quarta-feira, 16 de julho de 2014

O que há de novo no Ensino da Física e da Química?

Meu artigo na Revista de Ciência Elementar, que acaba de vir a lume:

No ano de 2013 foram definidas metas curriculares para a disciplina de Físico-Química (o nome mais adequado seria Ciências Físico-Químicas) no 3.º ciclo do ensino básico, e novos programas e respectivas metas para a disciplina de Física e Química A do Curso Científico-Humanístico de Ciências e Tecnologias do ensino secundário (10.º ao 11.º ano), e metas para as disciplinas de Física e Química do mesmo curso (12.º ano). No ensino básico mantiveram-se, por decisão ministerial, os programas que vigoravam e só se objectivaram, através da indicação de metas curriculares, os conteúdos e capacidades a solicitar aos alunos. No ensino secundário foi-se um pouco mais longe no 10.º e 11.º anos, tendo sido empreendida uma modificação dos programas (uma mudança ligeira uma vez que, por uma questão de pragmatismo, foi decidido manter mais de 80 por cento dos actuais programas), tendo as metas sido ligadas aos novos programas. No 12.º ano, a fim de não causar neste momento rupturas nesse nível de escolaridade, que necessitará do ponto de vista curricular de uma análise mais global, foi decidido manter os programas de Física e de Química em vigor, embora elaborando as metas de acordo com uma redução horária que tinha sido determinada pelo Ministério da Educação e Ciência.

 No ensino básico, obedecendo ao programa há mais de uma década em vigor, mantiveram-se como temas no 7.º ano o Espaço, Materiais e Energia, no 8.º ano as Reacções Químicas, o Som e a Luz, e no 9.º ano os Movimentos e Forças, a Electricidade e a Classificação dos Materiais. No ensino secundário, os programas incluíram no 10.º ano, na componente da Química, os Elementos Químicos e a sua Organização e Propriedades e Transformações da ;Matéria e, na componente da Física, a Energia e a sua Conservação. No 11.º ano, na Física, incluiu-se a Mecânica e Ondas e Electromagnetismo e, na Química, o Equilíbrio Químico e Reacções em Sistemas Aquosos. Cada uma das componentes, Física e Química, deve ser, como até agora, leccionada em metade do ano lectivo, alternando-se a ordem de leccionação nos dois anos – o 10.º ano começa com a componente de Química e o 11.º ano com a componente de Física. Finalmente, o programa do 12.º ano de Física inclui como temas a Mecânica, os Campos de Forças e a Física Moderna, ao passo que do de Química fazem parte Metais e Ligas Metálicas, Combustíveis e Ambiente, e Plásticos, Vidros e Novos Materiais. 

 A principal novidade, para além da alteração menor dos programas do secundário, foi a introdução de metas curriculares. De onde vêm e o que são estas metas? Tem havido uma tendência em vários países, designadamente os que participam em avaliações internacionais (PISA e PIRLS) em objectivar o progresso esperado, em cada ano, por parte dos alunos, quer na interiorização de conteúdos científicos quer na aquisição de capacidades, estando estas naturalmente ligadas aos conteúdos. Em vários países chamam-se standards, em Portugal começaram por se chamar “metas de aprendizagem” e hoje chamam-se “metas curriculares”. Segundo o Despacho n.º 15971/2012, de 14 de Setembro, as metas curriculares “identificam a aprendizagem essencial a realizar pelos alunos… realçando dos programas o que deve ser objecto primordial de ensino.” Estas metas referem-se a mínimos exigidos, podendo os professores fazer uso, na sala de aula, da sua liberdade pedagógica. O passo ora dado entre nós, não só nas áreas da Física e da Química, mas também em quase todas as disciplinas, pretendeu clarificar o papel da escola e facilitar o apuramento de desempenhos escolares. Tal como ficou escrito no documento do programa e metas do secundário, as metas curriculares permitem: 

“- identificar os desempenhos que traduzem os conhecimentos a adquirir e as capacidades que se querem ver desenvolvidas no final de um dado módulo de ensino; 
- identificar o referencial para a avaliação interna e externa;
 - orientar a acção do professor na planificação do seu ensino e na produção de materiais didácticos;
 - facilitar o processo de auto-avaliação pelos alunos.” 

