sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Sempre posso dizer a uma pedra

Sempre posso pedir a uma pedra

Que continue a ser dura como era.

Sempre posso pedir ao poente

Que do sol mirífico me lembre sempre.

Sempre posso pedir a um nimbo

Que ao cair não se demore comigo.

Sempre posso pedir à estrela

Que abra meu caminho só de vê-la.

Sempre posso pedir ao rio ao fundo

Que desça para onde o desejo seja mais profundo.

Sempre posso dizer à flor que se abra,

Que me entregue apenas parte da sua alma.

Sempre posso dizer ao pó do caminho

Que cubra todos os homens e me deixe sozinho.

Sempre posso dizer às labaredas do estio

Que encham os campos com medas de trigo.

Sempre posso dizer a todos os bordos

Que a luz tardia é a luz de sempre dos teus olhos.

Sempre posso dizer ao adido da estação

Que quero um bilhete para o teu coração.

Sempre posso dizer à mãe

Que está comigo quando não está mais ninguém.

Sempre posso dizer a Deus

Que quando o visito só breve é o adeus.

Sempre posso dizer à velhinha do prédio

Que me pareço com alguém que era sério.

Sempre posso dizer da insónia

Que de mim escreva sempre a mesma história.

Sempre posso dizer ao sonho noturno

Que o quero de olhos abertos no teu rosto diurno.

Sempre posso dizer que já vou além do fim

Que só escrevo o que o amor disse de mim.

Sempre posso dizer do último lugar

Que pela única porta voltei para o meu lar.

Sempre posso dizer que o que em mim perdura

É na chuva o olhar azul do pai à minha procura.

Sempre posso dizer que tive um amigo

Que fez de mim um homem mais parecido comigo.

Sempre posso dizer que amei a rosa e a ribeira

Que espinhos tinha a segunda e tanta água a primeira.

 

 

 

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