A cada dia que passa, as escolas detectam mais e mais crianças com fome. Treze mil, diz-se nos jornais de hoje. Agora são os hospitais que falam. Um grande hospital comunicou ao país, sem sofismas de qualquer espécie, que lhe chegam inúmeras crianças cuja doença é a fome. Não, nem todos "chegaremos vivos" aonde quer que se entenda que temos de chegar.
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
Adeus, minhas amigas, até ao meu improvável regresso
"... Últimos, disse bem, últimos programas originais de Questões de Moral. E se eu soubesse que eram estes os últimos não me despediria assim com estes assuntos, mas enfim... Ana Almeida Dias e Cristina do Carmo, obrigado por tudo. Adeus, minhas amigas, até ao meu improvável regresso!"
Estas foram as palavras iniciais e finais do último episódio de um admirável programa da rádio pública portuguesa, "escrito e realizado por Joel Costa".
Perguntei a quem devia, qual a razão para que, no dia vinte e nove do passado mês de Outubro, tivesse acabado, apanhando de surpresa os ouvintes e... o próprio autor, pelo menos a avaliar pelas suas palavras... Resposta correcta, burocrática, acreditei.
Mas, disse-me alguém, as dissertações de Joel Costa, incisivas, claras e irónicas sobre "temas sensíveis", podem ter pesado... Talvez, sim...
Mas, disse-me alguém, as dissertações de Joel Costa, incisivas, claras e irónicas sobre "temas sensíveis", podem ter pesado... Talvez, sim...
Movimentam-se ouvintes para que Questões de Moral volte à Antena 2 ou a outra antena que o acolha. Que isso se torne possível, pois precisamos de ideias fundamentais a circular, tanto como de pão para a boca, sendo que ambos se tornam bens mais escassos a cada dia que passa.
Moralidade e relativismo
A não muito edificante história da humanidade parece mostrar que os seres humanos têm uma grande dificuldade em conviver com as diferenças — de opinião, de estilos de vida, de escolhas sexuais, de religiões e até da cor da pele. Isto não é biologicamente surpreendente; em colónias de símios é comum os desgraçados que têm o azar de nascer albinos ou com alguma malformação serem abandonados para morrer, ou activamente mortos. Os mesmíssimos impulsos que fazem os seres humanos defender o seu grupo, fazem-nos atacar o que vêem como uma ameaça ao seu grupo. Esta mentalidade tribal existe ainda hoje, pois somos biologicamente iguais aos nossos mais remotos antepassados.
Contudo, com a crescente mistura de seres humanos diferentes, tivemos de aprender, de algum modo, a conviver com as diferenças. Hoje convivemos melhor com elas do que há duzentos anos, ou até mesmo do que há cem anos. Temos mais consciência da importância de respeitar qualquer ser humano, independentemente das suas convicções, etnia, estilos de vida, religião ou escolhas sexuais. Há ainda muito trabalho a fazer no sentido de acabar com a discriminação injusta, mas estamos pelo menos no caminho certo.
Contudo, a mentalidade tribal é de tal modo poderosa, que poucas pessoas compreendem realmente o conceito de aceitação da diferença. Este foi um factor que fez nascer os populares relativismos contemporâneos. Muitas pessoas são incapazes de aceitar realmente as diferenças e por isso sentem-se forçadas a pensar que toda a gente é igual, toda a gente tem razão, e cada qual tem a sua verdade. De modo que quando alguém defende a aceitação das diferenças irredutíveis, em vez da opressão das pessoas com crenças diferentes das suas, é imediatamente compreendida como se fosse relativista. Pois não é fácil entender a ideia de que se pode defender o acolhimento das pessoas que têm crenças que consideramos completamente tolas, falsas, danosas para elas mesmas e fruto da ignorância, sem ao mesmo tempo defender que elas têm razão, ou que o que elas pensam é “verdadeiro para elas”.
A tolerância relativista é pseudotolerância. Pois se consideramos que quem está convicto de que a Terra é plana tem tanta razão quanto nós, nenhuma tolerância precisamos para a aceitar. A tolerância genuína é tolerar o que é factual e cientificamente falso, desde que as pessoas que têm essas crenças se prejudiquem inequivocamente apenas a si próprias. E esta tolerância, ao contrário da pseudotolerância do relativista, é perfeitamente compatível com um trabalho de esclarecimento, debate e informação — sob a condição, contudo, de que no fim deste trabalho, se as pessoas continuarem a rejeitar os factos e resultados científicos, têm todo o direito a fazê-lo.
