domingo, 13 de julho de 2014

Centro de Literaturas e Culturas da Universidade de Lisboa acusa FCT de "indigência moral"

Divulgamos Carta da Direcção e Coordenadores do CLEPUL - Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa  ao Presidente da FCT

 Os resultados da recente Avaliação dos Centros de Investigação da FCT têm vindo a suscitar a indignação e os protestos de diversas Unidades e Universidades. Lidos alguns dos textos entretanto publicados (em periódicos ou blogues), depreende-se que cada Centro cura da justa defesa do trabalho realizado ao longo de anos (2008-2012).

Consideramos que, a par da reflexão crítica sobre a avaliação de cada Unidade, e, em particular, sobre a sua classificação, importa analisar a metodologia adoptada na condução de um processo de tantas e tão fundas consequências para o futuro da investigação em Portugal.

Elencamos pois uma série de questões das quais dependem a justeza e a justiça da Avaliação em curso: 
1) sobre a adequação dos avaliadores ao trabalho a avaliar; 
2) sobre a consistência e validação da avaliação; 
3) sobre a avaliação dos avaliadores e do próprio processo de avaliação.

1.      Antes de mais, importa saber se a Agência de Avaliação escolhida pela FCT assegurou a presença de Avaliadores credenciados nas áreas específicas de conhecimento a avaliar.
Por exemplo:
1.1.   Na área das culturas e literaturas de língua oficial portuguesa: dominam os avaliadores a língua e as referências que lhes permitem avaliar rigorosamente a qualidade, a pertinência e a funcionalidade do trabalho realizado? Têm em consideração que o trabalho realizado pretende, numa primeira etapa, a constituição e o reforço de uma rede de trabalho (investigação, reflexão, diálogo e divulgação) em língua portuguesa, cujos resultados mais consensual e cientificamente validados serão, depois, traduzido para as línguas de comunicação internacional estratégica para cada uma das comunidades? Têm em consideração que um dos objectivos fundamentais desse trabalho é a definição de identidades culturais comunitárias inscritas em comunidades mais vastas, em função da tradição e da actualidade? Têm em atenção o panorama bibliográfico em que todo esse trabalho se desenvolve?
1.2.   Na área da literatura portuguesa: conhecem os Avaliadores o panorama editorial do país? A escassez gritante de edições críticas de autores portugueses do maior relevo? A falta de obras de referência (dicionários, nomeadamente) que tanto dificulta o estudo da nossa literatura?
1.3.  No que respeita à cultura portuguesa: estão os Avaliadores familiarizados com o panorama cultural contemporâneo em Portugal? Estarão habilitados a compreender a importância do reconhecimento da qualidade de obras e autores, por exemplo através da instituição de Prémios literários? E a pertinência da alta divulgação e da colaboração com o Ensino Básico e Secundário? Têm em consideração o modo como a compreensão do fenómeno estético, que tendemos a privilegiar, implica o cultural no sentido lato: a perscrutação da tradição oral e da erudita, das matrizes e das fraternidades culturais, do diálogo em que o intercâmbio se processa?
1.4.   No que respeita à lusofonia: conhecem bem os Avaliadores a História de Portugal, nomeadamente a História Contemporânea? Leram os trabalhos de investigação que universitários oriundos de diversas Universidades e Centros têm vindo a produzir no sentido de recolher dados, tratá-los e publicá-los? Têm seguido os debates que, em Colóquios e Congressos Internacionais, com participação empenhada de Investigadores portugueses, brasileiros, angolanos, moçambicanos, etc., têm vindo a centrar-se em noções como lusofonia e multiculturalidade? Têm uma clara percepção do modo como, deliberadamente, se tem promovido sistematicamente uma reflexão em que as identidades e as alteridades se observam através do diálogo entre o eu e o outro, buscando nesse cruzamento a validação científica?
2.      De seguida, perguntamos se a Avaliação se tem processado de forma consistente e validada, o que implica questões do seguinte teor:
2.1.   Os Avaliadores tiveram conhecimento das conclusões do processo de Avaliação anterior, nomeadamente das recomendações então dirigidas aos Centros pelos membros da Comissão de Avaliação?
2.1.1.   Na ponderação, pelos actuais avaliadores, da evolução do CLEPUL entre 2008 e 2012, não se encontra qualquer referência à conformidade com orientações recebidas no Parecer de 2008, nem ao sucesso obtido na prossecução das metas definidas. O mesmo sucedeu com muitos outros Centros, como é hoje público e notório.
2.2.   Qual o reflexo efectivo do trabalho das Comissões de Acompanhamento Científico que a FCT exige, expresso nos Pareceres periodicamente emitidos? Qual foi o exercício de validação da avaliação feita com cruzamento de dados no plano diacrónico e sincrónico? Vejamos:
2.2.1.     Foram lidos e tidos em conta os Pareceres periódicos dos peritos que cada Centro convida como consultores, de acordo com critérios estritos impostos pela FCT? E os Pareceres finais e conclusivos? Todos esses pareceres, extensos e fundamentados, emitidos por universitários portugueses e estrangeiros de renome, especialistas reconhecidos nas áreas específicas que apreciam, contêm, implícita ou explicitamente, avaliação do trabalho realizado e orientações para o afinar da estratégia dos Centros. No caso do CLEPUL, bem como no caso de outros Centros, não se encontra qualquer referência à existência, quanto mais ao conteúdo, desses Pareceres.
2.2.2. A decisão de excluir do diálogo os Centros aos quais os Avaliadores atribuem Bom é contrária ao espírito universitário e a um modelo de juízo eticamente definido pela tradição cultural humanista e europeia, em que prevalece o diálogo aberto como meio fundamental de aprendizagem, debate, validação e aprofundamento do conhecimento.
2.2.3.     Assim, a decisão de ignorar os Centros classificados com Bom, cujo trabalho na avaliação anterior obteve Muito Bom ou Excelente, assenta no apagamento dos pareceres e recomendações emitidos ao longo de anos por peritos nacionais e internacionais reconhecidos pelos avaliados e pela comunidade científica em geral.
2.2.3.1.  Também aqui não se verificaram reflexos da experiência de avaliação anterior: a anterior avaliação (de 2008) demonstrou que o juízo dos avaliadores, em muitos casos, mudou radicalmente durante a visita a muitos centros: a consulta de bibliografia disponibilizada e o diálogo com os investigadores esclareceu o que os Relatórios não permitiram.
2.2.3.2.        Também aqui não se verifica o escrúpulo na validação de informação, apesar de ser consensual que todo o relatório é uma síntese elaborada ad hoc: os itens nem sempre são claros, os limites e os formulários nivelam a quantidade e a qualidade, os objectivos últimos e os critérios mais decisivos da avaliação não são suficientemente claros à partida para permitirem a elaboração de relatórios mais adequados a eles.
2.2.3.3.        Só há eficácia e inovação quando se conhece bem, na diacronia e na sincronia, o que se quer transformar. Ora, a presente Avaliação das Unidades de Investigação da FCT traduz-se numa redução brutal do número de Centros e Investigadores activos no país, assentando em alicerces frágeis, pois os documentos produzidos pelos Avaliadores não apresentam nem uma fundamentação rigorosa e cabal, nem uma validação suficiente para as conclusões e classificações propostas.
2.3.   Houve clareza e correcção no processo de avaliação no que se refere à sua regulamentação, procedimentos, etc.?
2.3.1.   Todo o exercício de avaliação implica regras declaradas e fixadas desde o início, sem flutuações nem indefinições. Aqui, desde 2008, assistimos a uma sistemática alteração das regras, das condições e dos critérios de avaliação. Durante o processo de avaliação, registaram-se mudanças nos prazos, nos formulários, nas orientações e indefinição do júri.
2.3.2.     Todo o exercício de avaliação científica a este nível deve implicar reconhecimento entre avaliador e avaliado, de modo a que este adeque a apresentação do seu trabalho ao destinatário: não se trata de um exercício de retórica de manipulação, mas de genuína, adequada e rigorosa selecção de dados a esclarecer, a evidenciar ou a dispensar de menção.
3.      Cumpre, ainda, ponderar a avaliação produzida pelos júris e a sua fundamentação, o que implica questões como:
3.1.   no plano da classificação:
3.1.1.   na 1ª fase, foram 3 as notas quantitativas. A semelhança de juízo entre as classificações, revelaria sintonia nos critérios, nos objectivos, no procedimento, no conhecimento das matérias, etc., consistência de avaliação. Ora, o que se verificou foi o cenário inverso: o leque de variação na classificação ultrapassou os 4 valores e, em certos casos, atingiu 8. A amplitude é, só por si, estranha e inaceitável;
3.1.2.     na 2.ª fase, a nota qualitativa exprimiu uma média ponderada das classificações da 1.ª fase? Em muitos casos, a média justificaria nota superior;
3.2.   no plano da fundamentação:
3.2.1.   os Pareceres deveriam sinalizar conhecimento complementar aos Relatórios, ou seja, dos sites, de Relatórios anteriores, e, em especial, do Plano 2008-2102, cujo resultado é matéria em avaliação, confrontando plano/projecto e sua execução. Não foi isso que aconteceu: nada externo ao Relatório de 2014 dos centros foi convocado pelos Pareceres;
3.2.2.    o Relatório conclusivo deveria reflectir os esclarecimentos da 1ª resposta dos centros, demonstrando a sua atenta ponderação. Ora, mais uma vez, a sua leitura revela que esses esclarecimentos, em geral, não foram tidos em conta sem que se compreenda porquê: as objecções e as reservas tenderam a manter-se, registando-se mudança quase só no que se refere ao óbvio.
4.      Por fim, e considerando a reacção dos avaliados aos resultados das avaliações, há avaliação dos avaliadores e do processo de avaliação? Como e em que termos? Com que consequências para o processo ainda em curso?

