Sempre posso pedir a uma pedra
Que continue a ser dura como era.
Sempre posso pedir ao poente
Que do sol mirífico me lembre sempre.
Sempre posso pedir a um nimbo
Que ao cair não se demore comigo.
Sempre posso pedir à estrela
Que abra meu caminho só de vê-la.
Sempre posso pedir ao rio ao fundo
Que desça para onde o desejo seja mais profundo.
Sempre posso dizer à flor que se abra,
Que me entregue apenas parte da sua alma.
Sempre posso dizer ao pó do caminho
Que cubra todos os homens e me deixe sozinho.
Sempre posso dizer às labaredas do estio
Que encham os campos com medas de trigo.
Sempre posso dizer a todos os bordos
Que a luz tardia é a luz de sempre dos teus olhos.
Sempre posso dizer ao adido da estação
Que quero um bilhete para o teu coração.
Sempre posso dizer à mãe
Que está comigo quando não está mais ninguém.
Sempre posso dizer a Deus
Que quando o visito só breve é o adeus.
Sempre posso dizer à velhinha do prédio
Que me pareço com alguém que era sério.
Sempre posso dizer da insónia
Que de mim escreva sempre a mesma história.
Sempre posso dizer ao sonho noturno
Que o quero de olhos abertos no teu rosto diurno.
Sempre posso dizer que já vou além do fim
Que só escrevo o que o amor disse de mim.
Sempre posso dizer do último lugar
Que pela única porta voltei para o meu lar.
Sempre posso dizer que o que em mim perdura
É na chuva o olhar azul do pai à minha procura.
Sempre posso dizer que tive um amigo
Que fez de mim um homem mais parecido comigo.
Sempre posso dizer que amei a rosa e a ribeira
Que espinhos tinha a segunda e tanta água a primeira.
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