-me para o “Dicionário Médico”, Rodolpho Paciornik, Editora Guanabara Koogan S.A., Rio de Janeiro 1978, p. 289, e li: “Do gr. ‘grámma’, pequeno peso, unidade básica ponderal no sistema métrico decimal, correspondente ao peso de um centímetro cúbico de água destilada tomada no seu máximo de densidade (4º centígrados), à latitude de 45 graus e ao nível do mar”. Saltei de imediato para o “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”, Lisboa Temas e Debates, Lisboa 2005:, p. 4233: “Unidade de medida de massa no sistema c.g.s, equivalente a 0,001 kg”. Vejamos, por fim, o que nos diz o “Grande Dicionário da Língua Portuguesa”, Editorial Confluência/Livros Horizonte, 2002, p. 75: “Unidade das medidas de peso, no sistema métrico decimal, e que é o peso de um centímetro cúbico de água destilada a 4º graus centígrados de temperatura”.
Face às discrepâncias encontradas, inclino-me a comungar da opinião do Dr. Samuel Johnson (1709-1784): “Os dicionários são como os relógios: o pior é melhor do que nenhum, e o melhor não é de esperar que regule perfeitamente bem”. Todavia, julgo poder exceptuar a definição dada pelo “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa” (publicado com o apoio financeiro da Fundação Calouste Gulbenkian e patrocínio da Academia de Ciências de Lisboa).
Finalmente ( porque a madrugada vai muito alta e o texto é muito longo), aqui para quem não nos ouve: acha mesmo que a gafe (termo seu) da definição por mim dada de grama e por algumas das obras consultadas, é tanto ou mais necessitada do castigo “da menina de cinco olhos” que o desconhecimento de Eça ou o erro ortográfico (“asseçoria”) dos alunos da Faculdade de Letras de Lisboa? Ou as asneiras verbais detectadas, por alunos dessa mesma faculdade, nos próprios colegas quando dizem “púzio”, fizestes, dizestes, pónhamos” ? Este o cerne da questão! Esta a questão que não deve ser escamoteada!
P.S.: Bem a propósito, a crítica pedagógica de Maria Helena Damião e Maria Regina Rocha, quando se referem neste blogue á “Colecção de Clássicos da Literatura Portuguesa Contadas às Crianças”, no post intitulado “Ei, intelectuais! Deixem as crianças em paz!: “Fica uma historinha sobre o incesto entre dois irmãos, o adultério (…) Ega assim caracterizado: ‘estudou pouco, mas era muito esperto, apaixonava-se com frequência e arranjava sempre festas para se divertir’”.
Não será este um preço demasiado alto para que as crianças/leitoras de hoje, e hipotéticos alunos da Faculdade de Letras de Lisboa no futuro, memorizem o nome de Eça?
Pelo sim pelo não!Numa revisão ao texto deste meu comentário detectei, logo nas primeiras linhas, o seguinte engano: onde escrevi "os exemplos neles apresentados", corrijo para "os exemplos apresentados no meu post".
«E como vais dar se nunca leste nem analisaste? - Da mesma forma que dei o ‘Felizmente há luar’, pelos resumos’ “. (Sem comentários) .»
Sem comentários não. Péssimo!
Acho que você não percebeu os meus comentários.
O meu receio é que com esta ideia do exame de acesso à docência acabemos com algo como a antiga PGA que nunca deveria ter existido.
«Que crime horrendo, que falha de ética, cometi?»
Nenhum neste caso que eu saiba. Mas foi pedante (não o deve negar) e mereceu uma dose do seu próprio remédio.
«Quando escrevi o meu texto a minha finalidade primeira foi fundamentar a necessidade de um exame de acesso à carreira docente, a fim de detectar falhas graves de cultura geral por parte dos examinados penalizando-os por isso.»
Já escrevi que na minha opinião um exame de cultura geral para acesso à carreira docente não deve ser implementado porque iria resultar em provas tipo PGA e serve apenas para auto-intitulados aurautos de uma (pseudo-)erudição venham impor as suas irrelevâncias não relacionadas com o assunto que a pessoa vai realmente ensinar.