Ora, para que este direito não seja vazio, é crucial que estas pessoas se sintam não apenas toleradas a contragosto, mas genuinamente acolhidas em toda a sua dignidade de seres humanos, respeitadas, incluídas nas nossas instituições e jamais discriminadas por terem convicções cientificamente falsas.
Quando estará a nossa sociedade pronta para dar este importante passo em frente? Enquanto só estivermos dispostos a integrar plenamente na nossa sociedade as pessoas que não têm crenças que consideramos cientificamente falsas e danosas para elas mesmas, estaremos longe de uma sociedade melhor. Substituir a ditadura da ignorância pela ditadura da ciência não é um grande avanço, porque o problema da ditadura é a ditadura, sendo irrelevante se é a da ignorância ou outra qualquer.
Há uma grande diferença entre informar e impor. Há uma grande diferença entre mostrar por que razão algo é enganador e até perigoso para a saúde das pessoas, e impedi-las de o fazer ou de se sentirem plenamente integradas porque o escolhem fazer. Mas a mentalidade tribal é avessa a estas distinções subtis. E insiste-se então no falso dilema: ou somos relativistas e aceitamos que cada qual tem “a sua verdade” (uma posição filosófica incoerente), caso em que aceitamos todas as crenças, por mais que saibamos cientificamente serem falsas, ou rejeitamos as crenças que sabemos serem cientificamente falsas, precisamente por serem cientificamente falsas. Isto é um falso dilema porque temos uma terceira alternativa muito mais promissora: aceitar as pessoas em toda a sua dignidade, integrá-las o máximo possível na nossa sociedade, respeitar sem restrições o seu direito a crer, ensinar, praticar e divulgar falsidades científicas, e ao mesmo tempo reivindicar o mesmíssimo direito que lhes concedemos para fazermos nós um trabalho de esclarecimento, informação e divulgação da ciência.
O grande obstáculo à efectivação desta atitude é a mesmíssima mentalidade tribal que nos fez durante milhares de anos discriminar as pessoas com base na cor da pele e noutras irrelevâncias. É essa mentalidade tribal que faz as pessoas querer usar o poder do estado para impedir ou pelo menos limitar e dificultar fortemente a vida daqueles que cometem a heresia de acreditar em falsidades científicas. Numa sociedade justa e livre, o estado é um instrumento ao serviço do bem da humanidade — e a humanidade inclui toda a gente, incluindo quem não tem fé na ciência. Quem quer usar o estado para excluir partes substanciais da humanidade quer usar o estado para oprimir, e não para servir a humanidade. Essa é precisamente a marca do pensamento ditatorial, no qual as pessoas existem para servir o estado, em vez de ser o estado a existir para servir as pessoas.
Contudo, com a crescente mistura de seres humanos diferentes, tivemos de aprender, de algum modo, a conviver com as diferenças. Hoje convivemos melhor com elas do que há duzentos anos, ou até mesmo do que há cem anos. Temos mais consciência da importância de respeitar qualquer ser humano, independentemente das suas convicções, etnia, estilos de vida, religião ou escolhas sexuais. Há ainda muito trabalho a fazer no sentido de acabar com a discriminação injusta, mas estamos pelo menos no caminho certo.
Contudo, a mentalidade tribal é de tal modo poderosa, que poucas pessoas compreendem realmente o conceito de aceitação da diferença. Este foi um factor que fez nascer os populares relativismos contemporâneos. Muitas pessoas são incapazes de aceitar realmente as diferenças e por isso sentem-se forçadas a pensar que toda a gente é igual, toda a gente tem razão, e cada qual tem a sua verdade. De modo que quando alguém defende a aceitação das diferenças irredutíveis, em vez da opressão das pessoas com crenças diferentes das suas, é imediatamente compreendida como se fosse relativista. Pois não é fácil entender a ideia de que se pode defender o acolhimento das pessoas que têm crenças que consideramos completamente tolas, falsas, danosas para elas mesmas e fruto da ignorância, sem ao mesmo tempo defender que elas têm razão, ou que o que elas pensam é “verdadeiro para elas”.
A tolerância relativista é pseudotolerância. Pois se consideramos que quem está convicto de que a Terra é plana tem tanta razão quanto nós, nenhuma tolerância precisamos para a aceitar. A tolerância genuína é tolerar o que é factual e cientificamente falso, desde que as pessoas que têm essas crenças se prejudiquem inequivocamente apenas a si próprias. E esta tolerância, ao contrário da pseudotolerância do relativista, é perfeitamente compatível com um trabalho de esclarecimento, debate e informação — sob a condição, contudo, de que no fim deste trabalho, se as pessoas continuarem a rejeitar os factos e resultados científicos, têm todo o direito a fazê-lo.
