Artigo meu saído no jornal O Figueirense (foto minha das margens do Mondego na Figueira):
Ouvi há dias na TSF uma
excelente entrevista, que está disponível em podcast, do jornalista
Fernando Alves, da série «Onde nos levam os caminhos», com Miguel de Carvalho,
designado pelo entrevistador por «livreiro, editor e poeta da Figueira da Foz
que se enamorou dos surrealistas». Nele conta a sua história de vida, o modo
como se tornou alfarrabista deixando de ser geólogo e como trocou a Baixa de
Coimbra pela arejada livraria com o seu nome na Rua Dr. José Jardim, em plena
Baixa da Figueira da Foz (segundo ele, a cultura na Baixa coimbrã foi uma
senhora que morreu de prolongada doença). A entrevista acaba num restaurante próxima, com
paredes cheias de memórias da antiga Figueira.
A Figueira da Foz tem, felizmente, mantido viva a cultura, sabendo absorver os «emigrantes culturais» e outros sítios. No capítulo das livrarias, para além da loja de Miguel de Carvalho, a oferta não é muita, mas destaco a livraria infanto-juvenil Bruaá no Centro de Artes e Espectáculos. Mas gosto sempre de visitar a Feira das Velharias, que se realiza nos primeiros sábados de cada mês, que passou do jardim municipal para a beira-rio (um sítio magnífico pelas vistas sobre a água!), e que, sem qualquer dúvida, ganha à Feira de Velharias de Coimbra, que deixou a Praça Velha para ir para as imediações da Loja do Cidadão (vulgo «bota-abaixo», foi de facto um «bota-abaixo do local da Feira).
No domínio dos livros, visitei a Feira do Livro da Figueira da Foz durante o Verão numa tenda gigante em Buarcos, que continuava bem fornecida apesar da mudança de sítio (fiquei com a ideia de que o sítio anterior era melhor): vi a Guida Cândido, autora de vários e bons livros de história da gastronomia (tem um sobre a gastronomia figueirense, apoiado pelo município) a assinar as suas obras e só não assinou para mim porque tenho tudo o que ela publicou.
E também já tive o gosto de participar nas «Quintas de Leitura» organizada pela Biblioteca Municipal (que tem um espólio de dimensão impressionante e que teve o mérito de digitalizar e mostrar on-line boa parte dos jornais regionais), tendo verificado que o evento mobilizava público. Mais ocasionalmente, também já participei em lançamento de livros e outros eventos culturais no Casino da Figueira da Foz, tendo ficado com a ideia, talvez injusta, de que o Casino pode fazer, nesta área, muito mais do que tem feito.
É bem conhecida a riqueza do rol de autores literários que a Figueira tem fornecido. Lembro-me assim, de repente, ordenando-os por ordem cronológica de nascimento, de João de Barros (1881- 1960), não o das crónicas da Índia, mas o poeta, pedagogo e político que se distinguiu durante a Primeira República (o filho Henrique de Barros distinguir-se-ia após o 25 de Abril): João Gaspar Simões (1903-1987), que durante muito tempo foi o «campeão» na nossa crítica literária: Maria Manuel Viana (n. 1955), uma escritora que se tem distinguido na defesa dos direitos das mulheres; Gonçalo Cadilhe (n. 1968), o incansável cronista de viagens; Afonso Cruz (n. 1971), um dos mais originais autores contemporâneos; e Nuno Camarneiro (n. 1977, em Coimbra, mas com família ligada à Figueira), que foi meu aluno no curso de Engenharia Física da Universidade de Coimbra.
Tenho, para ler, na minha mesa de cabeceira, os recentes As Evidências Nocturnas, de Maria Manuel Viana (Teodolito, 2021), A Casa das Perguntas (Minotauro, 2022), uma obra infanto-juvenil de Nuno Camarneiro que ele fez o favor de me mandar assinada, e estou à espera de mais um volume da Enciclopédia da História Universal de Afonso Cruz, intitulado Deuses e Afins, prometido para o mês de Novembro (estes volumes deixam-nos sempre na dúvida entre ficção e realidade). Isto para já não falar de referências à Figueira por autores que por lá passaram como Jorge de Sena, no admirável Sinais de Fogo, que retrata os conturbados tempos da Guerra Civil espanhola.
No domínio das ciências, pontificaram os seguintes figueirenses, que elenco de novo por ordem cronológica de nascimento: António dos Santos Rocha (1853-1910), arqueólogo de renome e primeiro director do Museu Municipal; Luís Wittnich Carrisso (1886-1937), botânico da Universidade de Coimbra que faleceu em Angola na sua terceira missão científica aquele território; Joaquim de Carvalho (1892-1958), filósofo e historiador de ciência que dirigiu a Imprensa da Universidade de Coimbra; e Manuel Rocha (1913-1981), um dos nossos maiores engenheiros civis, que se distinguiu como director do LNEC- Laboratório Nacional de Engenharia Civil.
De alguns destes figueirenses notáveis, designadamente os mais antigos, arranjam-se livros na Livraria Miguel de Carvalho ou, procurando bem, na Feira das Velharias. Sempre que lá vou gosto de ser surpreendido. A Figueira da Foz tem o enorme dom de me surpreender de cada vez – e são muitas – que lá vou.
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