Exemplo para que fique claro (vou levar ao extremo deliberadamente).
Um professor de Português não saber quem foi o autor de "Os Maias" é grave. Para um professor de Matemática é irrelevante.
Para um professor de Ciências Naturais (não sei se o nome esta semana é este) não saber que grama é uma unidade de massa (mesmo para os de formação básica em ciências da vida) é gravíssimo. Para um professor de Português é quase irrelevante.
«um comentador, confessou ter lido apenas os comentários que lhe foram feitos »
Eu li o último parágrafo e posso-lhe dizer que os seus comentários sobre a média da licenciatura abrem uma caixa de pandora tão terrível que prefiro deixá-la fechada.
«Sem eu estar à espera sequer, foi o desconhecimento do autor de “Os Maias” tido como de menor importância quando confrontado com a definição que dei de grama, rebuscada em memória dos meus tempos de aluno de liceu»
Pode ter a certeza que é muito mais grave num blog em que o assunto principal é ciência. Você não estava a fazer uma utilização casual, estava a dar uma definição. O facto de aparentemente não conseguir interiorizar isso preocupa-me quando penso que muito provavelmente seria você a decidir (em parte) os moldes do tal exame de admissão à docência.
«Saltei de imediato para o “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”, Lisboa Temas e Debates, Lisboa 2005:, p. 4233: “Unidade de medida de massa no sistema c.g.s, equivalente a 0,001 kg”»
Esta é a única definição que está correcta (embora obviamente falte definir o que é 1 kg). Todas as outras estão e sempre estiveram erradas (que eu saiba). Grama nunca foi uma medida de peso mas sempre de massa. Provavelmente seria mais proveitoso para si tentar ver e compreender qual a diferença entre peso e massa (caso não saiba, claro). Isso é que é essencial e qualquer aluno do secundário com uma cadeira de Física deve saber qual a diferença.
1- Grama é uma medida de massa (crucial)
2- As definições de kg como massa de um dado volume de água em certas condições foram abandonadas há muito, mas como escrevi isto é de somenos importância (kg é definido em relação a um padrão físico)
«acha mesmo que a gafe (termo seu) da definição por mim dada de grama e por algumas das obras consultadas, é tanto ou mais necessitada do castigo “da menina de cinco olhos” que o desconhecimento de Eça ou o erro ortográfico (“asseçoria”) dos alunos da Faculdade de Letras de Lisboa?»
Meninas dos 5 olhos não.
Para um professor de português não é mais grave visto a literatura portuguesa fazer parte da sua área de formação e a Física não.
Num blog em que o assunto principal é a ciência pode crer que é uma gafe com uma importância várias ordens de grandeza superior.
«Este o cerne da questão! Esta a questão que não deve ser escamoteada!»
O cerne da questão é que como preconiza um exame de cultura geral o tal exame iria ser pior do que o problema que visa resolver. Ou os critérios são adaptados à área do professor ou então temos um exame tipo PGA e isso é inadmissível.
Não posso ser mais claro do que isto.
Caro corrector_reloaded:
“Tudo seus avessos tem” – Sá de Miranda.
“Qualquer ideia proferida desperta outra contrária” – Goethe.
Grato pela sua resposta.
Costumo dizer que as melhores ideias se mal aplicadas tornam-se em péssimas ideias. É o caso, do exame de acesso à carreira docente se, como bem escreve, "os critérios não forem adaptados à área do professor". Este confronto de ideias que se espraia em longos comentários, começa na paz do Senhor com a coincidência de ideias entre ambos.
