O Processo de Avaliação do Desempenho do Pessoal Docente, recentemente passado a letra de lei (Decreto Regulamentar n.º 2/2008 de 10 de Janeiro), estabelece duas dimensões, que se pretendem complementares: a auto-avaliação e a avaliação por colegas da mesma escola. Ora, esta determinação que, numa primeira abordagem, parece razoável, tem desencadeado inúmeras considerações por parte de especialistas em avaliação do ensino.
Restringindo-me, de momento, à avaliação do professor por colegas da mesma escola, retomo, na sequência no meu post anterior, a análise realizada por Christopher Day, salientando que, ao contrário do que alguns discursos políticos querem fazer crer, esta dimensão está longe de ser sempre pacífica e profícua.
Na verdade, encerra perigos e limitações várias, tanto mais acentuadas quanto as intenções de desenvolvimento profissional e de classificação se misturam, como é o caso do processo acima referido, e quando esta última intenção se afigura como central nesse mesmo processo.
“(…) Smith (1984) revela que os adultos aprendem quando lhe são dadas oportunidades para uma reflexão orientada e contínua, como base ‘numa experiência vivida’. Sugere que os adultos (e os professores) aprendem ao fazer e beneficiam mais com as situações que combinam a acção com a reflexão. Elliott (1984) comenta a ‘falta de uma reserva preciosa de conhecimento profissional auto-gerado’, identificando como causa o isolamento tradicional da prática profissional dos professores; por outro lado, o relatório ILEA (1984) revela que ‘um respeito bem intencionado pela autonomia profissional pode fazer com que alguns professores se tornem prisioneiros nas suas salas de aulas’. A mensagem parece clara: a avaliação e o desenvolvimento profissional devem contribuir para um menor isolamento do professor e libertar mais tempo para reflectir sobre a acção (….)
Um dos meios para obstar ao isolamento passa pelo encorajamento activo de amizades críticas, que podem ser definidas como uma espécie de sociedades nas quais se entra voluntariamente, baseadas numa relação entre iguais e enraizadas numa tarefa comum ou num interesse partilhado. Podem ser um meio para estabelecer laços com um ou mais colegas com vista a encarar em conjunto os processos de aprendizagem e de mudança, de modo a que as ideias, percepções, valores e compreensões possam ser partilhadas (…).
As amizades críticas podem servir para diminuir o isolamento e para aumentar as possibilidades de uma reflexão partilhada, confrontando o pensamento e a prática. A reflexão por si só não conduz necessariamente a uma auto-confrontação e esta, por sua vez, pode precisar de um apoio especializado, para ser traduzida numa nova acção. Se se estiver sozinho, as ‘apenas se verá o que se está pronto para ver e se aprenderá aquilo que se tiver consciência de que já se sabe’ (Thompson, 1984). Em termos da avaliação da prática na sala de aula, por exemplo, um amigo crítico pode estabelecer e manter um diálogo interessante e estimulante, através do qual são criadas situações em que o professor será obrigado a reflectir sistematicamente sobre a prática.
Quando os resultados deste tipo de interacção são positivos, os padrões de ensino tornam-se mais eficazes. Mas o processo irá igualmente gerar informação vária que poderá ser utilizada pelos professores como parte de uma entrevista de avaliação e como um meio de apoio às visitas (ou inspecções) das autoridades educativas.
Vantagens dos amigos críticos (de dentro ou de fora da escola)
Desde que sejam competentes e de confiança podem:
1. diminuir a carga de energia e de tempo para observação, permitindo aos professores continuarem a ensinar e manterem a sua actividade pedagógica, aliviando-os muitas vezes do fardo de recolher e analisar os seus próprios dados;
2. serem utilizados contra preconceitos de um auto-relatório e apoiar os professores em processos mais demorados de auto-avalição;
3. proporcionar, quando necessário, comparações com práticas de sala de aula noutros locais;
4. movimentar-se livremente e ver as crianças a trabalhar em situações diferentes;
5. centrar a atenção numa questão ou numa área de interesses estabelecida;
6. providenciar diálogos críticos depois das aulas;
7. actuar como um recurso do professor em certos momentos.
Desvantagens dos amigos críticos
Se os amigos críticos não forem competentes ou não forem de confiança, então:
1. a não ser que sejam um visitante regular, as suas interpretações podem estar fora do contexto (os observadores têm os seus próprios preconceitos);
2. as crianças podem estar menos receptivas a pessoas exteriores:
3. a menos que com o tempo se tornem uma presença regular na sala de aula, as crianças e o professor poderão reagir de modo incaracterístico.
Além disso:
4. o resultado é moroso – o observador e o professor têm de passar algum tempo juntos, antes e depois do trabalho observado, para negociar e preencher o contrato;
5. é difícil encontrar bons observadores! (…)
O convite deverá ser deixado ao critério de cada professor, quer a sua opção seja um colega da escola ou alguém de fora (por exemplo, um docente de uma instituição de ensino superior). No entanto, talvez valha a pena mencionar que uma pesquisa indicou que ‘é preferível, do ponto de vista do utilizador, aprender com um nosso igual suficientemente longe de casa para que o pedido de ajuda não seja interpretado como uma auto-acusação; a comparação e comparações injustas sejam reduzidas; as ideias possam ser apresentadas sem quaisquer problemas; as ideias possam ser apropriadas pelo professor (Hopkins, 1986).
Qualquer que seja a escolha, são os seguintes os elementos de uma cooperação eficaz:
1. vontade de partilhar;
2. reconhecimento de que a cooperação envolve ‘revelação’ e ‘receptividade’ ao feedback;
3. reconhecimento de que a revelação e o feedback implicam estar-se preparado para a mudança;
4. reconhecimento de que a mudança é por vezes ameaçadora e difícil (requer tempo, energia e novas capacidades), mas é gratificante;
5. reconhecimento de que as pessoas podem estar disponíveis para partilhar apenas dentro de certos limites.
Documento citado:
Day, C. (1992). Avaliação do desenvolvimento profissional dos professores. In A. Estrela & A. Nóvoa. Avaliação em educação: novas perspectivas, Lisboa: Educa, 89-104.
Imagem retirada de:
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