Convirá assinalar dois aspectos que evidenciam uma cumulativa menorização e desqualificação da FCT e de Portugal:

  1. a FCT paga a uma European Science Foundation para avaliar a investigação científica que ela própria tem tutelado, obtendo dela a total desconsideração do modo como o tem assegurado desde 2008 (o de 2008 e dos pareceres das Comissões Externa de Acompanhamento Científico, cf. acima 2.);
  2. a FCT e Portugal pagam uma avaliação, aceitando que a língua portuguesa seja totalmente excluída do processo de avaliação (mesmo no caso do trabalho sobre a cultura e a literatura portuguesas!) e da sua consideração no plano da produção bibliográfica, exclusão que, só por si, contraria os valores da Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (1996) e da Carta Europeia do Plurilinguismo e os direitos inerentes à cidadania europeia (com 23 língua oficiais, além de outras). Ora, além de ser uma língua oficial da UE, o português é a 5ª língua mais falada no mundo, a 3ª mais falada no hemisfério ocidental e a mais falada no hemisfério sul.
Acresce que é inaceitável, do ponto de vista ético, que a escassez de recursos financeiros contagie o processo de classificações. Cotas para a atribuição de financiamento por razões de indigência de tesouraria poderão ser inevitáveis. Mas classificar precipitada e injustamente a actividade científica dos Centros por razões de falta de verbas releva de indigência moral.
Direcção e Coordenadores do CLEPUL


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