Ora, para que este direito não seja vazio, é crucial que estas pessoas se sintam não apenas toleradas a contragosto, mas genuinamente acolhidas em toda a sua dignidade de seres humanos, respeitadas, incluídas nas nossas instituições e jamais discriminadas por terem convicções cientificamente falsas.
Quando estará a nossa sociedade pronta para dar este importante passo em frente? Enquanto só estivermos dispostos a integrar plenamente na nossa sociedade as pessoas que não têm crenças que consideramos cientificamente falsas e danosas para elas mesmas, estaremos longe de uma sociedade melhor. Substituir a ditadura da ignorância pela ditadura da ciência não é um grande avanço, porque o problema da ditadura é a ditadura, sendo irrelevante se é a da ignorância ou outra qualquer.
Há uma grande diferença entre informar e impor. Há uma grande diferença entre mostrar por que razão algo é enganador e até perigoso para a saúde das pessoas, e impedi-las de o fazer ou de se sentirem plenamente integradas porque o escolhem fazer. Mas a mentalidade tribal é avessa a estas distinções subtis. E insiste-se então no falso dilema: ou somos relativistas e aceitamos que cada qual tem “a sua verdade” (uma posição filosófica incoerente), caso em que aceitamos todas as crenças, por mais que saibamos cientificamente serem falsas, ou rejeitamos as crenças que sabemos serem cientificamente falsas, precisamente por serem cientificamente falsas. Isto é um falso dilema porque temos uma terceira alternativa muito mais promissora: aceitar as pessoas em toda a sua dignidade, integrá-las o máximo possível na nossa sociedade, respeitar sem restrições o seu direito a crer, ensinar, praticar e divulgar falsidades científicas, e ao mesmo tempo reivindicar o mesmíssimo direito que lhes concedemos para fazermos nós um trabalho de esclarecimento, informação e divulgação da ciência.
O grande obstáculo à efectivação desta atitude é a mesmíssima mentalidade tribal que nos fez durante milhares de anos discriminar as pessoas com base na cor da pele e noutras irrelevâncias. É essa mentalidade tribal que faz as pessoas querer usar o poder do estado para impedir ou pelo menos limitar e dificultar fortemente a vida daqueles que cometem a heresia de acreditar em falsidades científicas. Numa sociedade justa e livre, o estado é um instrumento ao serviço do bem da humanidade — e a humanidade inclui toda a gente, incluindo quem não tem fé na ciência. Quem quer usar o estado para excluir partes substanciais da humanidade quer usar o estado para oprimir, e não para servir a humanidade. Essa é precisamente a marca do pensamento ditatorial, no qual as pessoas existem para servir o estado, em vez de ser o estado a existir para servir as pessoas.
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
Entrevista a Cristina Carvalho a propósito da biografia “Rómulo de Carvalho/António Gedeão – príncipe perfeito”
Entrevista a Cristina Carvalho a propósito da biografia “Rómulo de Carvalho/António Gedeão – príncipe perfeito” que acaba de ser publicada pela Editorial Estampa.
Esta entrevista foi primeiramente publicada na imprensa regional.
António Piedade (AP) -
Porque é que escreveu o livro, porque é que o escreveu agora?
Cristina Carvalho (CC) – Nunca na minha vida
me tinha ocorrido escrever estes apontamentos biográficos sobre a vida de meu
pai. Sim, concordo que esse pensamento me podia ter até aconchegado, que seria
natural eu poder escrever sobre ele, e seria! Mas nunca tal ideia me aconteceu.
Foi por um convite da editorial Estampa, uma, duas, três vezes insistido que
tal veio a acontecer. Não foi fácil. Tal como digo no início do livro, não foi
nada fácil. Por questões psicológicas, por questões sentimentais, por razões
várias pouco dignas de interesse para quem lê esta entrevista, mas muito
importantes para mim. Contudo, acabei por aceitar o convite. E nunca me
arrependi. Foi uma experiência única, escrever estes breves apontamentos
biográficos.
AP - Que tipo de leitores tinha em mente quando o estruturou e
escreveu?