“Malgré tout”, continuo a insistir numa prova de cultura geral, incidindo sobre o domínio da língua materna, uns conhecimentos de Literatura Portuguesa e de Filosofia (tão necessária ao pensamento lógico e à ética, por exemplo), entre outros possíveis aspectos das chamadas humanidades, em complemento de áreas científicas específicas. E porque vem ao caso, recordo-lhe haver um número razoável de médicos, portanto, com formação científica e em simultâneo cultores das Belas-Letras. Uma meia dúzia de exemplos que me ocorrem à memória: Júlio Dinis, Miguel Bombarda, Fernando Namora, Miguel Torga, António Lobo Antunes e seu irmão João de que sou admirador incondicional pela simbiose perfeita entre a sua mestria de conceituado neurocirurgião, de académico reputado e de escritor de estilo literário notável.
"Um blogue em que o assunto principal é ciência", como refere, não faz jus ao ecletismo do "De Rerum Natura". Para além deste pormenor, que tenho por maior, o meu post não se debruçou sobre questões científicas (excepto no meu episódico “crime” sobre a definição científica de GRAMA). Abordou ele questões relacionadas com um mero exercício profissional e não de uma profissão estruturada num “corpus” próprio que, por esse facto, corre o risco de ser havida como tarefa de escravos gregos hodiernos ao serviço dos senhores de Roma: a sociedade, o ministério da Educação, os pais, os encarregados de educação, os alunos, quando, como acontece, a função docente se exaura em tarefas de natureza burocrática.
Mas vamos ao fundo da questão: um professor de Português com bom senso não falará de cátedra aos alunos nas aulas de assuntos que não domina, como os relativos a matérias da Física, por exemplo. Já o professor de Física ou de Matemática (como sabe, muitas dificuldades dos alunos em resolver os problemas com elas relacionadas residem em descodificar convenientemente os seus enunciados) estará sempre na boca crítica do mundo e dos alunos se disser disparates do tipo “púzio”, “falastes” ou “dissestes”. Para além disso, sempre que necessitado de passar ao papel as matérias ministradas nas aulas ou os enunciados dos testes, está sujeito a dar erros se não dominar num mínimo aceitável a língua portuguesa, isto é mesmo sem a eficácia que se pede a um especialista na matéria.
Infelizmente, não se trata, de forma alguma, de blague. Casos há de professores (não me peça dados estatísticos de uma constatação meramente pessoal) se dirigirem, em requerimentos manuscritos, aos presidentes dos conselhos directivos das suas escolas, escrevendo conselho com dois cês: ou seja, concelho! Demais, existem exemplos de documentos emanados dos "cérebros" que se sentam nos cadeirões de importantes gabinetes do chamado ministério da Educação, ou da Ignorância, como escrevi em um dos meus recentes artigos de jornais, com erros de palmatória (a chamada “menina de cinco olhos” ).
Por último, manifesta receio de abrir uma caixa de Pandora “tão terrível” que prefere mantê-la fechada. Assumo esse papel, aliás, como em muitas outras ocasiões em que me torno incómodo, ora para a tutela, ora para os próprios professores, em obediência a princípios de imparcialidade crítica.
Como se sabe no acesso à docência do 2.º ciclo do ensino básico das Ciências Naturais (ou Ciências da Natureza, a crisma do nome das disciplinas é constante) cumprem-se os seguintes trâmites processuais nos concursos públicos de acesso. Quando concorrem simultaneamente dois candidatos a professores - um com 13 valores de licenciatura universitária, outro formado pelas escolas superiores de educação com 14 (sem ter em conta o facto de serem as notas dadas pela universidade, normalmente. bem mais baixas que as das escolas superiores de educação) - o concorrente vindo do politécnico passa à frente, podendo até dar-se o caso do candidato universitário ficar no desemprego vários anos devido à escassez de lugares neste mercado.
Proporcione-se, agora, a quem não esteja dentro destes assuntos, o percurso escolar dos dois candidatos. O universitário teve uma exigente formação académica de cinco anos que lhe permite ser professor APENAS de Ciências Naturais (ou da Natureza); o professor licenciado pelo politécnico, 4 anos de formação que lhe concedem a graça de ministrar Matemática e Ciências simultaneamente (acresce o caso deste ter podido ter acesso à docência do 1.º ciclo do básico após a conclusão dos 3 anos iniciais de curso de ensino politécnico).
