segunda-feira, 18 de julho de 2011

Apelo ao Ministro Nuno Crato


Texto recebido de Regina Gouveia, professora aposentada de Física e Química:

"(…) Depois da aventura voluntarista de Maria de Lurdes Rodrigues e Isabel Alçada, uma aventura que durou seis longos anos marcados pela crispação e desmotivação dos professores, o país está pronto para uma mudança de paradigma educacional (…). "

Quem o diz é Ramiro Marques no seu blogue. No mesmo post, e tendo por base o pensamento de E. D. Hirsch, esse professor refere ainda:

"(…) Em 1998, eu escrevi (…) a qualidade da escola e do ensino exige estabilidade e continuidade de processos, sendo, portanto, incompatível com a realização de experiências sucessivas, mal conduzidas e frequentemente pouco testadas (…).

(…)A recusa da escola como palco de batalhas políticas expressas através de sucessivas revisões curriculares, com a finalidade de subordinar os objectivos e os conteúdos do ensino à filosofia política e à agenda político-pedagógica das elites com poder de decisão, constitui outra importante linha de força do modelo curricular de Hirsch.

A esse propósito, Hirsch considera que uma das razões que explicam o declínio da qualidade de ensino, nas últimas décadas, tem sido o movimento pendular de pressão a que a escola e o currículo foram submetidos, ao sabor das modas psicopedagógicas apressadamente "vendidas" como soluções milagrosas para a reforma educativa (…).

Os "vendedores de modas pedagógicas" são, regra geral, pessoas desligadas dos problemas do dia-a-dia escolar e interessados em "vender" aos professores as últimas novidades criadas por pequenos e grandes "gurus" que arrastam consigo pequenas multidões de servidores acríticos (…)"

Ainda no mesmo post refere:

(…) A aprendizagem é um processo que exige esforço continuado, muita repetição, perseverança, cumprimento rigoroso de objectivos, orientação clara e continuada do professor e o acesso a materiais auxiliares de grande qualidade e clareza (…)

(…) O currículo apresenta-se de acordo com uma sequência lógica que acompanha o nascimento e desenvolvimento das civilizações, das ciências, da tecnologia e das artes. O respeito pela sequência das etapas civilizacionais e culturais é um requisito básico, porque facilita a compreensão do aluno e evita repetições indesejadas das matérias e saltos no tempo (…).

Gostaria de tecer algumas considerações tendo por base o que anteriormente destaquei.
No meu livro Se eu não fosse professora de Física. Algumas reflexões sobra práticas lectivas (Areal Editores, 2000) dou conta da minha paixão pelo ensino em geral e pelo ensino da Física em particular.

Foi precisamente a “aventura voluntarista de Maria de Lurdes Rodrigues” que me levou a tomar uma decisão muito dolorosa: aposentar-me aos 60 anos de idade e com 39 de serviço. O mesmo aconteceu a muitos professores deste país.

Hoje não estou arrependida. Por um lado encontrei outras formas de ligação ao ensino, fazendo sessões em escolas, bibliotecas, centros culturais. Por outro lado continuo a acompanhar a terrível vida de muitos professores pelo que me apercebo de muitas coisas que gostaria de denunciar, mas faltam-me engenho e arte e, acima de tudo, tempo para tarefa tão árdua.

Atrevo-me, no entanto, a focar alguns aspectos:

No que respeita às sucessivas mudanças, genericamente esboçadas “sobre os joelhos”, elas têm sido “apanágio” de todos ou quase todos os ministérios da educação. Lembro a(s) famigerada(s) PGA de Roberto Carneiro e não só, que tantos danos causaram…

Regressando aos tempos mais próximos, criou-se uma escola em que:

1. os alunos têm muitos direitos e poucos deveres e os professores, contrariamente têm poucos direitos e muitos deveres, grande parte deles obsoletos como seja preencher fichas, relatórios, e não sei que mais, escrever, reescrever, objetivos, competências, vertentes, domínios, designações que variam ao sabor de equipas não raras vezes constituídas por “pessoas desligadas dos problemas do dia a dia escolar e interessados em "vender" aos professores as últimas novidades criadas por pequenos e grandes "gurus" que arrastam consigo pequenas multidões de servidores acríticos(…)";

2. rigor deu lugar a facilitismo, para se obter um sucesso, claramente virtual, como se tem constatado em provas nacionais

3. a carga horária dos alunos se dispersa por uma série de inutilidades, à custa da atribuição de carga horária inadequada a disciplinas como as ciências, fundamentais na sociedade de hoje.

