segunda-feira, 21 de julho de 2014

"O QUE NASCE TORTO... ": CARTA ABERTA A NUNO CRATO

Meu caro Nuno:

Diz o povo que "o que nasce torto tarde ou nunca se endireita". É o caso da "avaliação" que o Ministério da Educação e Ciência  que diriges está a realizar mediante uma encomenda feita pela FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Vai entre aspas a palavra a avaliação, porque ela está a ser impropriamente usada. Esta avaliação foi logo de início mal pensada, entregando-a a uma instituição sem experiência de processos a esta escala. Tantos são os erros grosseiros que têm sido documentadamente apontados e tantas são as inconsistências do estranho processo escolhido, que é chegada a altura de intervires. Em particular, parece ser uma fraude a existência prévia, hoje comprovada apesar de continuamente negada pela FCT, de quotas, que obrigou à descida das notas de alguns centros de produção avultada e de qualidade reconhecida. Com isso, perdem-se investimentos efectuados, esforços feitos, esperanças acumuladas. E perde-se a confiança na agência que devia apoiar a ciência e a tecnologia em Portugal em vez de desapoiar.

Não consigo perceber o caminho de afastamento da ciência que está a ser trilhado pelo "teu" ministério. Digo-o com a mesma franqueza com que te disse, no início da legislatura, que era possível continuar a aproximação à Europa na ciência e tecnologia e confiava em ti para isso mesmo. Agora, estou, como muita gente, desiludido. E não vejo outra solução que não seja a suspensão deste processo "avaliativo", auditando-o devidamente, e averiguando todas as falhas que têm sido apontadas. Não podes dizer que não sabes: algumas delas foram aqui expostas publicamente neste blogue, onde um dia colaboraste e que desde há meia dúzia de anos tem defendido a ciência e a cultura científica, e outras estão na "plataforma" da avaliação da FCT enviadas por numerosos cientistas bastante desapontados. O futuro da ciência portuguesa é hoje motivo de receio para cidadãos portugueses e estrangeiros. Enquanto não forem tiradas conclusões com base num inquérito rigoroso, insistir num processo cuja fragilidade está à vista de todos não passa de mera teimosia política. Até lá deveria valer para todos os efeitos a classificação anterior, a qual, ao contrário desta,  foi feita por pares aceite sem problemas de maior. 

Errar é humano. Mas errar repetidamente e não reconhecer o erro é desumano: é, além do mais, completamente oposto à ciência e à cultura científica que durante muitos anos defendemos juntos. Tenho muita pena de ter de falar contigo através dos telejornais, dos jornais e da Web, mas, nos últimos tempos, decidiste permanecer entricheirado no edifício que querias "implodir", não ouvindo as vozes da razão que chegam de todo o lado. São muitos e muito bons os investigadores sumariamente excluídos, não só as pessoas da tua geração que ajudaram a fazer crescer a ciência em Portugal como os jovens investigadores que agora vêem a ciência a mingar e são forçados a emigrar com mais este corte brutal.  Não podes sequer dizer que se trata de cortes impostos pela troika, porque o programa dito de "ajustamento" já terminou com uma "saída limpa". Sem ciência diversificada e plural, sem ciência qualificada a vários níveis, sem ciência devidamente espalhada pelo país, o desenvolvimento nacional ficará seriamente prejudicado. A ciência unia-nos e espero bem reencontrar-te na defesa dela. A ciência precisa de todos, a ciência precisa de ti!

Com um abraço do
Carlos

7 comentários:

Albert Virella disse...

E se admitissem que existe alguma razão quando se diz que as árvores escondem o bosque?

Não será que as razões de toda esta sem-razão são mais profundas e caseiras do que nos parece à primeira vista?

Se tem tempo livre, leiam alguns escritos que aparecem no blogue vivenciasdevirella.

Mal não lhes fará, e não garanto que os ilumine. Estive errado imensas vezes, ao passo que outros tem sempre razão.. Sorte a deles.

Os meus cumprimentos, RESPEITOSOS (gostaram da despedida?)

Albert Virella

bulimundo disse...

O Crato é um bom sucessor deste..quiçá familiar..Durante o Estado Novo, o analfabetismo era bem visto pelo Estado, pois desta forma contribuía para manter intactas as tradições e os costumes do povo português;
Durante o Estado Novo, o ministro da Educação, Eusébio Tamagnini, numa entrevista dada ao jornal “Diário de Notícias”, publicada no dia 21 de Novembro de 1934, explicava como se iria extinguir o analfabetismo, apesar de não ter verbas suficientes para atender a todos os casos de adultos e crianças que não sabiam ler nem escrever. Para ser resolvido, afirmou que o problema teria de ser simplificado, de acordo com as modernas descobertas pedagógicas, dividindo a população portuguesa em cinco grupos, a saber: 1.º Ineducáveis, que correspondia a 8%; 2.º Normais estúpidos – 15%; 3.º Inteligência média – 60%; 4.º Inteligência Superior – 15%; 5.º Notáveis – 2%; http://www.correiodominho.com/cronicas.php?id=5854

Anónimo disse...

O que está acontecer no MEC, e no seu braço armado para a ciência – a FCT – é o que seria de esperar do doutor Nuno Crato. Júris. Avaliação. Rankings. Quotas. Só há dinheiro para o que está no “topo”, independentemente do que seja o dito “topo”. Daí para baixo, essas pessoas têm é de fazer outra coisa. As inconsistências e injustiças que são apontadas neste blog não passam de pequenos danos colaterais no processo de limpeza em curso.
Que mais seria de esperar de um senhor que escreveu um livro com o título “o desastre do ensino da matemática”, com uma bomba prestes a explodir na capa? De uma assentada passou um atestado de mediocridade a todos os professores de matemática.

Isabel Duarte disse...

Eu, contrariamente ao autor da Carta Aberta, por quem nutro o maior respeito, nunca acreditei no atual Ministro. Mas nunca pensei que fosse também tão obstinadamente surdo e cego, tão teimosamente mau e autista. Não acredito que reveja a sua posição. Estou pessimista, a não ser que todos os centros se unam.

Anónimo disse...

O que não deixa de ser curioso é que a política que era válida para o "ministério das escolinhas" - a do rigor, da exigência, da avaliação, dos exames - agora é nefasta para o "ministério da ciência". Este blog tem uma grande responsabilidade no que está a acontecer: aqui levaram Crato "ao colo" até ao ministério e aplaudiram de pé a "implosão" anunciada. Acaso pensaram que a loucura era só num sentido: na implosão dos outros reinos e nunca do vosso?

Vasco Gama disse...

Muito bem! Espero que não seja tarde demais...

Anónimo disse...

já não acreditava antes e também não acredito agora. A autonomia dos ministros e ministérios é uma falácia. É o primeiro ministro e o das Finanças que ditam políticas e princípios. Por detrás do Crato estão dois indivíduos da Lusíada (onde é que fica?) que de ensino superior, de investigação e de cultura universitária a sério pouca noção terão. Para eles a economia será, sobretudo, uma questão de contabilidade. Provavelmente dos múltiplos trabalhinhos de grupo que lhes garantiram a licenciatura apenas ficou isso.
Numa coisa o Crato terá razão, mas não força - há que separar águas e despromover "universidades" que de ensino superior pouco ou nada terão. E esta não é uma matéria de somenos porque, como se vê, as consequências poderão ser muito nefastas.

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