Por Eugénio Lisboa
A poesia mente muito, mas diz sempre o que mais a aproxima da verdade. Sabe é dizê-lo, de um modo muito especial, que é não dizer, dizendo, enviesando e despistando.
O próprio do poeta é “citar” o leitor, como se “cita” um touro. O poeta não dá respostas: abre pistas.
Quem dá respostas são os padres e os charlatães. Os poetas fazem perguntas sugestivas que apontam, nunca para um só caminho, mas para vários.
O não responder dos poetas aproxima-se mais da resposta do que o responder dos padres. O não responder dos poetas tem mais resposta do que o responder dos bispos.
O poeta pretende que não sabe, o padre finge que sabe.
Há mais saber no não responder do que no responder. Mesmo quando o poeta parece que afirma, está só a perguntar.
Há mais filosofia no que diz que não sabe do que em todas as religiões somadas e muito cheias de certezas. Não saber, ter dificuldade em compreender, abre-nos mais portas para a verdade do que ter resposta para tudo.
Os poetas e os homens de ciência têm, no que não sabem, promessas de tesouros que se furtarão a todas as religiões do mundo. Pensar que ainda se não sabe é a melhor alavanca para algum saber. Pensar que se sabe e que aquele é o único saber admitido convoca a tortura e a fogueira.
Os poetas nunca queimaram ninguém, mas alguns deles já foram queimados. O que julga que sabe e não sabe está sempre preparado para eliminar o que quase sabe mas sabe que está ainda longe de saber.
A certeza tem horror à dúvida, como antigamente se dizia que a natureza tem horror ao vazio. A dúvida faz avançar o conhecimento. A certeza barra-lhe o avanço.
Como os cientistas, os poetas estão vivos e activos porque ainda não sabem: quando muito, desconfiam. Como dizia um filósofo francês, a dúvida pode ser dolorosa, mas a certeza é ridícula.
Eugénio Lisboa
1 comentário:
Sem pretender acrescentar um chavo ao que se tem dito e escrito sobre poesia e poetas, não resisto a expender algumas notas sobre uma matéria que sempre tive no centro dos meus circunlóquios, não apenas para escapar a uma força centrípeta insuportável, mas também para não me perder em coisa nenhuma, porque, sem poesia, a função da vida é muito mecânica e, com poesia, pode ser menos satânica.
De modo que o poeta, se constrói memórias, é sem o saber e evita essa cilada que o tempo coloca no caminho de que reflete e sente o que lembra e pensa isso tudo de um modo que não é de todo inocente e ingénuo e "naïf".
O poeta desconstrói memórias, dele e dos demais, do que aconteceu fora e dentro do seu mundo, como se elas desconstruíssem os mundos, interiores e exteriores, de tal modo que ele não encontra o seu lugar, por mais que lho reservem.
O poeta é desconstruído pelas memórias, que tem, que perdeu e que não foi capaz de reconhecer, como um corpo pelo oxigénio em que arderam as suas células.
O poeta é o criador das musas que o enjeitam e julga saber disso, até certo ponto.
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