 Tanto no básico como no secundário, os conteúdos das metas foram organizados por domínios e subdomínios (que têm nomes da Física e da Química), em cada ano de escolaridade, tendo a sequência sido baseado nas práticas lectivas consolidadas entre nós. Os objectivos gerais foram pormenorizados pelos chamados ”descritores”. Estes traduzem o desempenho que se espera do aluno, estando esse desempenho clarificado por meio de uma tabela que explicita o que é esperado com os verbos usados. Capacidades como o raciocínio e a comunicação foram consideradas transversais a todos os objectivos. Como a Física e a Química são ciências eminentemente experimentais, incluíram-se com carácter obrigatório no básico e secundário conteúdos e capacidades de carácter experimental. No ensino secundário foram incluídas metas transversais a todos as actividades laboratoriais e também metas específicas para cada uma delas. 

Embora houvesse em princípio a possibilidade de alterações maiores, a equipa dos programas e metas decidiu não efectuar alterações de monta no ensino secundário, a fim de não causar mudanças bruscas num sistema educativo que enfrenta conhecidas dificuldades. Do ponto de vista dos conteúdos foram retirados alguns tópicos face à extensão reiteradamente apontada aos programas anteriores e à dificuldade conceptual de alguns temas (como as leis da radiação, a modulação de sinais, a arquitectura do Universo, os números quânticos em níveis atómicos). Em sua substituição, foi introduzido na Física o tema dos fenómenos eléctricos com o objectivo de consolidar e aprofundar, no ensino secundário, alguns conceitos do 3.º ciclo do ensino básico, e proporcionar uma introdução ao fenómeno da indução electromagnética, tão presente no nosso dia-a-dia. Por seu lado, na Química foram ainda introduzidos alguns aspectos da ligação química considerados relevantes (polaridade das moléculas e ligações intermoleculares). 

Do ponto de vista das metodologias a adoptar no ensino secundário foram dadas algumas orientações gerais que procuraram valorizar o saber profissional dos professores a respeito dos processos de ensino e de aprendizagem, resultantes de quase uma década de prática na aplicação do programa agora substituído. A contextualização dos conteúdos foi sugerida como forma de facilitar a aquisição do conhecimento dos alunos, mas deixou de ser obrigatório o uso de contextos específicos para cada tema como acontecia até agora (GPS, etc.). O professor ficou, portanto, com a liberdade de usar os contextos que julgar mais adequados às características das suas turmas. 

Escreveu-se no programa:

 “Os domínios, bem como os subdomínios, são temas da física ou da química. Mas, dado o impacto que os conhecimentos da física e da química e das suas aplicações têm na compreensão do mundo natural e nas interacções dos seres humanos com esse mundo e entre si, sugere-se que a abordagem dos conceitos científicos parta, sempre que seja possível e adequado, de situações variadas como, por exemplo, casos da vida quotidiana, avanços da ciência e da tecnologia, contextos culturais, episódios da história da ciência e outras situações socialmente relevantes. A escolha desses contextos por parte do professor deve ser flexível e adequar-se às condições particulares de cada escola e turma. Tal opção permitirá uma mais fácil concretização e interiorização de aspectos formais abstractos das ciências em causa e um reforço da motivação dos alunos pela aprendizagem. Em particular, a invocação de situações da história da ciência permite compreender o modo como ela se constrói e evolui.” 

 As metas do básico e os programas e metas do secundário estiveram em discussão pública, tendo a maior parte das sugestões recebidas sido incorporadas nos documentos finais. Agradecem-se, mais uma vez, os contributos recebidos, que permitiram melhorar bastante as propostas submetidas. 

 Por último, quis a equipa das metas e programas manifestar superiormente a sua incomodidade com a actual menorização da Física e da Química no 12.º ano, disciplinas que neste momento são frequentadas por muito poucos alunos. Em carta aberta ao ministro, a equipa defendeu que a situação marginal da Física e da Química no 12.º ano não poderá ser mantida por muito mais tempo por contrastar não só com a relevância das duas disciplinas no mundo de hoje como com os currículos nos países europeus mais desenvolvidos. Parece aliás paradoxal defender a exigência no ensino das ciências ao mesmo tempo que se mantém a Física e a Química num lugar subalterno no ano final dos estudos secundários. A alteração da situação actual passará pelo aumento da carga lectiva dessas disciplinas e também eventualmente, após a devida ponderação, pela transferência do exame nacional, actualmente no 11.º ano, para o 12.º ano, como acontece no Português e na Matemática. A equipa manifestou o seu acordo com os pareceres que, sobre o desejável lugar da Física e da Química no 12.º ano, foram oportunamente emitidos pelas Sociedades Portuguesas de Química e de Física. O Ministério não deu qualquer resposta a essa carta. 

(O autor coordenou a equipa das metas e programas de Física e Química. Nessa equipa dois professores eram do ensino superior e seis do ensino básico e secundário.)

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