Meu artigo no último As Artes entre as Letras:
Outubro é, desde 1901, o mês dos Prémios Nobel. As letras continuam a
ganhar às ciências no espaço mediático. A atenção dada ao Nobel da Literatura,
recebido este ano pela francesa Annie Ernaux, foi, no espaço mediático, muito
maior do que os Nobel das áreas científicas (Medicina, Física e Química), que
este ano foi repartido por sete investigadores, quatro europeus e três
norte-americanos. É natural dada a dificuldade da compreensão pública da
ciência. Tentemos explicar aqui o mais recente Prémio Nobel da Física.
O Nobel da Física de 2022 distinguiu o norte-americano John F. Clauser, da
empresa John F. Clauser (Clauser, que nunca foi professor de Física, é
sócio-gerente da empresa de consultadoria, na Califórnia, com o seu nome), o
francês Alain Aspect da Universidade de Paris – Saclay e da Escola Politécnica,
e o austríaco Anton Zeillinger, da Universidade de Viena, por «experiências com
fotões entrelaçados, que estabeleceram a violação das desigualdades de Bell e
foram pioneiros da ciência da informação quântica.» A Academia Sueca distinguiu,
sem surpresa, trabalhos que, somando-se a tantos outros, contribuíram para
validar a teoria quântica, a teoria introduzida pelo alemão Max Planck em 1900
(Nobel da Física em 1918) e que ficou pronta tal como hoje a conhecemos em 1926
com os trabalhos do alemão Werner Heisenberg (Nobel da Física em 1932), do
austríaco Erwin Schrödinger) e do inglês Paul Dirac (os dois Nobel da Física em
1933). Entre Planck e os físicos teóricos que chegaram ao formalismo actual
dois nomes se destacam, o suíço nascido na Alemanha Albert Einstein (Nobel da
Física em 2021) e o dinamarquês Niels Bohr (Nobel da Física de 1922, há precisamente
cem anos), tendo-se dado o caso, relevante para o Nobel deste ano, de ter ocorrido
uma disputa entre Einstein e Bohr sobre a natureza e o significado da nova
teoria.
Em que consistiu essa disputa? Einstein, apesar de ter sido um dos pais da
teoria quântica por, em 1905, ter interpretado o efeito fotoeléctrico – a
emissão de electrões por uma placa metálica quando nela incide luz ultravioleta
- distanciou-se progressivamente dela. Não que duvidasse da sua validade (achava,
por exemplo, notáveis os trabalhos de Bohr sobre a estrutura electrónica do átomo),
mas considerava-a incompleta. Tal como foi em geral entendida – baseada em
noções probabilísticas – ela não podia ser a última palavra. Ficou famosa a sua
frase «Deus não joga aos dados», que queria significar que o Universo não podia
ser, em última análise, probabilístico. Bohr respondeu que não competia a
Einstein dizer a Deus como é o Universo, o que queria dizer como o mundo é como
é e não como nós desejamos que fosse. O sábio sustentava uma visão realista e
determinista da Universo: deveria existir uma realidade, independente do
observador, sujeita a leis deterministas. Ora Bohr teve com ele um grande debate,
talvez o maior debate intelectual do século XX, no qual acentuava o papel do
observador e a incerteza quântica. Einstein perguntou a Bohr, a certa altura,
se este acreditava que a Lua não estava lá quando ele não olhava para ela...
Havia uma diferença entre os mundos microscópico e macroscópico, embora o
segundo fosse o limite do primeiro. Em 1935, Einstein propôs, com dois outros físicos,
os norte-americanos Boris Podolsky e Nathan Rosen (os dois, como Einstein, de
origem judaica), uma experiência conceptual que desafiava a versão de Bohr da teoria
quântica. Num artigo intitulado com uma questão «Pode a descrição quântica da
realidade física ser considerada completa?» o trio de cientistas considerou
duas partículas relacionadas (num estado que mais tarde se varia a chamar «entrelaçado»)
e consideraram muito estranho que o resultado de uma medida de uma delas (para
o qual a teoria quântica indicava probabilidades) pudesse determinar
instantaneamente o resultado de uma outra medida semelhante feita na outra partícula,
ainda que muito distante. O efeito chama-se «não-localidade», mas Einstein chamou-se
«acção fantasmagórica à distância». Em 1964, o físico teórico da Irlanda do
Norte John Bell que trabalhava no CERN, em Genebra, na Suíça, chegou a uma desigualdade,
conhecida como «desigualdade de Bell», que permitiria distinguir entre a teoria
quântica à la Bohr e teorias alternativas à teoria quântica, conforme Einstein
pretendia, que envolviam o que se chamou «variáveis escondidas». Bell morreu
com apenas 63 anos em 1990 de uma inesperada hemorragia cerebral, não sabendo
que nesse mesmo ano tinha sido proposta para o prémio Nobel devido à sua
proposta.
A escolha da Academia Sueca foi, neste ano, bastante previsível, até porque
o trio premiado tinha recebido o prémio Wolf, um prémio israelita que costuma
ser premonitório relativamente ao Nobel. Clauser propôs em 1969, com alguns
co-autores, uma experiência com fotões polarizados que permitia verificar a
violação da desigualdade de Bell. Em 1972 conseguiu realizá-la ele próprio, ajudado
por um colaborador, Stuart Freedman, entretanto já falecido. Por sua vez, Aspect
refinou essa mesma experiência no início dos anos de 1980, ao resolver alguns
problemas técnicos, tendo reforçado a conclusão que já tinha sido alcançada.
Por último, alguns anos volvidos, Zeilinger conseguiu a partir de 1998 usar o
entrelaçamento quântico para concretizar o fenómeno dito de «teletransporte
quântico»: é feita uma cópia de um estado quântico entre sítios distantes.
Realizou a proeza primeiro entre dois lados do rio Danúbio em Viena, depois
entre duas ilhas das Canárias e, finalmente, entre Viena e Pequim, usando um satélite
chinês. A experiência, que exige a utilização de um canal convencional, isto é,
não quântico, entre os dois sítios, tem a vantagem de assegurar uma segurança absoluta
da cópia de informação. Por isso se fala da «criptografia quântica». Por outro
lado, encontra aplicações em novas formas de computação, chamadas de
«computação quântica».
A teoria quântica deixou há muito de ser um tema meramente teórico: está
hoje no nosso bolso graças aos transístores e aos LED. Com toda a probabilidade
(para usar um termo relacionado com a teoria quântica) e, graças aos trabalhos
agora justamente premiados, amanhã estará ainda mais.
1 comentário:
O que John Clauser diz está errado. Travemos a desinformação climática e os negacionistas climáticos"
https://bioterra.blogspot.com/2024/01/o-que-john-clauser-diz-esta-errado.html?m=1
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