sábado, 16 de fevereiro de 2008

A caça às bruxas na Arábia Saudita


Embora pareça difícil de acreditar, existem pessoas que, em pleno século XXI, acreditam em bruxas e se dedicam à sua caça e «erradicação».

Um dos países que mais se devota a esta tarefa é a Arábia Saudita. A feitiçaria não é um crime segundo o código penal saudita mas é anátema para a Sharia, a lei islâmica que, num discurso lido no Alto Tribunal de Justiça sobre a lei civil e religiosa, o arcebispo de Cantuária referiu ser inevitável introduzir em Inglaterra para melhorar as relações com a comunidade muçulmana.

O líder religioso declarou igualmente, numa entrevista à BBC, que os muçulmanos não deveriam ter que escolher «entre a lealdade ao Estado e a lealdade cultural». As declarações de Rowan Williams não são inesperadas face a declarações anteriores de outros dignitários da Igreja Anglicana mas estão a agitar a tal ponto a sociedade britânica que «A rainha Isabel II está consternada com a polémica sobre a sharia (lei islâmica) no país, receando que isso possa 'minar a autoridade do arcebispo de Cantuária e prejudicar a Igreja Anglicana', de que ela é a governadora suprema» (Público, 14/2).

O arcebispo considera que se devem reconhecer «métodos de jurisprudência governados por textos revelados» em vez de se «impor» um sistema único de justiça.

Na Arábia Saudita, assim em como em muitos outros países, a jurisprudência revelada é completamente reconhecida e a polícia religiosa tem plenos poderes, pelo que na prática não interessa muito o código civil mas sim a Sharia. E para a Sharia há bruxas que devem ser perseguidas e exterminadas. Assim, há menos de 15 dias foi executado por feitiçaria Mustafa Ibrahim, um farmacêutico egípcio que trabalhava no país e que, de acordo com o ministério do Interior saudita, foi considerado culpado de ter tentado separar um casal por feitiçaria.

A ONG Observatório dos Direitos Humanos revelou há dias outro caso, o de Fawza Falih uma saudita analfabeta condenada à morte por decapitação por «feitiçaria e recurso a jinns [génios da lâmpada]». Fawza foi acusada, entre outras acusações de bruxarias, de causar impotência a um homem por artes mágicas. Presa pela polícia religiosa em 2006 a saudita foi violentamente torturada e espancada durante 35 dias [tendo de ser hospitalizada em consequência da brutalidade dos interrogadores] após o que assinou, com uma impressão digital, uma confissão que não sabia ler nem lhe foi lida. Em tribunal, Fawza repudiou a confissão extraída por tortura, que nem sequer sabia o que rezava.

Num dos recursos da sentença, entretanto esgotados, o tribunal de apelo levantou a pena de morte mas o tribunal que a julgara voltou a condená-la à morte, para benefício «do interesse público» e para «proteger as crenças, almas e propriedade deste país».

O Observatório dos Direitos Humanos escreveu ao rei Abdullah da Arábia Saudita pedindo ao monarca que suspendesse a execução de Fawza Falih. Não acredito muito que o monarca seja sensível aos argumentos de que Fawza Falih não teve direito aos procedimentos legais correctos ou de que a feitiçaria ou o consórcio com «génios» são «crimes improváveis».

Pelas declarações do tribunal, a improvável (e inexistente) bruxaria é considerada pelos zelosos clérigos um atentado inadmissível aos valores sauditas e é do interesse público decapitar quem a ela se dedica. Pelo que percebo, contrariamente ao que se passa com a feitiçaria, a Sharia é muito vaga em relação a corrupção e como tal não são crimes casos como aquele que enche desde há dois dias as páginas da imprensa britânica. Pelo menos, embora alegadamente o principe Bandar, que dirige o ministério da segurança saudita, tenha tentado abafar o caso de corrupção multimilionária envolvendo a venda de armas e outro equipamento militar pela BAE à Arábia Saudita - inclusive com ameaças frutíferas a Tony Blair que pôs fim à investigação em curso - ninguém da polícia religiosa se manifestou...

3 comentários:

Pedro Machado disse...

O problema hoje é o Islão, não a religião. Mas como toda a gente tem medo deles ou de serem tachados de "islamófobos" (conceito propositadamente falso e enganador), falam mal da religião. Já começa a ser ridículo, mas no fundo é triste.

Sou agnóstico, para que conste.

Valter Boita disse...

Muito interessante ter divulgado este problema!
Parabéns

artur figueiredo disse...

Também felicito o blog por post´s como este. Não é tanto pela coragem (que é enorme!) de abordar este tema, mas mais pela capacidade de ele nos fazer pôr em causa as convicções!

Ao contrário do Lpedromachado, parece-me que estes exemplos põem em causa a validade social das religiões. Se do ponto de vista pessoal é aceitável que a religião pode trazer benefícios, para a comunidade e para a sociedade os perigos da fé e da religião estão aqui bem exemplificados.

A verdade é que não existem campeonatos de religião e, se somos adeptos de uma verdade absoluta, tudo o que se lhe oponha é um inimigo, não um adversário.

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