quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

“Mas, há uma questão que continua sem resposta”

Uma infinidade de considerações poderia ser feita ao programa Prós e Contras – transmitido pela RTP 1 na passada segunda-feira, dia 25 de Fevereiro –, dedicado a questões fundamentais da e na actualidade educativa, tão abundante de conteúdo e polémica ele foi.
É impossível, portanto, analisá-lo no seu todo, num modesto texto de blogue. Mas, neste espaço, pode pensar-se nele, em relação a aspectos particulares e muitos concretos, como, por exemplo, a essência do novo modelo de avaliação do desempenho do pessoal docente.

Ora, a este propósito, lembrei-me de uma leitura que fiz há muito: trata-se de um artigo escrito por Christopher Day, professor da Universidade de Nottingham, publicado entre nós, em 1992, que três anos antes havia saído na revista Westminster Studies in Education (vol. 12). Um pouco antigo, portanto, esse documento, ou extraordinariamente actual?

Partilho uma passagem do mesmo com o leitor, pois considero que ela elucida alguma coisa do que se foi dito.

“O desenvolvimento de esquemas de avaliação nas escolas proporcionará novas oportunidades para aferir em que medida dois objectivos centrais – a responsabilização e o desenvolvimento profissional – podem ser concretizados. É certo que as ‘autoridades educativas’ têm sublinhado, sobretudo, o segundo aspecto, através da valorização: das dinâmicas de participação e de consultadoria na avaliação; da auto-avaliação como ponto de partida; do controlo do processo pelos professores; da formação dos ‘avaliados’ e dos’ avaliadores’ (…), para a observação da sala de aula e para a realização de entrevistas; dos efeitos positivos, em termos de apoio à ‘descoberta do potencial humano que procuram revelar e desenvolver’ (NDCSMT, 1989). As associações de professores também têm salientado que a avaliação não deveria ser vista como ‘mais uma tarefa’, mas sim como uma estratégia ‘incorporada e integrada no modo como as escolas, enquanto instituições dinâmicas, desenvolvem os seus recursos humanos’ (NDCSMT, 1989). Trata-se, no fundo, de sugerir que a avaliação só tem sentido ‘quando a escola está habituada a olhar criticamente para as suas práticas e quando o pessoal docente tem uma percepção saudável do seu estatuto’ (DES, 1985).
No entanto, apesar do sucesso aparente do trabalho realizado no âmbito dos esquemas-piloto de avaliação dos professores, ainda existe uma certa suspeita e cepticismo no seio do corpo docente, onde se vive um clima de ‘mudança legislada’ e não de ‘mudança negociada’ (…)
As prioridades da formação contínua e do desenvolvimento profissional – durante tanto tempo uma questão da competência individual de cada professor – são cada vez mais prescritas pelo governo, através da definição de mecanismos de apoio e de financiamento (…)
Por outro lado, as mudanças na percentagem de fundos atribuídos ao governo e às ‘autoridades educativas locais’ deixam antever uma menor possibilidade de atender aos pedidos formulados pelas escolas a partir de uma identificação das necessidades de formação dos seus profissionais.
O maior controlo do currículo a nível nacional, bem como os ‘novos’ poderes concedidos aos directores das escolas, nomeadamente na supervisão da acção docente e do desenvolvimento curricular, podem contribuir para que os professores olhem para a avaliação do seu trabalho como mais um factor de depreciação pessoal e de declínio do profissionalismo docente (…)
É neste clima que o debate sobre a avaliação dos professores deve ser enquadrado e que devem ser entendidas as referências à participação, à responsabilização e à formação como base do desenvolvimento profissional (…)
Mas há uma questão que continua sem resposta: será que estas dinâmicas vão ser utilizadas para promover o desenvolvimento do pessoal docente no seu sentido mais amplo ou para acentuar lógicas de responsabilização, isto é, ‘de prestação de contas a um órgão que tem autoridade para modificar esse desempenho através de uma sanção ou de uma recompensa’ (Kogan, 1986)?”
A recente retórica da avaliação, a nível do governo (…), põe a tónica no desenvolvimento profissional, rejeitando a ideia que se está ‘a por em causa o profissionalismo dos professores e a contribuir para que se tornem em trabalhadores educacionais sem qualquer controlo sobre o conteúdo do seu trabalho’ (Hartley & Broaffoot, 1985). Se na verdade a avaliação dos professores não deve ser vista como um ataque ao profissionalismo docente, mas sim como uma estratégia de estímulo ao seu desenvolvimento profissional, então é preciso que a prática concreta das escolas seja coerente com essa orientação.”

Documento citado:
Day, C. (1992). Avaliação do desenvolvimento profissional dos professores. In A. Estrela & A. Nóvoa. Avaliação em educação: novas perspectivas, Lisboa: Educa, 89-104.

Imagem retirada de:
http://www.irishmethodist.org/serve/education/teacher.jpg

3 comentários:

LV disse...

Helena,
Brilhante excerto. Certeira a sua selecção. Vejamos o seguinte caso:
Na escola onde lecciono, o Presidente do Exec. afirmou que o actual processo de avaliação vai avançar... apenas para os docentes contratados.
É ou não é a confirmação de que"‘novos’ poderes concedidos aos directores das escolas, nomeadamente na supervisão da acção docente e do desenvolvimento curricular, podem contribuir para que os professores olhem para a avaliação do seu trabalho como mais um factor de depreciação pessoal e de declínio do profissionalismo docente (…)"

Isto nasceu mal... será que se endireita?
Saudações,
Luís Vilela.

Victor Gonçalves disse...

O artigo, nos fragmentos que o compõem, é muito bom. Mostra como um boa teoria (benefícios profissionais de um sistema inteligente de avaliação dos professores) pode realizar o seu lado negro, isto é, como todo este processo pode resultar em algo de muito perverso. Isto sobretudo porque as escolas não têm de facto uma "prática concreta coerente com as orientações" sobre a avaliação e os instrumentos de avaliação construídos pelo ministério são bastante arbitrários.

Carlos Medina Ribeiro disse...

Quem haveria de dizer que o Pedro Barroso (sim, o cantor, músico, maestro e compositor), agora com 150kg de peso (!), foi professor... e logo de Educação Física?!
Porventura com saudades desses tempos, acaba de publicar uma bela crónica sobre aquilo a que chama «o acto tão belo de ensinar» - ; pode ser lida[aqui].
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