CC - Nunca tive em mente um determinado tipo de leitores embora
soubesse e pudesse prever a existência de um público leitor muito mais
interessado do que outro neste tipo de narrativa e sobre a pessoa que foi
Rómulo de Carvalho/António Gedeão, a começar por esse imenso número de alunos
que estão vivos, que o conheceram e
apreciaram e até amaram. Portanto, como disse, não estruturei o livro nem o
escrevi pensando em alguém, especialmente. Embora seja uma narrativa com certas
características muito específicas, foi este um outro livro que escrevi depois
de ter conseguido libertar-me de certas atitudes e de certas visões.
AP - Que tipo de leitores espera que leia o livro?
CC – Esta resposta vem um pouco no seguimento da anterior. Realmente,
há “tipos” de leitores se assim quisermos catalogar. E também há “tipos” de
livros.
Se me pergunta que tipo
de leitores eu espero que leia este livro, eu diria, todo o tipo de leitores,
embora eu saiba que isso não é possível. Um escritor escreve para ser lido, não
escreve com o fito determinado de ser lido por este ou por aquele. Mas sabe-se
que isso não acontece assim. Há, de facto, da parte de toda a gente inclinação
ou apetência ou gosto ou prazer ou o que quisermos chamar por certos livros. Eu
não gosto de certa literatura assim como a pessoa que vai ali no autocarro pode
gostar daquilo que eu não gosto. É uma atitude cultural, não é? Se uma pessoa
aprendeu a conhecer e a gostar e a escolher determinado escritor ou determinado
tipo de escrita ou certos temas, dificilmente se prenderá com outro tipo de
escrita, só mesmo por curiosidade. E às vezes essa curiosidade pode levar a
situações impensáveis, isso também é verdade. Eu posso julgar que não gosto
daquele livro e, afinal, gosto muito! O que eu gostaria mesmo é que este livro
pudesse ser útil e ser lido por muita, muita gente.
AP – Rómulo de Carvalho escreveu o principal estudo sobre a
História da Educação em Portugal. Desde o início da nacionalidade até ao 25 de
Abril. Na proximidade que manteve com o seu pai, pode dizer-nos algo sobre a
opinião dele em relação ao estado da educação em Portugal a seguir a 1974 e até
os últimos anos da sua vida?
CC – Efectivamente a “História do Ensino em Portugal”, editada pela
Fundação Gulbenkian e que já conheceu várias reedições é considerada por muitas
pessoas que se interessam pelas questões da pedagogia e do ensino em Portugal
como obra-mestra sobre esta temática. Já ouvi chamar-lhe uma espécie de
“bíblia” para professores e técnicos nesta matéria. Trata-se, na verdade, de
uma obra de referência que oferece uma panorâmica muito interessante e às vezes
surpreendente sobre a evolução e os vários ciclos do ensino no nosso país,
desde a fundação da nacionalidade até ao 25 de Abril de 1974.
Significativamente, terminou nessa data a abordagem que ele fez à história do
ensino.
O ensino, segundo eu
depreendo da leitura das “Memórias” e das abordagens privadas e públicas por
ele feitas, era visto como uma questão fundamental para o desenvolvimento da
sociedade. No período que se seguiu à Revolução, tal como aconteceu noutras
áreas da vida portuguesa, o ensino e as escolas passaram por grandes convulsões
e perturbações. Foi perante essa situação que ele abandonou, reformando-se
antecipadamente, a carreira a que se dedicara toda a vida. Maior expressão do
que esta sobre o que ele pensaria acerca do rumo que o ensino estava a levar
não poderá haver. No entanto, recomendo a leitura das suas “Memórias” onde ele
exprime em várias oportunidades o que pensava sobre este assunto.
AP – Rómulo de Carvalho é o nosso “patrono” da divulgação de
ciência. Como é que a Cristina Carvalho classifica a evolução da divulgação de
ciência em Portugal nas últimas décadas?
CC - Não serei a pessoa mais habilitada para responder a esta
questão, mas do que nos é dado observar à vista desarmada não parece haver
dúvidas de que se deram passos de gigante tanto no desenvolvimento da
investigação científica em Portugal e da sua inserção nas redes internacionais
da Ciência, como na divulgação científica. Felizmente há pessoas de elevada
craveira que brilham no firmamento da Ciência internacional e entre essas
pessoas são bastantes os jovens que se têm distinguido. Só espero que esta
caminhada prossiga e possa dar ao país e ao mundo grandes contributos para o
desenvolvimento global e em todos os sentidos.
António Piedade
Conversa fiada
Dei uma entrevista a Matheus Moura, para a revista Filosofia, da Escala Educacional, que pode ser lida aqui.
O que é que a Internet está a fazer aos nossos cérebros?