Estando de acordo que quer esta situação quer o exame de acesso à docência são situações longe de serem consideradas boas, entre as duas opto pela menos má: como tenho defendido, o exame de acesso à docência que coloca os concorrentes em situação de paridade avaliativa.
Em concordância com o princípio de que “o importante é que podemos aprender muito a partir de uma discussão, ainda que se não chegue a acordo, porque a discussão pode-nos levar a compreender alguns pontos fracos da nossa posição” (Karl Popper), fico-lhe devedor da lição que me ministrou (ainda por cima de borla) sobre os conceitos científicos de grama, peso e massa.
Nada mais me ocorre dizer por agora, a não ser que pode dormir o sono dos justos: ao contrário do que aventou em seu escrito, não tenho qualquer hipótese, por mais remota que seja, de ser decisor sobre os moldes em que esse exame se poderá processar. Se, por milagre, a minha voz chegasse ao último piso da 5 de Outubro, a exemplo seu e “à outrance”, defenderia a necessidade dessa prova incidir fortemente na matéria científica ou humanística a ministrar pelo candidato.
Mas não acredito, tampouco, que mesmo que isso sucedesse, que a teimosia da ministra da Educação se dignasse ouvir qualquer conselho nesse sentido, por mais avisado, lúcido e valioso que ele fosse. Como parece ser seu hábito, teria apenas ouvidos para as tolices sussurradas nos bastidores do poder pelo seu inefável secretário de estado. De sua graça, Valter Marques!
Caro Rui Baptista,
Em primeiro lugar, os meus parabéns pela escolha deste tema.
Como refere, “a formação dos futuros professores deixa muito a desejar”.
No caso da FLUL, tem havido, ao longo dos anos, uma defesa (acérrima?) da avaliação contínua em detrimento da existência exames. Isto, claro, a partir do momento em que se acabou com a tese final de licenciatura (salvo erro, no final dos anos sessenta). Nos últimos dois/três anos (antes tarde do que nunca!), tem havido uma maior abertura para alterar alguns pressupostos da avaliação existente.
Vamos por partes:
1. Quem são afinal os alunos da FLUL? Além de estudantes de línguas, há também discentes de Geografia, Artes do Espectáculo, Comunicação e Cultura, etc, etc (devido à implementação do Processo de Bolonha, algumas designações dos cursos terão sido alteradas)... Além disso, nem todos eles podem/querem seguir a via ensino. Tal não desculpa, evidentemente, as falhas que alguns (poucos? muitos?) possam cometer.
1.1. Creio que os erros cometidos devem ser considerados, em primeiro lugar, como um “atentado” à formação pessoal desses alunos, ou seja, como cidadãos e não apenas como (hipotéticos) futuros professores.
É claro que os docentes têm uma grande influência na formação da escrita dos futuros cidadãos... E os jornalistas, por exemplo, não têm? E os pais? E os blogues, os chats, a internet em geral? Nos dias de hoje, os jovens (inclusive, os universitários) estão expostos a uma quantidade de informação visual e escrita que circula a uma velocidade estonteante. Não perceber isto é não perceber a dinâmica da escrita...
2. Encontrei, durante os meus tempos de estudante, erros em trabalhos de colegas de Alemão, Francês, Estudos Portugueses, Geografia, etc, etc... E o que dizer das falhas clamorosas de alunos da Faculdade de Ciências (só para dar um exemplo)? Até tinha dificuldade em perceber o sentido em trabalhos escritos que me pediam para corrigir: problemas de coesão e coerência textual, falhas gramaticais, etc, etc...
3. Falhas a nível de “cultura geral”? Até os alunos finlandeses (sim, aqueles que têm os melhores resultados a nível do PISA) têm “lacunas” a este nível. Digo-lhe que são lacunas que envergonhariam, em princípio, qualquer responsável educativo europeu.
Seria também necessário ter um entendimento mais claro sobre a definição de “cultura geral”. Não estou a desculpar as falhas dos alunos que referiu.
