O homem é o único animal que ri, apesar de haver alguns boatos sobre o riso da hiena. Tenha o hábito de rir diariamente (julgo, aliás, que é um dos hábitos mais saudáveis) mas já não me ria tanto há muito tempo.
Comecei logo por me rir com uma anedota do prefácio de Esther Mucznik, vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa e colunista do jornal “Público” :
“Quando os nazis perguntam a um judeu alemão quem são os responsáveis pela guerra, este responde calmamente: 'Os judeus e os ciclistas'. 'Porquê os ciclistas?', questionam intrigados os nazis. 'E porquê os judeus?' Remata o judeu.”
Continuei a rir com o prefácio do autor, Abrasha Rotenberg, um economista judeu originário da Ucrânia que, na sua diáspora individual, foi parar à Argentina onde chegou a subdirector do jornal “La Opinión”. A edição original, em espanhol, é de há 25 anos. Escreve ele a propósito desse facto:
“Shakespeare esteve perdido da memória europeia durante mais de 200 anos até que os franceses a recuperaram para benefício do teatro contemporâneo e de toda a humanidade, o que se assemelha a um milagre. O meu livro renasce 25 anos depois da sua publicação graças à extraordinária sagacidade desta editora portuguesa e não duvido que terá a mesma popularidade que os do meu colega William. Pergunto-me se este breve quarto de século de ausência reflecte uma diferença qualitativa a meu favor ao comparar o tempo em que se eclipsou a minha obra com o tempo que demorou a reviver a de Shakespeare.”
E continuei a rir pelo livro fora, que é um livro de anedotas, no sentido mais sério do termo (já agora o judeu Sigmund Freud tem um livro muito sério sobre a anedota, “A anedota e a sua relação com o inconsciente”, 1905). Se o não soubéssemos já, ficaríamos a saber que os judeus são um povo invulgar a avaliar simplesmente por este livro, ”Anedotas de judeus que o meu pai me contou”, acabando de sair na editora Esfera do Caos (com boas capas duras e com o benefício de as primeiras 25 páginas, quase um terço do livro, estarem disponíveis livremente na Internet, o que só pode encorajar a compra).
Já tem sido muito discutida a capacidade aparentemente invulgar do povo judeu. Por que é que tem dado tantos nomes notáveis à humanidade, desde Jesus Cristo a Karl Marx (no prefácio vem que os judeus, apesar de terem Cristo e Marx, não ficaram nem cristãos nem marxistas)? Só na ciência e na filosofia, deram no século XX cérebros como Albert Einstein, Niels Bohr, Robert Oppenheimer, John von Neumann, Carl Sagan, Benoît Mandelbrot, Ludwig Wittgenstein e Karl Popper. Para não falar na letras e nas artes em geral onde deram mentes como Franz Kafka, Primo Levi, Arthur Miller, Norman Mailer, Saul Bellow, Alberto Moravia, Stefan Zweig, Isaac Singer, Marc Chagall, Frida Kahlo, George Gershwin, Yehudi Menuhin e Anton Rubinstein. Estou em crer que, mais do que eventuais factores genéticos, o segredo do sucesso judaico é cultural, residindo em particular na educação que as famílias judaicas dão aos seus filhos. Lembro-me de um conselho que as mães judaicas davam aos filhos durante a última guerra: “entre dois caminhos escolhe sempre um terceiro”. Esta regra pode, em tempo de guerra, assegurar a sobrevivência e em tempo de paz proporcionar caminhos de inovação, que tão necessários são na ciência e filosofia como nas letras e artes.
O humor é uma marca maior da inteligência. Para “entrar” no mundo da inteligência judaica, sugiro, portanto, esta colecção de histórias despretensiosas, a maioria de tradição oral (ninguém mais do que os judeus se interessa pela genealogia), que o pai de Rotenberg lhe passou. O leitor escusa de procurar uma amostra noutro lado: pode ler o que se segue. Não me admiro que fique a rir. E rirá melhor quem rir no fim!