4. em que a formação dos professores é descurada com a inexistência de um sistema de estágio eficaz (fui orientadora de estágio durante 22 anos e ouvi vários pareceres nacionais e não só de que o sistema de estágio integrado que existia em Portugal era um modelo a seguir). Em Rómulo de carvalho. Ser professor (livro organizado e apresentado pelo atual Ministro da Educação, Nuno Crato, editado pela Gradiva em 2006) podem ler-se vários depoimentos de professoras, de reconhecida competência, que foram estagiárias de Rómulo de Carvalho, depoimentos em que emerge a importância que o estágio desempenhou na sua formação;

5. mesmo os professores mais exigentes se vêem muitas vezes forçados a subscrever o sucesso virtual, face às pressões de quem tem “a faca e o queijo” (leia-se a avaliação) na mão.

6. a avaliação dos professores é uma fraude. Como anteriormente referi há muito que o sistema se preocupa apenas com os resultados (obviamente virtuais) sem a mínima preocupação com a aprendizagem real; escolas há em que os responsáveis ameaçam veladamente os professores com represálias na sua avaliação se os resultados ao longo do ano não forem virtuais (aqueles que mostram um bom desempenho dos alunos). Assim se constrói o sucesso do ensino em Portugal. E assim com estas e outras anedotas se vão também construindo alguns dos professores de excelência virtual (e mediocridade real).

Em 01/04/2011, com o título Quem tem medo da transparência?, coloquei no meu blogue uma reflexão sobre a avaliação de professores que transcrevo em parte:

"Sempre fui defensora da avaliação dos professores; sempre dei o meu melhor, muitas vezes sacrificando a família, e custava-me ver que outros, para quem a escola era apenas um meio de ganhar um dinheirito (…) ascendiam na carreira tal como eu.

Custava-me ver aquela forma injusta de se ascender na carreira.

Só que, o que se tem passado ultimamente em muitas escolas, é muito mais injusto. Já tive oportunidade de referir aqui que há escolas onde professores Excelentes muitas vezes não ultrapassam o Bom e medíocres e maus são classificados com Excelente. É tudo uma questão de subserviência

Só há uma forma de evitar estas aberrações: a transparência. Porque não são tornados públicos os resultados? (aliás a pergunta poderá ser feita para todas as avaliações e não só para a dos professores).

Experimentem tornar secreta a avaliação dos alunos. O sistema educativo cairia, por certo…

Num documento sobre avaliação produzido pela Associação de Professores de Matemática pode ler-se: "A avaliação deve ser transparente. (…)Tanto quanto possível as escolas e os professores envolvidos no processo de avaliação deverão intervir ativamente no sentido de garantir a sua transparência (…). "

Claro que não basta a transparência na avaliação para a tornar credível. É preciso que o que se avalia tenha realmente a ver com a qualidade de ensino e aprendizagem, não virtuais como as que nos tentam impingir, mas reais.

E a real qualidade de ensino- aprendizagem será tanto melhor quanto menor o tempo que os professores tiverem que dedicar a preencher papéis e a assistir a reuniões, ambos obsoletos na maior parte dos casos."

Termino com um apelo ao Ministro Nuno Crato. Que palavras como aprendizagem, rigor, sucesso, transparência, avaliação, formação, não tenham, mais uma vez, um significado virtual.

Regina Gouveia

15 comentários:

Anónimo disse...

Tudo bem, mas penso que a Prof. Regina Gouveia, apenas um mês menos nova do que eu, não tinha necessidade de adoptar o famigerado Aborto Ortográfico...
Jorge Pacheco de Oliveira

Carlos Pires disse...

Na blogosfera está a iniciar-se uma espécie de campanha para salvar o "eduquês" das previsíveis reformas de Nuno Crato. Querem, no fundo, que "aprendizagem, rigor, sucesso, transparência, avaliação, formação" continuem a ter um significado apenas virtual.

Anónimo disse...

Que há-de o ministro fazer
no meio da confusão
com que ele tem de se haver
no sector da educação?!

JCN

Anónimo disse...

