terça-feira, 15 de julho de 2014

O prédio está a cair, mas a FCT diz que está tudo bem



José Vítor Malheiros analisa a FCT em artigo de opinião no Público de hoje. Transcrevo com a devida vénia:

Nuno Crato sempre foi um crente no poder dos exames. Para Crato, basta colocar um exame no final de um ciclo de ensino para se obter uma melhoria automática na qualidade desse ciclo de ensino. Porquê? Porque o sistema se ajusta automaticamente a esse obstáculo e se reorganiza de forma a superar essa prova.

Vem isto a propósito da avaliação das unidades de investigação, que está a ser levada a cabo pela European Science Foundation (ESF) por encomenda da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), instituição sob tutela de Nuno Crato, e onde os resultados da primeira fase foram desastrosos para as unidades avaliadas. Das 322 unidades avaliadas, apenas 168 passaram à segunda fase de avaliação e, das restantes, 83 tiveram a classificação de “Bom”, uma classificação fraca, que se traduzirá num financiamento residual, e 71 unidades foram já excluídas de qualquer financiamento futuro. Esta avaliação deu origem a um clamor nacional que não se limitou a contestar os resultados. Unidades de investigação e investigadores vieram denunciar irregularidades várias nesta avaliação, como o facto de certas unidades terem tido más avaliações apesar de os indicadores em que essa avaliação se baseou serem excelentes, o facto de unidades avaliadas como excelentes nas avaliações anteriores terem sem explicação passado a ser classificadas como fracas, o facto de muitos avaliadores fazerem afirmações factualmente falsas sobre as unidades que avaliaram, o facto de as comissões não possuírem especialistas de muitas das áreas que avaliaram, o facto de muitas das unidades terem sido avaliadas por uma maioria de não-especialistas da área avaliada, o facto de ser evidente um enviesamento ideológico em algumas das avaliações feitas, etc..

Se o objectivo da FCT e de Nuno Crato fosse fazer uma avaliação honesta das unidades de investigação, qualquer uma destas reclamações deveria ter acendido uma luz vermelha e dado origem a uma fiscalização rigorosa do processo. Mas não deu. Em resposta à chuva de críticas documentadas que recebeu, a FCT veio apenas dizer que reitera “a sua total confiança na robustez do exercício de avaliação das Unidades de Investigação” e que os critérios de avaliação definidos “foram escrupulosamente cumpridos”. xxx Paremos para respirar. xxx Se a FCT considerasse, de facto, que a avaliação tinha sido bem feita, deveria ter ficado em estado de alerta vermelho antes mesmo de receber as reclamações, no exacto momento em que recebeu os resultados da primeira fase da avaliação. E deveria ter ficado alarmadíssima porque estes resultados significam que metade das unidades de investigação do país são medíocres, que um quarto deve ser objecto de execução sumária e que outro quarto vai ser condenada a uma morte lenta – o que, seja qual for a razão, constitui um cataclismo de proporções gigantescas, com impactos em todos os sectores da vida nacional. E deveria também ter ficado alarmadíssima porque estes resultados contrariam frontalmente resultados de avaliações anteriores, feitas sob a sua responsabilidade, que desenhavam uma panorama muito diferente, o que significava que ela própria, FCT, tinha sido clamorosamente incompetente. Mas não. A FCT parece considerar estes resultados como normais e esperados, defende a avaliação e os avaliadores com unhas e dentes e não faz sequer nenhum comentário sobre a substância da avaliação. E o mesmo faz aliás Crato, que desde a sua tomada de posse parece ter tanto a ver com a investigação portuguesa como o pato Donald.

Imaginemos, por um momento, que o presidente da FCT, Miguel Seabra, está de boa-fé e considera que a ESF fez bem o seu trabalho e que, por conseguinte, metade da investigação portuguesa deve ir para o lixo. O que seria normal que a FCT fizesse? Miguel Seabra parece esquecer-se de que a FCT é responsável pela investigação nacional e que lhe compete garantir a gestão e o desenvolvimento do sistema. Se Miguel Seabra acha que metade do sistema está podre, deveria lançar uma operação de emergência para o recuperar e tentar envolver nela todos os parceiros necessários – em vez de o deitar para o lixo de uma penada. Trata-se de organizações, de pessoas, de investimentos e de saber acumulado que constitui um património nacional. Mas é possível que, tal como Crato, Seabra pense que, para melhorar um sistema, basta colocar um exame no fim, chumbar o máximo de avaliados e esperar a resposta automática. Dá certamente menos trabalho e uma grande quantidade de chumbos pode dar uma ideia de exigência.

José Vítor Malheiros

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