- Abrasha Rotenberg, “Anedotas de judeus que o meu pai me contou”, Esfera do Caos, Lisboa, 2008.
Comecei logo por me rir com uma anedota do prefácio de Esther Mucznik, vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa e colunista do jornal “Público” :
“Quando os nazis perguntam a um judeu alemão quem são os responsáveis pela guerra, este responde calmamente: 'Os judeus e os ciclistas'. 'Porquê os ciclistas?', questionam intrigados os nazis. 'E porquê os judeus?' Remata o judeu.”
Continuei a rir com o prefácio do autor, Abrasha Rotenberg, um economista judeu originário da Ucrânia que, na sua diáspora individual, foi parar à Argentina onde chegou a subdirector do jornal “La Opinión”. A edição original, em espanhol, é de há 25 anos. Escreve ele a propósito desse facto:
“Shakespeare esteve perdido da memória europeia durante mais de 200 anos até que os franceses a recuperaram para benefício do teatro contemporâneo e de toda a humanidade, o que se assemelha a um milagre. O meu livro renasce 25 anos depois da sua publicação graças à extraordinária sagacidade desta editora portuguesa e não duvido que terá a mesma popularidade que os do meu colega William. Pergunto-me se este breve quarto de século de ausência reflecte uma diferença qualitativa a meu favor ao comparar o tempo em que se eclipsou a minha obra com o tempo que demorou a reviver a de Shakespeare.”
E continuei a rir pelo livro fora, que é um livro de anedotas, no sentido mais sério do termo (já agora o judeu Sigmund Freud tem um livro muito sério sobre a anedota, “A anedota e a sua relação com o inconsciente”, 1905). Se o não soubéssemos já, ficaríamos a saber que os judeus são um povo invulgar a avaliar simplesmente por este livro, ”Anedotas de judeus que o meu pai me contou”, acabando de sair na editora Esfera do Caos (com boas capas duras e com o benefício de as primeiras 25 páginas, quase um terço do livro, estarem disponíveis livremente na Internet, o que só pode encorajar a compra).
Já tem sido muito discutida a capacidade aparentemente invulgar do povo judeu. Por que é que tem dado tantos nomes notáveis à humanidade, desde Jesus Cristo a Karl Marx (no prefácio vem que os judeus, apesar de terem Cristo e Marx, não ficaram nem cristãos nem marxistas)? Só na ciência e na filosofia, deram no século XX cérebros como Albert Einstein, Niels Bohr, Robert Oppenheimer, John von Neumann, Carl Sagan, Benoît Mandelbrot, Ludwig Wittgenstein e Karl Popper. Para não falar na letras e nas artes em geral onde deram mentes como Franz Kafka, Primo Levi, Arthur Miller, Norman Mailer, Saul Bellow, Alberto Moravia, Stefan Zweig, Isaac Singer, Marc Chagall, Frida Kahlo, George Gershwin, Yehudi Menuhin e Anton Rubinstein. Estou em crer que, mais do que eventuais factores genéticos, o segredo do sucesso judaico é cultural, residindo em particular na educação que as famílias judaicas dão aos seus filhos. Lembro-me de um conselho que as mães judaicas davam aos filhos durante a última guerra: “entre dois caminhos escolhe sempre um terceiro”. Esta regra pode, em tempo de guerra, assegurar a sobrevivência e em tempo de paz proporcionar caminhos de inovação, que tão necessários são na ciência e filosofia como nas letras e artes.
O humor é uma marca maior da inteligência. Para “entrar” no mundo da inteligência judaica, sugiro, portanto, esta colecção de histórias despretensiosas, a maioria de tradição oral (ninguém mais do que os judeus se interessa pela genealogia), que o pai de Rotenberg lhe passou. O leitor escusa de procurar uma amostra noutro lado: pode ler o que se segue. Não me admiro que fique a rir. E rirá melhor quem rir no fim!
- Abrasha Rotenberg, “Anedotas de judeus que o meu pai me contou”, Esfera do Caos, Lisboa, 2008.
Sem comentários:
Enviar um comentário