sábado, 2 de fevereiro de 2008

Vale a pena ler

Título: Empires of the Word: A Language History of the World
Autor: Nicholas Ostler
Londres: Harper Collins, 2005, 615 pp.

As dez línguas mais faladas no mundo são as seguintes: o chinês (mandarim), com 1052 milhões de falantes; o inglês, com cerca de metade de falantes (508 milhões), seguido de perto pelo hindi (487 milhões) e pelo espanhol (417 milhões), e depois pelo russo (277 milhões), bengali (211 milhões) e português (191 milhões). O alemão, o francês e o japonês ocupam as últimas três posições. As doze línguas mais faladas do mundo ocupam cerca de metade da população da Terra, e todas tiveram origem na Ásia ou na Europa. As línguas morrem, renascem, adaptam-se e alteram-se e este livro procura ajudar a compreender melhor esta dinâmica. Pleno de factos, mas também de ideias, as suas mais de 600 páginas de grande formato abordam a dinâmica linguística simultaneamente em termos sincrónicos e diacrónicos. O autor conduz-nos por uma história das grandes e pequenas civilizações, da primeira língua clássica — o sumério — à actualidade. A sua preocupação fundamental é compreender como as línguas se cruzam, adaptam, morrem e sobrepõem.

O autor defende que não se tem dado atenção a aspectos estritamente linguísticos que podem determinar a expansão ou morte de uma língua. A razão de ser desta relativa negligência é o facto de se pensar que quando se aprende uma língua em criança a sua estrutura é irrelevante: quando se é criança, tanto custa aprender alemão como chinês. Isto é verdade mas, argumenta o autor, quando as línguas se cruzam, a população adulta pode desempenhar um papel fundamental na resistência a uma língua invasora. Ora, certas diferenças linguísticas profundas entre duas línguas podem dificultar a aprendizagem da língua invasora por parte dos adultos, que continuam a falar a sua língua com as crianças. O autor oferece dois exemplos deste fenómeno: o Japão e as modernas línguas latinas, por oposição às germânicas. Apesar dos esforços do sistema de ensino para tornar o inglês uma língua acessível a toda a gente, no Japão, esta tem uma estrutura fonética de tal modo diferente da sua que poucos são os japoneses que falam ou entendem a língua inglesa, ainda que saibam escrever e ler nessa língua. A permanência do latim, transfigurado, nas modernas línguas da Europa do sul poderá resultar de factores igualmente linguísticos.

O autor procura mostrar que os factores políticos, económicos e militares não são responsáveis, por si só, pela dinâmica das línguas. O império romano ruiu, mas a sua língua permaneceu nas modernas línguas latinas; mas a língua grega nunca se expandiu e nunca penetrou noutras culturas como língua comummente falada. Curiosamente, o autor não dá importância a dois factores quase decisivos para a penetração de uma língua: a força cultural global, incluindo a alta cultura e o entretenimento. Daí que o autor fique um tanto perplexo com a penetração impressionante da língua inglesa ao longo do séc. XX, em todas as áreas. O russo, por exemplo, era uma língua culta no séc. XIX — mas deixou de o ser por pura morte cultural da URSS, e não por falta de poderio económico e militar, nem por falta de instintos imperialistas. A língua inglesa, pelo contrário, expande-se por força da produção cultural (filosofia, literatura, física, matemática, biologia, engenharia — incluindo a informática), aliada à produção de entretenimento barato em doses cavalares.

3 comentários:

Manuel Traquete disse...

Professor Desidério Murcho,

sou leitor assíduo dos seus posts sobre filosofia e sobre lógica há já algum tempo, e esta pareceu-me a ocasião mais propícia para escrever um comentário.
Já tive a oportunidade de ler a obra de Nicholas Ostler, e tenho de dizer que não me arrependo, bem pelo contrário. A mim, que tenho um fascínio especial por línguas, a obra agradou-me imenso, e aconselho vivamente as pessoas a lê-la.

PS:Acredito que conheça e até que seja amigo pessoal do meu professor de Filosofia, professor Luís Gottshalck.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

A língua grega expandiu-se, sim, durante o período helenístico, e tornou-se a língua franca em redor de quase todo o Mediterrâneo. Cleópatra falava cinco línguas (entre as quais se incluía o Latim, mas não o egípcio); mas a sua língua materna era o Grego.
Outra curiosidade: em nenhum período da história do Império Romano o Latim chegou a ser falado por mais pessoas do que o Grego. Para os romanos, o Grego era não só a principal língua de cultura, mas também a principal língua comercial.
A hegemonia do Latim na Europa começou só depois da queda do Império Romano do Ocidente (o do Oriente falava sobretudo Grego); e por isso o Latim que deu origem às línguas românicas - para além de ter influenciado fortemente as germânicas - não foi o Latim clássico, mas o vulgar, ou seja, uma pluralidade de variedades demóticas que se distribuiam geograficamente.

Um paralelo interessante nos nossos dias seria a diferença entre as normas cultas do Inglês (britânica e americana) que tentamos esforçadamente ensinar aos nossos estudantes e as varieddaes demóticas que eles, aparentemente, aprendem sozinhos e sem esforço nenhum.

Desidério Murcho disse...

Caro Sarmento

Obrigado pelas corrcções!

Caro Manuel

Obrigado pelas suas palavras. Sou efectivamente amigo do grande Luís.

AS FÉRIAS ESCOLARES DOS ALUNOS SERÃO PARA... APRENDER IA!

Quando, em Agosto deste ano, o actual Ministério da Educação anunciou que ia avaliar o impacto dos manuais digitais suspendendo, entretanto,...