4. Será culpa dos alunos? Sim, também. Nem vou referir o clima de facilitismo, do “deixa andar”, do “desenrasca” pois isso daria “pano para mangas”. O facto é que as faculdades (de Letras, mas não só...) partem do princípio que os alunos vêm do Secundário com uma boa formação de base (tanto a nível linguístico como a nível científico, cultural)... Isso acontece cada vez menos, causando um desnível entre aquilo que é esperado por parte dos professores e o que os alunos querem/podem/devem atingir.
4.1. São esses mesmos alunos que têm dificuldades a nível do conhecimento explícito da língua, de expressão oral e escrita, de argumentação lógica, etc, etc..O maior número de chumbos dos cursos de Línguas é verificado nas disciplinas de Linguística (Fonética e Fonologia, Sintaxe e Semântica...). Não é alheio o facto de serem estas as cadeiras que considero a “matemática das línguas”....
4.2. Seria também necessário ter em conta o perfil de aluno que chega actualmente às faculdades e o perfil final a atingir...
5. E o “melhor” ainda está para vir, com a redução dos anos das licenciaturas (por força da implementação do Protocolo de Bolonha): de quatro, passam a três. Será interessante verificar até que ponto é que a implementação dos novos graus de ensino traduzir-se-á na melhoria das aprendizagens...
6. Quanto à existência ou não de um exame de admissão à docência:
a) seriam avaliadas as aptidões científicas e/ou pedagógicas? Creio ser complicado verificar aptidões pedagógicas através de um mero exame... De qualquer forma, discordo parcialmente daqueles que defendem que, pelo facto de existir um estágio pedagógico, é dispensável a realização de um exame de avaliação...
Também os actuais professores deveriam submetidos a exames e não apenas os candidatos ou professores contratados... Quem não deve, não teme.
b) quais seriam os objectivos gerais e específicos e respectivos conteúdos a avaliar?
c) quem seria responsável pela implementação desta avaliação? O ME e/ou o MCES?
d) seria um exame de carácter eliminatório? Que peso teria na média ponderada de acesso à profissão, em correlação com a média final de curso, disciplinas de carácter científico e/ou com o estágio pedagógico/Ramo de Formação Educacional (que passará a mestrado...)?
c) que peso teria essa vertente de “cultura geral”?
Para efectuar uma devida avaliação (inicial e contínua), é necessário haver vontade política e disponibilidade financeira... Haverá mesmo?
7. É também preocupante a formação inicial de professores: actualmente, os alunos estagiários das universidades assistem às aulas dos orientadores de estágio e limitam-se a leccionar meia dúzia de aulas. Porquê? Porque o ME decidiu não renumerar o estágio desses mesmos alunos. Não será também um ponto digno de reflexão e com efeitos negativos a médio/longo prazo na educação de futuros cidadãos?
Caso tenham interesse pela Formação de Professores, aconselho a leitura do livro de Rosa Bizarro e Fátima Braga, “Formação de Professores de Línguas Estrangeiras: Reflexões, Estudos e Experiência”, editado pela Porto Editora.
Caro Zé Côdeas:
Sem desmerecer os comentários anteriores ao seu (mesmo aqueles que no calor da refrega me pareceram menos justos), agradeço-lhe penhorado a forma equilibrada e elegante como trouxe novas perspectivas ao tema em discussão, só por elas, merecedoras que nos debrucemos calmamente , ambos, e quem, porventura, nos leia em reflexão atenta e cuidada. Assim, esteja eu à altura dessa necessária reflexão.
Comecemos pelos exames. Concedo que possam ser um mal necessário, mas não tão mau como uma caricata avaliação contínua em turmas universitárias superpovoadas (na Faculdade de Direito de Coimbra chega a haver aulas em que os alunos não cabem dentro das salas). Na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), qual o número médio de alunos por turma? Se numeroso, não dificultará, ou mesmo impossibilitará, um avaliação contínua séria?
