segunda-feira, 14 de novembro de 2022

OS NOBEL DA FÍSICA: COLHEITA DE 2022


Meu artigo no último As Artes entre as Letras:

Outubro é, desde 1901, o mês dos Prémios Nobel. As letras continuam a ganhar às ciências no espaço mediático. A atenção dada ao Nobel da Literatura, recebido este ano pela francesa Annie Ernaux, foi, no espaço mediático, muito maior do que os Nobel das áreas científicas (Medicina, Física e Química), que este ano foi repartido por sete investigadores, quatro europeus e três norte-americanos. É natural dada a dificuldade da compreensão pública da ciência. Tentemos explicar aqui o mais recente Prémio Nobel da Física.

O Nobel da Física de 2022 distinguiu o norte-americano John F. Clauser, da empresa John F. Clauser (Clauser, que nunca foi professor de Física, é sócio-gerente da empresa de consultadoria, na Califórnia, com o seu nome), o francês Alain Aspect da Universidade de Paris – Saclay e da Escola Politécnica, e o austríaco Anton Zeillinger, da Universidade de Viena, por «experiências com fotões entrelaçados, que estabeleceram a violação das desigualdades de Bell e foram pioneiros da ciência da informação quântica.» A Academia Sueca distinguiu, sem surpresa, trabalhos que, somando-se a tantos outros, contribuíram para validar a teoria quântica, a teoria introduzida pelo alemão Max Planck em 1900 (Nobel da Física em 1918) e que ficou pronta tal como hoje a conhecemos em 1926 com os trabalhos do alemão Werner Heisenberg (Nobel da Física em 1932), do austríaco Erwin Schrödinger) e do inglês Paul Dirac (os dois Nobel da Física em 1933). Entre Planck e os físicos teóricos que chegaram ao formalismo actual dois nomes se destacam, o suíço nascido na Alemanha Albert Einstein (Nobel da Física em 2021) e o dinamarquês Niels Bohr (Nobel da Física de 1922, há precisamente cem anos), tendo-se dado o caso, relevante para o Nobel deste ano, de ter ocorrido uma disputa entre Einstein e Bohr sobre a natureza e o significado da nova teoria.

Em que consistiu essa disputa? Einstein, apesar de ter sido um dos pais da teoria quântica por, em 1905, ter interpretado o efeito fotoeléctrico – a emissão de electrões por uma placa metálica quando nela incide luz ultravioleta - distanciou-se progressivamente dela. Não que duvidasse da sua validade (achava, por exemplo, notáveis os trabalhos de Bohr sobre a estrutura electrónica do átomo), mas considerava-a incompleta. Tal como foi em geral entendida – baseada em noções probabilísticas – ela não podia ser a última palavra. Ficou famosa a sua frase «Deus não joga aos dados», que queria significar que o Universo não podia ser, em última análise, probabilístico. Bohr respondeu que não competia a Einstein dizer a Deus como é o Universo, o que queria dizer como o mundo é como é e não como nós desejamos que fosse. O sábio sustentava uma visão realista e determinista da Universo: deveria existir uma realidade, independente do observador, sujeita a leis deterministas. Ora Bohr teve com ele um grande debate, talvez o maior debate intelectual do século XX, no qual acentuava o papel do observador e a incerteza quântica. Einstein perguntou a Bohr, a certa altura, se este acreditava que a Lua não estava lá quando ele não olhava para ela... Havia uma diferença entre os mundos microscópico e macroscópico, embora o segundo fosse o limite do primeiro. Em 1935, Einstein propôs, com dois outros físicos, os norte-americanos Boris Podolsky e Nathan Rosen (os dois, como Einstein, de origem judaica), uma experiência conceptual que desafiava a versão de Bohr da teoria quântica. Num artigo intitulado com uma questão «Pode a descrição quântica da realidade física ser considerada completa?» o trio de cientistas considerou duas partículas relacionadas (num estado que mais tarde se varia a chamar «entrelaçado») e consideraram muito estranho que o resultado de uma medida de uma delas (para o qual a teoria quântica indicava probabilidades) pudesse determinar instantaneamente o resultado de uma outra medida semelhante feita na outra partícula, ainda que muito distante. O efeito chama-se «não-localidade», mas Einstein chamou-se «acção fantasmagórica à distância». Em 1964, o físico teórico da Irlanda do Norte John Bell que trabalhava no CERN, em Genebra, na Suíça, chegou a uma desigualdade, conhecida como «desigualdade de Bell», que permitiria distinguir entre a teoria quântica à la Bohr e teorias alternativas à teoria quântica, conforme Einstein pretendia, que envolviam o que se chamou «variáveis escondidas». Bell morreu com apenas 63 anos em 1990 de uma inesperada hemorragia cerebral, não sabendo que nesse mesmo ano tinha sido proposta para o prémio Nobel devido à sua proposta.

A escolha da Academia Sueca foi, neste ano, bastante previsível, até porque o trio premiado tinha recebido o prémio Wolf, um prémio israelita que costuma ser premonitório relativamente ao Nobel. Clauser propôs em 1969, com alguns co-autores, uma experiência com fotões polarizados que permitia verificar a violação da desigualdade de Bell. Em 1972 conseguiu realizá-la ele próprio, ajudado por um colaborador, Stuart Freedman, entretanto já falecido. Por sua vez, Aspect refinou essa mesma experiência no início dos anos de 1980, ao resolver alguns problemas técnicos, tendo reforçado a conclusão que já tinha sido alcançada. Por último, alguns anos volvidos, Zeilinger conseguiu a partir de 1998 usar o entrelaçamento quântico para concretizar o fenómeno dito de «teletransporte quântico»: é feita uma cópia de um estado quântico entre sítios distantes. Realizou a proeza primeiro entre dois lados do rio Danúbio em Viena, depois entre duas ilhas das Canárias e, finalmente, entre Viena e Pequim, usando um satélite chinês. A experiência, que exige a utilização de um canal convencional, isto é, não quântico, entre os dois sítios, tem a vantagem de assegurar uma segurança absoluta da cópia de informação. Por isso se fala da «criptografia quântica». Por outro lado, encontra aplicações em novas formas de computação, chamadas de «computação quântica».

A teoria quântica deixou há muito de ser um tema meramente teórico: está hoje no nosso bolso graças aos transístores e aos LED. Com toda a probabilidade (para usar um termo relacionado com a teoria quântica) e, graças aos trabalhos agora justamente premiados, amanhã estará ainda mais.

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

O que John Clauser diz está errado. Travemos a desinformação climática e os negacionistas climáticos"

https://bioterra.blogspot.com/2024/01/o-que-john-clauser-diz-esta-errado.html?m=1

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...