segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Evolução humana: nós somos o que comemos?


Svante Pääbo, o director do departamento de genética do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária em Leipzig de que falei a propósito do genoma Neanderthal, é um cientista multidisciplinar que, antes de se tornar um nome incontornável em genética evolucionária, estudou história da ciência e egiptologia. Uma das áreas em que Pääbo tem mais impacto tem a ver com a evolução humana, nomeadamente com os trabalhos em que compara ADN humano com o de outras espécies.

Mesmo antes da publicação do genoma do chimpanzé, (Pan troglodytes), Pääbo e colaboradores forneceram dados preciosos que explicam porque as duas espécies apresentam fenótipos tão diversos não obstante a semelhança dos seus genomas. O trabalho de Pääbo revelou que o que nos torna humanos - e não chimpanzés - não é apenas a pequena fracção de ADN não compartilhada com estoutros primatas mas é principalmente a forma como o Homo sapiens usa (ou expressa) os genes comuns às duas espécies.

Em 2002, a sua equipa tinha já analisado o padrão de expressão de genes no sangue e em tecidos do cérebro e do fígado do homem, do chimpanzé, orangotangos (Pongo pygmaeus) e macacos Rhesus (Macaca mulatta). Os cientistas observaram que a variação da expressão dos genes estudados era relativamente pequena nos glóbulos brancos do sangue e no fígado (0,57 e 0,80%, respectivamente) e mais significativa no cérebro (1,23%). Depois da publicação do genoma do chimpanzé, Pääbo e colaboradores compararam humanos e chimpanzés no que respeita às diferenças nos padrões de expressão e de sequências codificadoras de proteínas de genes activos no cérebro, coração, fígado e testículos. Descobriram uma série gradual de restrições selectivas nos órgãos estudados em que embora o cérebro mostrasse as menores diferenças entre espécies (e o fígado as maiores), os genes activos no cérebro tinham acumulado mais mutações no homem que no chimpanzé.

O mais recente trabalho do seu grupo volta a focar a expressão de genes no fígado e no cérebro e sugere que a dieta dos nossos antepassados pode ter estado na origem da nossa evolução única. No artigo «Human and Chimpanzee Gene Expression Differences Replicated in Mice Fed Different Diets» publicado online no fim de Janeiro na Public Library of Science, PLoSONE, a equipa liderada por Svante Pääbo usou ratinhos para testar uma hipótese antiga, a hipótese de que os hábitos alimentares humanos tiveram um papel não despiciendo na nossa evolução.

Os cientistas compararam com um grupo de controle a expressão génica em três grupos de ratos, alimentados com a dieta vegetariana habitual nos zoológicos para primatas, a dieta normal humana e fast food, MacDonald's no caso.

Ao fim de duas semanas, os níveis de expressão no fígado e cérebro foram comparados nos quatro grupos. As diferenças na dieta produziram milhares de alterações nas expressões génicas especialmente a nível do fígado. Os autores verificaram que cerca de 10% dos genes que se expressam de forma diferente nos fígados humano e do chimpanzé veêm a sua expressão nos ratinhos afectada pela dieta. Para além disso, verificaram que estes genes evoluíram mais rapidamente, isto é, as sequências de genes relacionados com a dieta apresentam mais diferenças entre humanos e chimpanzés que a média dos genes de ambas as espécies. Este facto pode indicar que as diferenças evolutivas observadas nestes genes podem ter sido causadas pelas diferenças nas dietas.

Curiosamente, nos ratinhos sujeitos à dieta McDonald's encontrou-se uma ligeira diminuição na expressão de genes no cérebro - demasiado pequena para ser significativa estatisticamente, mas de qualquer forma concordante com outras indicações de que dietas ricas em gorduras saturadas e açúcares refinados podem ser neurologicamnte prejudiciais.

4 comentários:

Unknown disse...

Acho excelente esta série de posts sobre evolução humana!

Por um lado mostra sem sombra de dúvidas que a evolução é um facto, por outro mostra também porque são cruciais as experiências com ratos.

O rato foi o terceiro mamífero com o genoma sequenciado e para além de permitir perceber melhor os mecanismos da evolução tornou-se uma ferramenta ainda melhor no combate a uma série de doenças humanas: quase todos os genes humanos associados a doenças até hoje têm correspondência no DNA do rato.

:: rui :: disse...

Realmente só uma pessoa que pensa que veio de um animal é que poder-se-ia sujeitar a um teste de competição como este. Racional, dizem ser o que somos!?

Haddammann Verão disse...

Somos o que comemos, e o que pensamos, e o que fazemos ... Somos seres, tão animais quanto os outros animais, e somos maravilhosos porque refletimos, podemos nos ver, podemos crescer em consciência. Reflexão é a nossa máxima riqueza.

Anónimo disse...

Quem criou o acaso???

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