quinta-feira, 3 de novembro de 2022

ANDRÉ VENTURA, A LUSOFONIA E UM TEXTO DE MIA COUTO

Por Eugénio Lisboa

André Ventura declarou, num daqueles surtos de originalidade que o caracterizam, que a derrota de Jair Bolsonaro era um enorme prejuízo para a Lusofonia. Ora a derrota do destruidor da Amazónia, da cultura brasileira, da vida dos mais pobres e da dignidade humana, não é uma perda nem para o Brasil, nem para Portugal, nem para os restantes países da Lusofonia, nem para a humanidade em geral. Pelo contrário: todos ficaram melhor com o seu afastamento do poder, naquele país irmão. 


Recorte do jornal Expresso (aqui)
Bolsonaro não tinha os requisitos mínimos para um chefe de Estado: nem inteligência, nem sensibilidade, nem cultura política, para não falar de cultura tout court, nem de dignidade de chefe de Estado: é um homem grosseiro, como ficou amplamente demonstrado, no modo como procedeu, quando da visita do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ao Brasil, por ocasião da celebração bicentenária. E também pelo modo rasteiro e abrupto como respondeu a uma repórter portuguesa, troçando da língua portuguesa falada em Portugal, como se o berço dela tivesse sido o Brasil, onde, segundo ele, estaria a pronúncia canónica da língua em que Eça teria (mal) imitado Machado de Assis. 

Foi a esta desastrada e pouco patriótica declaração do líder do CHEGA que o admirável escritor Moçambicano Mia Couto deu uma firme e bela resposta. Mia Couto é, como sabem todos os que o conhecem, não só um grande escritor em língua portuguesa, que soube inovar e acrescentar, com indiscutível talento, mas também um homem de uma integridade e coragem, à prova de qualquer vírus.
Foi, pois, um escritor oriundo da terra onde nasci e que considero uma das duas pátrias que tenho, quem veio destemidamente meter na ordem um dos mais perigosos vírus que ameaçam a sociedade portuguesa: a extrema-direita de André Ventura.

E, de caminho, defender a língua que domina como poucos e tem ACRESCENTADO, como é de ofício de todo o criador literário. A língua portuguesa tem –se inovado, tem crescido, tem-se diversificado e enriquecido, não apenas com os grandes mestres dela, que viveram em Portugal (Fernão Lopes, Camões, Vieira, Camilo, Eça, Pessoa), mas também com outros de outras latitudes, que lhe adicionaram outro sal e outra pimenta (Machado de Assis, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Luis Bernardo Honwana, José Craveirinha, Luandino Vieira, José Eduardo Agualusa, entre muitos, muitos outros).

Toda esta riqueza e muita outra que aqui não referi está sempre ameaçada pelos políticos ignorantes e grosseiros, para quem a cultura e a ciência são sempre um perigo e, no mínimo, uma chatice cara e um desperdício.

O desaparecimento de Bolsonaro não é uma perda para ninguém: é uma esplendorosa benesse! Disse-o com a maior clareza a comunidade brasileira emigrada para vários países do mundo, incluindo Portugal. Disse-o com o voto. 

Mia Couto disse-o com o instrumento em que se sagrou mestre: a língua portuguesa. Ameaçada, como tudo o que é bom, pelos ego-maníacos que só sabem agredir e destruir. 

Eugénio Lisboa

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