terça-feira, 15 de julho de 2014

Aflitos com avaliação, centros de investigação científica temem o fim

Uma notícia da Rádio Renascença dá conta do avolumar de cada vez mais vozes contra a política de ciência em Portugal e a escabrosa avaliação das unidades de investigação. Apenas uma voz discordante: Miguel Seabra, presidente da FCT, diz que é tudo normal.

Está em curso a avaliação de 322 unidades de investigação. A primeira fase já terminou e quase metade fica sem financiamento ou com verbas residuais. Os responsáveis não poupam nas críticas à tutela. A Fundação para a Ciência e a Tecnologia rejeita-as.

O fim do programa de assistência financeira chegou ao fim, o discurso do Governo virou-se para o investimento e crescimento, mas na investigação científica há quem esteja muito pessimista.

A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) tem em curso o habitual processo de avaliação de 322 unidades de investigação no país que vai ditar o financiamento dos centros para os próximos cinco anos.

Das 322 unidades em avaliação, quase metade recebeu uma nota que os deixa com a corda na garganta: 71 tiveram nota “Insuficiente” ou “Razoável” e deixam de receber financiamento da FCT e 83 ficaram-se pelo “Bom”, o que significa que têm algum dinheiro (o montante é variável consoante a dimensão do centro) mas considerado insuficiente.

“Com esta nota, vamos receber 40 mil euros por ano. O dinheiro não chega sequer para mandar os nossos investigadores aos congressos”, explica Nuno Peres, prémio Gulbenkian Ciência e o cientista português mais citado entre 2002 e 2012.

Nuno Peres pertence ao Centro de Física da Universidade do Minho, classificado com “Bom”. Até agora, o centro recebia um financiamento anual na ordem dos 380 mil euros.

No Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, a preocupação é semelhante. Também avaliados com “Bom”, vão receber à volta de 20 mil euros por ano. “Dá apenas para pagar a secretária técnica de gestão do centro”, lamenta a coordenadora do Centro de Estudos Florestais (CEF), Helena Pereira.

“Mas a falta de financiamento nem é a minha maior preocupação”, acrescenta. “A nota do centro de investigação é um dos critérios levado em conta quando um investigador se candidata a uma bolsa de doutoramento ou pós-doutoramento. Como há muita competição, esta nota significa que não vamos conseguir contratar pessoas novas – e nós precisamos, todos os centros precisam, de renovação”, explica.

À beira do fim?

Nuno Peres e Helena Pereira ficaram surpreendidos pelas notas de avaliação. Até há poucas semanas, todas as indicações que recebiam, quer por parte da FCT, quer de outras entidades, faziam crer que a produção científica destas unidades estava no caminho da excelência.
Passado o choque, fazem-se as previsões mais negras. “Isto significa o encerramento da investigação em Física na Universidade do Minho e na Universidade do Porto, pois o centro de investigação deles candidatou-se em conjunto com o nosso”, explica Nuno Peres.
Na área das ciências agrárias e florestais também pode ser o princípio do fim. “Poderá haver um movimento em que os investigadores se vão dedicar a outras áreas”, aponta Helena Pereira.

O processo de avaliação ainda não terminou. Os centros de investigação que não ficaram satisfeitos com a nota já puderam apresentar as suas razões de queixa.

Erros “grosseiros” e críticas “non-sense”

“Há erros muito grosseiros”, critica Amílcar Falcão, vice-reitor da Universidade de Coimbra (UC). Dos 41 centros da UC, 16 tiveram nota igual ou inferior a “Bom”.

”Por exemplo, há dificuldades em determinar quantos membros fazem parte do centro ou dificuldade em dividir as publicações pelo número exacto de membros do centro. Há também críticas absolutamente ‘non-sense’, como, por exemplo, dizer que um centro tem pouco equipamento quando a Universidade de Coimbra acaba de investir cinco milhões em equipamento para aquelas áreas e isso ter sido explicado nas candidaturas”, descreve.

Amílcar Falcão lamenta também que a FCT aceite que o painel de avaliadores prejudique os centros que investigam assuntos relacionados com a lusofonia. “Se se considera que a nossa investigação quando é feita em português, dirigida a países de influência lusófona, sobre cultura e história de origem portuguesa não é estratégica, seguindo as indicações de quem não sabe o que é português, nem sabe onde é Portugal, isto é vender o país aos estrangeiros”, contesta.

O rol de críticas continua em Lisboa. Helena Pereira, do CEF, põe em causa, por exemplo, a capacidade científica do painel que fez a avaliação nas ciências agrárias e florestais.
“Das oito pessoas que nos avaliaram apenas uma trabalha vagamente numa das áreas de trabalho do nosso centro”, refere. Talvez por isso, acrescenta, a avaliação tenha uma “apreciação subjectiva, enviesada e até alguns erros e contradições entre aquilo que é dito numas partes e o que é afirmado a seguir”.

Helena Pereira considera ainda que há erros quase administrativos. “Nalguns parâmetros, aquilo que é dito não corresponde à classificação que foi dada, ou seja, as constatações que são feitas não consubstanciam a nota de ‘Bom’, mas sim de ‘Muito Bom’”, critica a coordenadora do Centro de Estudos Florestais, do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa.

Cortes no financiamento à investigação científica

A polémica em torno deste processo de avaliação soma-se a outra: a machada na atribuição de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento.

“Não tenho dúvidas de que há uma política não declarada de redução do investimento na investigação científica”, afirma o físico Nuno Peres.

Já o vice-reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão, compreende que não pode haver dinheiro para tudo, mas teme que actual política acabe com o sector. “Não podemos viver na ilusão de que todos os centros são muito bons e que todos têm que ter muito financiamento, o país não tem dinheiro para isso. Eu compreendo a motivação que está na racionalização do sistema, espero é que dessa racionalização não resulte a morte do sistema”, afirma.

Tutela nega quase tudo

Entrevistado pela Renascença, o presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia nega quase tudo. Miguel Seabra garante que o “processo de avaliação das unidades de investigação é o mais robusto e o mais transparente que alguma vez se fez”.

“Encomendámos a avaliação à European Science Foundation, uma entidade europeia de grande prestígio, com experiência nesta matéria, fez publicações sobre boas práticas do que são avaliações por pares, que é o caso desta, e, como tal, tem toda a capacidade, experiência e integridade para delinear este exercício”, afirma.

Miguel Seabra diz que são “normais” as críticas apontadas por cientistas e responsáveis das instituições científicas, mas discorda delas. 

Rejeita que haja cortes no financiamento às unidades de investigação, garantindo que estão previstas verbas na ordem dos 50 milhões de euros anuais para o período 2015-2020 (valor semelhante ao do período 2010-2015).

O presidente da FCT mostra-se, ainda assim, totalmente disponível para que na fase de recurso das avaliações sejam corrigidos eventuais erros.

“Vamos olhar caso a caso para aquelas unidades que ficaram desapontadas com este exercício de avaliação para podermos elaborar planos de desenvolvimento dessas unidades. O objectivo da FCT é continuar a melhorar a qualidade, a excelência e a competitividade da nossa ciência sem destruir nada daquilo que está ainda emergente ou pouco competitivo”, remata.

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