sexta-feira, 18 de julho de 2014

Dia do Latim

O progressivo desaparecimento das Clássicas do currículo escolar português tem sido silencioso. Não se dá conta dele.

Se em vez das Clássicas, fosse a Matemática, a Física, o Inglês ou, até, a História a desaparecer, as coisas seriam diferentes: haveria uma enorme contestação. E ainda bem que haveria, pois a Matemática, a Física, o Inglês e a História são componentes curriculares fundamentais. Tal como as Clássicas.

Efectivamente, o desaparecimento das Clássicas não tem gerado tumultos de rua, não tem polarizado o interesse dos jornalistas, não tem agitado substancialmente as escolas e as universidades... De alguma forma todos consentimos que elas sejam arruadas no passado.

Ou, não... Se pelo menos alguns daqueles que valorizam o conhecimento pensassem no assunto, algumas ideias surgiriam para travar o que parece inevitável.

Isto foi o que me ocorreu quando li um texto escrito em 2007 (aqui) e de que reproduzo um extracto abaixo. Quando aluno, o seu autor, Duarte Branquinho, e vários colegas tiveram a ideia de instituir o Dia do Latim. E nesse dia, ao menos nesse dia, quando o Latim caia a pique no sistema educativo, uma escola animava-se com... o Latim
Claro está que o Latim foi opção. Aliás, no campo das línguas tive nesses anos, para além desta, português, francês e inglês. Mesmo enquanto adolescente, nunca hesitei sobre a minha escolha e sempre considerei que esta devia ser uma disciplina obrigatória nos curricula nacionais. Lembro-me de na altura comunicar orgulhoso a minha opção a um primo meu que residia e estudava no estrangeiro, que se espantou com a não obrigatoriedade do latim, sendo o português uma língua neolatina...
O primeiro ano de latim era mais concorrido. A minha turma tinha cerca de vinte alunos, mas muitos desistiram. No segundo, começámos por ser cerca de dez e terminámos o ano com sete. Foi uma óptima experiência! Preferimos aprender os fundamentos da nossa língua, para melhor a compreender, do que escolher as consideradas “disciplinas fáceis”, como relações públicas, que apenas serviam para subir a média sem qualquer esforço.
(...)
Um exemplo divertido da nossa dedicação foi o histórico “Dia do Latim”. Depois de termos visto decorrer na nossa escola eventos destinados a promover várias disciplinas, propusemos que se fizesse o mesmo para o latim. Perante a dúvida da professora e falta de ânimo dos nossos colegas de turma, decidimos fazer tudo praticamente sozinhos. Desenhámos cartazes que espalhámos pelas paredes, fizemos material para uma exposição e, mais importante que tudo, mobilizámos com o resto da “malta da pesada”, através de manobras que se podem considerar intimidatórias, “meio liceu” para assistir na sala verde às apresentações orais feitas por nós e pela stôra, já que o resto da turma não se “sentia à vontade” para falar em público.
O “Dia do Latim” foi um sucesso, perante o espanto e inveja dos outros professores. A participação registada foi a maior de todos os outros dias consagrados a disciplinas. A mobilização foi tal que foi o assunto da semana na sala dos professores e tema de uma das reuniões do Conselho Directivo. A partir daí a nossa professora, orgulhosa, continuou a detestar-nos, mas passou a ver-nos de forma diferente e gosto de pensar que terá questionado algumas certezas que carregava há muito...

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