Saiu no Expresso online de ontem, sábado, um texto muito esclarecedor do jornalista Rui Duarte Silva sobre as terceiras Jornadas da Juventude, promovidas por uma tal Fundação da Juventude. O desafio colocado neste ano aos jovens, situados num amplo intervalo etário (entre os 15 e os 30 anos), foi "identificar problemas e apresentar aos políticos propostas concretas" no respeitante à saúde mental, emprego, educação e sustentabilidade.
O trabalho, de três dias, resultou em conclusões (de grande “qualidade", segundo a presidente executiva da fundação) que foram apresentadas presencialmente a "decisores e assessores políticos", sendo a breve trecho comunicadas à "Assembleia da República e aos diferentes grupos parlamentares". O Presidente da República enviou uma mensagem com os seguintes dizeres:
“A vossa voz conta, as vossas ações contam (...). Agora, aos decisores políticos, cabe querer fazer alguma coisa ou querer só ouvir. Se for só ouvir, é fácil mas não serve para nada. Se for para ouvir e aplicar, então vamos melhorar um bocadinho o nosso país e a nossa Europa”.
Mas que conclusões tão relevantes são essas que convém acolher dentro e fora de portas? Direccionei o olhar para as que se referem à educação. São elas (meus destaques):
- Reformular a forma como as aulas são dadas, tornando-as mais lúdicas e dinâmicas, recorrendo ao modelo de ensino não-formal, onde os alunos são o foco. Os alunos podem, assim, aprender os conteúdos de forma mais autónoma, interativa e motivadora. O professor assume um papel de moderador, guiando os alunos de forma pouco intrusiva, para serem eles a terem a iniciativa de aprender.
- Rejuvenescer a classe docente, dando melhores condições àqueles que entram na carreira (aumento dos salários, redução da carga horária, entre outras).
- Dar formação a todos os professores, nos períodos de interrupção letiva, ao longo de vários anos, de forma a dotá-los de novas ferramentas e métodos pedagógicos.
- Inovar os conteúdos lecionados e inserir no programa ferramentas necessárias no dia a dia, ou seja, competências que têm utilidade prática para todos, como saber procurar emprego, fazer o IRS, pagar impostos, etc.
- Promover um sistema de cooperativas [de material escolar], de forma a diminuir desigualdades. Cada encarregado de educação contribuiria com um valor monetário baixo, de modo a permitir que a escola compre e faça a manutenção desse material. Todos os alunos, cujos encarregados de educação contribuíssem, poderiam utilizar o material.
- Criar projetos de mentoria/“apadrinhamento”, com o intuito de promover uma só comunidade escolar, onde os alunos mais novos terão oportunidade de criar laços com alunos mais velhos. Esta é uma forma de os alunos poderem ter acesso a muita informação, relevante para decisões futuras, nomeadamente o percurso profissional e académico.
- Integrar na média de acesso ao ensino superior uma percentagem atribuída com base no percurso/participação cívica dos jovens em projetos escolares, voluntariado, associações juvenis.
E, confirma-se, a educação está ligada ao "mercado de trabalho":
- Alargar e implementar estágios curriculares obrigatórios em todo o ensino superior desde o início.
- Criar uma semana de empreendedorismo jovem a nível nacional.
- Criar estágios observacionais no ensino secundário ou pós-secundário.
As minhas conclusões (muito gerais):
1) Rigorosamente, nada de novo. Quantas vezes já lemos, já ouvimos esta retórica? Centenas? Milhares? Os (estes) jovens repetem o que os (certos) mais velhos querem que repitam, tão simples quanto isto. Os primeiros pensam que estão a dizer grande coisa, coisa "inovadora"; os segundos... não sei, confesso ter dificuldade em entender o que leva adultos, até com formação académica superior, a afirmar, de modo convicto, o que se pode ler acima;
2) Não me pronuncio sobre cada uma das propostas, seria repetir uma prosa interminável, relembro apenas que elas fazem parte do pacote que é a "transformação global da escolaridade". Pacote saído do mais refinado e eficaz neoliberalismo global, o qual passou a governar os governos e, portanto, a nossa vida;
3) Note-se que chegámos a um patamar tão refinado e eficaz desse neoliberalismo, que mais velhos e mais novos são levados a pensar exactamente o que se pretende que, nesse quadro, pensem, julgando que é pensamento próprio. Somos já nós que pedimos a transformação que há muito está definida para nós, nada nos é imposto, nós queremos o que nos prejudica, crendo que nos beneficia;
4) A debilidade política de governos e governantes é aqui bem visível (será que estes não a vêem?): pede-se a jovens que indiquem aos decisores políticos as decisões que lhes cabem. E é o próprio Presidente da República a reconhecê-lo, sugerindo os ganhos de efectivar essas decisões em acções (o Ministro da Educação tem feito o mesmo);
5) Por último, estamos perante um excelente exemplo d' "a morte da competência": quem não tem formação, saber, experiência em áreas tão sensíveis e importantes como as assinaladas, áreas que requerem um elevado grau de especialização, é convidado a dar a "sua opinião", sendo que, não obstante, como referi acima, essa opinião comum, desavisada é ouvida "atentamente" por representantes do país que, além disso, dizem, levá-la em conta.
Para se compreender bem o que acima escrevi, será de "visitar" a fundação em causa. Ver aqui.
12 comentários:
A voz da esmagadora maioria dos pobres jovens portugueses não conta; falta-lhes dinheiro para tal. Já a minoria, se tiver dinheiro, tem muita força!