Subscrevo tudo o que diz a professora Regina Gouveia. Gostaria de elaborar um comentário maior,não o faço por falta de tempo.

HR

Anónimo disse...

"maior" (Deus nos livre!)... ou melhor? JCN

Anónimo disse...

"maior" (Deus nos livre!)... ou melhor? JCN

Anónimo disse...

TROCO ESTE PERÍODO de reuniões de reflexão sobre os relatórios de relatórios, de análise das análises da avaliações e da avaliação dos meus colegas, POR MAIS UM MÊS DE AULAS. Tenho estado na escola dez horas/dia a analizar, avaliar, aferir e a reflectir. Amanhã devia entrar de férias, mas tenho pelo menos mais dois dias de trabalho ( inútil, quanto amim).
Não faltei um único dia, mas na semana passada estive a um pequeno passo de meter atestado médico. Depois de um ano árduo de trabalho isto não é sustentável!

Ivone Melo

nuno gouveia disse...

Um ponto, para mim claro, poderia ser abordado: é maquiavélico organizar um processo de avaliação entre pares. A avaliação tem de ser feita por equipas externas às escolas. Fazendo-a entre pares, torna a escola num velado e podre campo de guerras frias.

Graciete Rietsch disse...

Olá Regina
Concordo consigo em tudo o que diz. Aliás já temos trocado algumas impressões sobre isso. O que eu espero e desejo é que o prof. Nuno Crato seja sensível às suas observaçôes e passe a ver os Professores e as Escolas como agentes de ensino e não como organizadores de estatísticas,muitas vezes contra a vontade, com elevada sobrecarga para os próprios, subtraindo-lhes, muitas vezes, o tempo para ensinar e formar que é a sua verdadeira função.
Quanto aos estágios bem orientados considero-os absolutamente imprescindíveis.
Claro que concordo com a avaliação dos professores, mas em termos de justiça, equidade e que impeçam favorecimentos.
Em relação ao Acordo Ortográfico,para já, não tenho nada a opor, mas ando a estudá-lo melhor. Para isso frequento um curso de Linguística na UPP. Eu própria já escrevi"quási, "mãi" e "preguntar".
A Língua é viva e evolui e a escrita,em meu entender, deve ser simpificada e cada vez mais próxima da Fonética.Mas eu não sou suficientemente conhecedora para dar opiniôes. Apenas digo o que penso.

Um beijo,Regina.

Graciete Rietsch Monteiro Fernandes

Virginia disse...

Regina:

Leio isto em férias, como sabes, e com pouco tempo para reflexão, mas concordo quase totalmente nas críticas expressas ao sistema burocrático que emperra o nosso sistema de ensino e desmotiva os colegas mais competentes e dedicados. Também fui orientadora durante 17 anos e tenho muitas reservas quanto ao funcionamento do estágio integrado...e também à burocracia que esse processo involve na área das letras.
Gostaria de assinar por baixo tudo o que Nuno Gouveia escreve a respeito da avaliação interpares, que sempre me pareceu completamente ilógica e humanamente injusta, para não dizer absurda.
Para já felicito-te por este apelo, subscrevo-o e alimento a esperança de que a escola deixe de ser palco de experiências dos tais gurus, que se servem dos professores para se promoverem ou verem os seus egos inflacionados.
Infelizmente não é só no nosso país que isto acontece, até nos EU houve modas que quase levaram à hecatombe do sistema.
Uma abraço

Virgínia Barros

Anónimo disse...

