Nunca disseste poesia.
Nunca deitaste o rubor tímido
Nas águas impávidas do mar.
Nunca devolveste ao olhar
As lágrimas que perdi para o tempo.
Nunca encostaste ao peito
As flores e as folhinhas da olaia.
Só balbuciaste matéria erodida,
A que tilinta na superfície ou a poalha,
As rodas de pez do teu carro
Diante da minha acédia no passeio,
O esfacelamento das lentes,
O declínio da visão,
Que não via sequer um estendal
Do outro lado da rua,
O caos que vias através das estrelas
E de um menino,
A ausência de império no asseio,
A alma nua e a inspiração
Ou a lívida lucidez ao vento.
A poesia diz-se para que ninguém espere.
Nunca disseste poesia.
Nem no início claro do nosso tempo,
Onde num dissimulado assomo de lascívia,
Querias ouvir a flauta e a intempérie.
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