A troica, de má memória, que, há uns anos, governou o nosso país, mal cá chegou viu logo que não tínhamos dinheiro para sustentar um sistema de progressões semiautomáticas como era aquele que vigorava na carreira única dos professores dos ensinos básico e secundário e dos educadores de infância. Então, como agora, as diretrizes principais para a educação eram:
- O professor, ou o seu colega educador de infância, não devem ensinar muito, porque assim facilitam a aprendizagem do aluno;
- Na escola é proibido ensinar ou aprender matérias que vão além do senso comum;
- Independentemente das nossas capacidades intelectuais, e do nosso dinheiro, somos todos obrigados a ir à escola até completarmos dezoito anos; o sucesso escolar universal está garantido pelas leis da República Portuguesa.
Com estas premissas abstrusas, lógico seria os governantes optarem por uma redução drástica do número de professores e do número disciplinas, porque o que se ensina e aprende é quase nada. Mas não, a opção foi impor quotas nas progressões dos professores e humilhar com provas de avaliação docente muitas pessoas que se formaram em Universidades públicas! Vale tudo, desde que o Estado gaste menos dinheiro com professores.
Confrontados com a retórica grandiloquente do ministro da educação, que compara os professores a médicos que têm a obrigação de salvar doentes incuráveis (alunos imbecis), os professores calam-se!
Por mim, até podem substituir os professores por editores (manuais e mais manuais para preencher) e por animadores culturais (atividades e mais atividades para brincar). Uma coadjuvação perfeita. O currículo não sei o que é. Tornou-se camaleónico. Depende de quem o apanhar. Claro que me calo. Vou dizer isto a quem?
Prezado Leitor Anónimo, já disse, aqui! É preciso dizer, é preciso manter aberta a discussão sobre a educação. Essa discussão não pode ser fechada, não pode "cair na rua" e não pode depende de opiniões "orientadas" por quem considera poder orientá-las. Cumprimentos, MHDamião
Hoje, o poder de divulgação do ridículo é diretamente proporcional à ignorância que o sustenta. Parece não haver como o contornar, vende muito.
Nem é tanto pelo que dizem os jovens. Já lá irei. Como jovem também eu disse disparates. É próprio quando se ignora.
Agora, ver adultos, reputáveis senhores, muitos deles com responsabilidades na definição das opções políticas para a educação, já para não falar do próprio PR, seguirem opiniões divorciadas do método é, para não dizer uma asneira, preocupante. A permeabilidade à asneira é reveladora de ignorância. Nos jovens explica-se, mas não justifica. Nos adultos nem se explica, nem se justifica.
Sem o apoio das organizações sindicais, porventura mais focados na defesa dos interesses dos professores do 1.º ciclo e dos colegas educadores de infância, herdeiros diretos dos explorados na área da educação pela ditadura de Salazar e Caetano, eu, que autocriticamente me assumo como mestre e licenciado por uma Universidade pública, apelo a Sua Excelência o Ministro da Educação, Professor Doutor João Costa, que leia com atenção o artigo 43.º da Constituição da República Portuguesa e aja em conformidade, deixando os professores em paz.
Artigo 43.º – Liberdade de aprender e ensinar
1 - É garantida a liberdade de aprender e ensinar.
2 - O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.
3 - O ensino público não será confessional.
4 - É garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas.
1. Liberdade não é o caos do relativismo.
2. Sim, os Outros ou Alguns que programem a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas. O triunfo dos porcos - é sempre o resultado da revolta, da mudança, da liberdade, certo?
3. Concordo. Mas o ensino público, laico, perdeu qualidade... Confesse!
4. A riqueza é um posto.
Conclusão: O artigo 43.º é uma fraude.
Eu não sei o que é a liberdade. Está aí alguém, fora da gaiola? Talvez o meu mestre budista que, de tão magro, conseguiu passar pelas grades, mas ficou suspenso.
A existência é um movimento gravitacional. Andamos só às voltas. Suspensos no nada.
Mas adoro ver o ser humano a pensar. Às vezes, é brilhante, como os pirilampos na noite. Depois, apagam-se.
E pronto. Já refleti sobre o ensino. Foi praticamente uma tese de doutoramento, mas sem aqueles quilómetros inúteis de investigação.
O problema de pensar, para quem aceitar o repto de pensar até às últimas consequências, e creio que nenhum pensador que se preze deixará de o fazer, é que não sabemos aonde nos pode levar, embora tenhamos indícios, uma espécie de percepção, de que a saúde e a vida, a identidade e a dignidade, são o limite do pensamento de cada ser humano. Tudo acaba aqui.
Toda a obra, todo o trabalho, todo o conhecimento têm e deixam de ter “existência” nesta fonte de sentido individual. Neste aferidor, nada é transcendente ao indivíduo, ou, por outra, o indivíduo é o senhor absoluto da sua realidade de servo.
O indivíduo e a sua realidade são (parecem) de tal modo inextricáveis que começam e acabam num ápice. Nenhuma ciência, nem tecnologia, riqueza ou glória, fama ou grandeza salva o indivíduo desta simples condição. São boas ou más (ou pelo contrário), só enquanto duram.
As crenças no Além são outro problema, ainda que dentro deste.
Mas, para morrer, se não me engano, ainda não precisamos de nada, nem sequer de asas, «basta estar vivo» num sítio qualquer.
Fraude é, de cima a baixo, o sistema de ensino em Portugal. As escolas EB1,2,3 +S+JI, agrupadas e não agrupadas, estão transformadas em feiras de vaidades, para inglês, americano, ou esquerdista, verem. Quando o bom professor do ensino secundário é aquele que regurgita no meio da sala de aula as mal-amanhadas "aprendizagens essenciais", que o governo e empresas comerciais lhe enfiaram pela goela abaixo, o ponto 1 do artigo 43.º da Constituição da República Portuguesa, onde está garantida a liberdade de ensinar, arde como um papel no meio das chamas da fogueira armada em praça pública pelos inimigos da Educação.
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