Não sei o critério seguido no que respeita ao regime de faltas na FLUL. As aulas teóricas são de assistência obrigatória? Aqui o seu depoimento será, também, esclarecedor por ser o testemunho "ex professo" de quem fala do seu múnus académico.
Costumo comparar os exames à opinião que Churchill tinha da democracia (cito de memória): "A democracia é a pior forma de governo, mas ainda se não descobriu outra melhor"! Para exemplificar aspectos menos positivos desta forma de avaliação recorro à opinião de Charles Cotton: “Os exames são temíveis até para quem tem o melhor preparo , pois o homem mais tolo pode sempre fazer uma pergunta a que o mais sábio não sabe responder”. Assim julgo acontecer, por vezes. Mas não concordo que se assaquem as culpas (para mais num país em que a culpa costuma morrer solteira) ao exames em si mesmo. Aqui, o ónus da responsabilidade recai inteirinha na forma como as perguntas são estupidamente formuladas. Isto já para não falar em exames do tipo totobola com as respectivas cruzinhas.
Esclarece em seu comentário que há, entre outros, na FLUL alunos de Comunicação e Cultura (futuros jornalistas?). Tenho-os, outrossim, quase tanto necessitados do domínio da língua materna e das obras literárias, como os professores de línguas. Quanto à Cultura, na sua componente abstracta é pisar um terreno um tanto ou quanto pantanoso. Cultura literária, cultura científica, cultura geral? A propósito, lembro-me de uma tertúlia de café com a participação de indivíduos com formação superior. A páginas tantas, um dos presentes, médico tido como possuidor de uma elevada cultura em domínios que não os da sua profissão, vira-se para mim (nada a propósito, pois o tema da conversa nada tinha a ver com o assunto) , e atira-me à queima-roupa: "Agora é que eu vou ver a sua cultura geral: já leu o livro x?" Não o tinha lido, de imediato o confessei, mas retorqui: "Hoje respondo a todas as sua perguntas, sob a condição de dentro de dias nos voltarmos a reunir aqui para ser eu a fazer-lhe as perguntas que bem entender sobre as obras que leu ou deixou de ler". Com assinalável "fair-play", respondeu-me: "touché"!
Isto demonstra que todos nós temos agarrada à pele uma cultura geral própria que nos é transmitida dentro e fora das aulas, pelos progenitores, pelos colegas, pelas leituras que fazemos, pelos filmes a que assistimos, enfim, pelo ambiente que nos rodeia. Julgo que isto não foi bem interiorizado por alguns comentaristas (em defesa das suas áreas de conhecimento) que viram no meu post a intenção de apoucar a falta de conhecimentos específicos na área das Letras por alunos de Letras, documentada nos exemplos por mim colhidos nos media, “et pour cause”, do conhecimento público. Assim como não foi entendido (julgo eu) que a minha defesa sobre uma correcta oralidade se estribava no facto das suas falhas se assumirem, de corpo inteiro, na vida diária, quer do professor (aqui com uma responsabilidade acrescida), quer do médico, quer do advogado, quer do engenheiro, etc.,com que nos deparamos no nosso contacto diário. Sem dúvida mais grave quanto mais elevado for o grau académico dos diplomas ostentados e/ou o estrato social dos nossos interlocutores casuais ou não. Quantos vezes não ouvimos pessoas até tidas como ilustradas e transmissoras públicas de mensagens (governantes, deputados, radialistas, locutores de televisão, etc.) dizerem, para além de outros disparates, "portantos" ou isto é "à séria", em vez de portanto ou a sério!
Sobre a falta de cultura há algo pior: uma cultura balofa, documentada por uma anedota que bem a caracteriza. Um indivíduo chega junto dos amigos, e para botar cultura vivinha da costa, atira-lhes a frase lida na véspera: "Eu sou como o Sócrates [o filósofo, claro está], só sei que nada sei!" Os amigos, de imediato respondem-lhe: " Então,todos nós somos como o Sócrates, todos nós sabemos que tu não sabes nada!"