Eu sou contratada. Esmiuçada de 7 em 7 meses, nos últimos 4 ou 5 anos. Os ciclos de avaliação da ADD para os contratados não eram de 2 anos. Eram "anuais"( meu Deus, irão continuar a ser?)o que na prática se reflectiu em andar às voltas com os Relatórios e as Evidências ( e a quem solicitou, aulas assistidas) em intervalos de tempo de 6 ou 7 meses entre o fechar de um ciclo e a abertura do outro. Já não tenho 20 anos. Nem sequer 30. Estou nos 40's. Cansada.
Há chavões que já não consigo ouvir/ler/escrever: "sucesso", "projectos", "actividades", "competências"; "níveis inferiores a 3"; "tarefas"; "pedagogia"; "relações"; "pit"; "pea"; "paa"; "pct"; "pr"; "pa"; "metodologias"; "tarefas"; "evidências"; "relatores"; "avaliados"( dos que me ocorrem assim de imediato)
Ao invés de me mobilizar, de me instigar e motivar, estes últimos anos apenas me têm castigado, desmotivado, desangariado, entristecido. Na Escola, o único "canto" em que ainda vou sentindo prazer e alegria é na sala de aula. Mas, até isso receio que se esfume ( e já tive alguns ligeiros sinais este ano) se tudo continuar neste frenesim histérico e auto-fágico. Como eu compreendi, nestes anos, as palavras de Cavaco Silva: " Deixem-me trabalhar!". Oh meu Deus, por favor, se eu tiver colocação, só peço uma coisa: deixem-me trabalhar- "dar" aulas e deixem-me em paz. Atribuam os floreados e a sua organização, implementação, execução e responsabilidade aos "cargos"- quadros- ( nesse sentido, não sei até que ponto a titularidade não teria sido um caminho a seguir e a aperfeiçoar). Deixem-me estar no meu cantinho com os meus habituais 140 alunos, com o meu ( habitual) horário completo de 22 horas+ apoios a fazer aquilo que mais gosto: "dar" aulas. Já me basta o martírio anual do concurso ( agora com os asteriscos pelo meio) e a instabilidade ( a angústia..) de estar sempre com o credo na mão para ter trabalho, emprego e ordenado em cada mês de Agosto.
Isto, meus caros, não é vida, acreditem.
MPP

Graça Ventura disse...

Concordo com a Regina. De repente apareceram professores excelentes (e vão aparecer mais até Dezembro), que deixam muito a desejar, e outros que são lesados porque são melhores do que os avaliadores. Mas espero que o nosso ministro não vá na onda da avaliação externa ser feita só por professores com especialização em "supervisão pedagógica", onde não estão contemplados conteúdos disciplinares. Outra onda de eduquês, não! Os avaliadores têm de dominar os conteúdos da sua área disciplinar para além da didáctica respectiva. Têm de ser profissionais de reconhecido valor. Ou, então, existir uma equipa que assegure as duas vertentes: científica e didáctico/pedagógica.

GMaciel disse...

Sou mãe e encarregada de educação participativa pelo que conheço a vossa realidade e só posso estar do vosso lado.

Quanto à nova ortografia, mais comummente chamada, e bem, de aborto ortográfico, algumas considerações:

Uma língua viva é toda aquela que é falada e a nossa é-o por mais de 200 milhões de seres,

Simplificar a língua não é albardá-la, esquartejá-la, aviltá-la,

A língua é a nossa Pátria, como Pessoa afirmou, porque na sua etimologia se encontram as raízes que fizeram a nossa História e nos deram a identidade como nação.

Por fim, a língua inglesa tem grafias diferentes - o alemão e o francês também variam de país para país - e os britãnicos não foram a correr fazer acordos ortográficos. Esta a diferença entre uma nação que sabe qual o seu lugar no mundo e nós, que permitimos e ainda defendemos a venda barata da nossa língua.

Os meus sentidos pêsamos a quem não compreende isto.

Anónimo disse...

Quando um intelectual
chega a ministro, coitado!
fica desqualificado,
perdendo o seu natural!

JCN

Virginia disse...

Queria acrescentar uma observação sobre o que mais me chocou nas sucessivas reformas do ensino a que vimos a assistir. Muitas das propostas - aulas de 90m - numero de aulas por semana de cada disciplina - horários dos profs não lectivos, etc. eram para ser experimentadas e depois avaliadas em cada escola, de acordo com o seu projecto e condições pedagógicas.
Infelizmente, como sempre fazem, tudo o que era opcional e discutível, passou a obrigatório e definitivo. Vezes sem conta como orientadora presente no conselho pedagógico, chamei a atenção dos colegas para a aberração que é ter uma aula de 90m por semana a Inglês - no 8º ano, por exemplo - ou mesmo aulas de 90m sempre no secundário onde 4 aulas de 45m seriam o ideal para haver exercitação contínua dos alunos na escola e em casa e para as aulas não se tornarem monótonas. Lembro-me que ao fim de 60m de aula, já estávamos todos saturados de falar, escrever ou ler...a concentração era nula a partir daí. Nunca nos deram ouvidos e há anos que isto dura.
Quanto às aulas de substituição, são outra aberração....mas falarei disso noutra altura.
Abraço

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