Quanto ao problema por si levantado quanto aos conhecimentos que os alunos trazem na mochila do secundário nem vale a pena falar. Em muitos desses conhecimentos há uma desarticulação muito grande entre as matérias aprendidas (ou até mal ou não aprendidas) e que pouco ou nada servem de suporte às matérias que os esperam na Universidade. Saint-Exupéry é bem explícito a este respeito: “Se cada tijolo não estiver no seu lugar não haverá construção”. A propósito, tempos atrás, um catedrático de Química queixava-se-me com amargura desse facto, dizendo-me que no 1.º ano do curso perdia um tempo precioso em fazer a ponte entre essas matérias ou mesmo a ensiná-las.
Sou da opinião (e as opiniões valem o que valem!) que o facto de haver dois ministérios - dito de uma forma simplificada, o da Educação, com a tutela do ensino não superior, e o do Ensino Superior, a superintender na Universidade e no Politécnico - contribui para este "statu quo".
Quanto ao Processo de Bolonha, tive ocasião, em vários artigos de opinião em jornais, de me manifestar para a aberração em cognominar, no nosso país, os 3 anos iniciais de ensino superior universitário ou politécnico de licenciatura. Em território anglo-americano (e não só), corresponde esse triénio ao grau de “bachelor”, em sua tradução para português bacharelato. Inicialmente, foi esse grau estabelecido em Portugal. Posteriormente (vá-se lá saber porquê, embora se advinhe) optou-se por licenciado. Este facto, mereceu-me a seguinte e desagradada menção em artigo no “Diário de Coimbra” (18.Dez.2004), transcrito mais tarde num livro da minha autoria:
“Assim como ‘as árvores morrem de pé’, o actual grau de licenciado, cuja extinção está prevista, deverá ser apagado do mapa com a dignidade que lhe foi cometida até aqui por instituições universitárias de indiscutível mérito, não podendo, de forma alguma, ser desvalorizado, ou sequer beliscado, no futuro relativamente aos mestrados vindouros.
Como é óbvio, referindo-me apenas a estas licenciaturas, defendo que lhes deverá ser feita justiça, em termos legais [ao que julgo saber esta equivalência não se encontra ainda cominada em letra de lei], face a ervas daninhas que lhes possam minar as raízes de uma merecida e incontestável respeitabilidade, através de processos pouco recomendáveis por transformarem licenciaturas de pechisbeque em vistosos adornos académicos de pouco valor social e nenhum mérito académico” (“O Leito de Procusta”, edição do SNPL, Outubro de 2005, Lisboa, p. 81).
Por último, é levantado, aliás com muita pertinência, o “modus faciendi” do exame de acesso à carreira docente. E são apresentadas, por si, sugestões muito válidas. De uma coisa estou certo: devido às “alergias” motivadas pelas medidas preconizadas pelo ministério da tutela (ou mesmo teimosamente para serem consumadas) deverá ser entregue essa missão a um grupo de trabalho - independente de qualquer coacção, ou imune a uma mera influência do gabinete ministerial da tutela, dos respectivos secretários de Estado ou dos sindicatos - constituído por pessoas sabedoras da poda, para utilizar uma expressão popular bem propositada. Mesmo um numeroso grupo de ignorantes em matéria de exames, não exclue a hipótese de haver gente muito sabedora e capaz de “levar a carta a Garcia”. Há-a, sem sombra de dúvida! Não se pode é duvidar da bondade desse exame, alegando, à partida, a maldade da sua elaboração.
Muito grato pela valiosa achega que o seu comentário aportou ao meu post em que reconheço poder ter sido pouco claro ao dizer o que não quis dizer ou em não dizer o que quis dizer. Assumo por inteiro essa culpa perante os leitores e os comentadores que tiveram a paciência em trazerem as suas achegas a uma longa discussão.
Cada vez mais me convenço da riqueza que os debates nos blogues representam no acesso livre às mais variadas opiniões pessoais.
Um abraço
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