O professor Samuel Branco, mestre de Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação e sempre atento a questões de educação, chamou-me a atenção para uma entrevista interessantíssima que saiu no jornal Público de hoje feita por Joana Gorjão Henrique a Nicholas Carr, autor de diversos trabalhos sobre a influência que o uso da internet tem no cérebro: Is Google making us stupid? (edição online da revista The Atlantic); Does it Matter? (2004); The Big Switch: Rewiring the World, from Edison to Google (2008); The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains (2012).
Destaco, de seguida, os aspectos mais relevantes para o campo do ensino.
"(...) Perdemos a capacidade de afastar as distracções e de sermos pensadores atentos, de nos concentrarmos no nosso raciocínio (...) A forma como a Internet se desenvolveu tornou-a mais distractiva, exigindo às pessoas que retenham constantemente pequenas partes de informação e que monitorizem pequenas correntes de informação (...) passámos do modelo de ir a uma página web ver o que tinha para oferecer para o modelo de informação que está a correr constantemente e que aparece de vários sítios (...). Isso encorajou as pessoas a aceitar interrupções constantes, a fazer várias coisas ao mesmo tempo. Perdemos a capacidade de afastar as distracções e de sermos pensadores atentos, de nos concentrarmos no nosso raciocínio, ou seja, a forma como a tecnologia evoluiu nos últimos anos tornou-se mais distractiva; encoraja uma forma de pensar que é a de passar os olhos pela informação e desencoraja um pensamento mais atento
(...)
A tecnologia é usada por mais velhos e mais novos e os efeitos tendem a ser os mesmos para a maioria. A diferença é que quanto mais cedo se está imerso na tecnologia – e é verdade que a tecnologia está a ser usada por pessoas cada vez mais novas –, maiores serão os efeitos na forma como aprendem a pensar. Uma das coisas que se sabem é que as grandes mudanças no nosso cérebro acontecem quando somos novos. Portanto, se as crianças estão imersas numa tecnologia que encoraja o multitasking e o pensamento distractivo, vão adaptar-se a isso e infelizmente não vão ter a oportunidade ou o incentivo para desenvolver modos de pensar mais contemplativos e reflexivos. Há o mito de que os “nativos digitais” não sofrem os efeitos das novas tecnologias, porque se adaptam desde cedo. Acontece que isso é completamente errado, são bastante influenciados pelos aspectos positivos e negativos da tecnologia, porque ela marca a forma como pensam desde o princípio.
(...)
As conexões do nosso cérebro formam-se durante esse período em que lançamos as fundações do nosso modo de raciocinar que perdura o resto das nossas vidas. Se a maior parte da nossa experiência se centra em olhar para um ecrã, em particular um ecrã de computador, que encoraja mudanças rápidas na nossa atenção, o multitasking e a atenção repartida, então esse passa o ser o modo como optimizamos o nosso cérebro para agir – treinamo-nos a nós próprios para pensar dessa forma. Por outro lado, se não dermos oportunidade para desenvolver outros modos de pensar mais atentos que requerem concentração – o tipo de pensamento que é encorajado, por exemplo, por um livro impresso, porque não há mais nada além das páginas –, isso vai influenciar a forma como pensamos e mais especificamente a estrutura do nosso cérebro. Essencialmente, estamos a fazer uma escolha ao disponibilizar a tecnologia para crianças cada vez mais novas, estamos a fazer com que elas pensem de uma forma que diria superficial, dando informação a toda a hora, dividindo a sua atenção. Não penso que isto seja a primeira vez que isto acontece com a tecnologia, mas a sociedade devia fazer julgamentos sobre a forma como usamos as nossas mentes baseados no que a tecnologia tem de bom e de mau.
(...)
Algumas pessoas podem dizer que o pensamento mais tranquilo, contemplativo, não é muito importante, que deveríamos tornar-nos mais superficiais e obter informação mais rapidamente. Há outras pessoas, como eu, que defendem que há certos aspectos da mente humana a que só temos acesso quando prestamos atenção. Há provas de que a atenção é crucial para a formação de memória, para o pensamento crítico e conceptual e, por isso, essas formas de pensar são extremamente importantes para aproveitar todo o potencial da mente humana. Falando da memória a longo prazo, uma das coisas que os aparelhos nos permitem fazer – o computador, o email, o telemóvel – é documentar e arquivar as nossas conversas, relações, muito mais do que antes.
(...) Há estudos que mostram que quanto mais se acredita que se vai encontrar algo através do Google, menos provável é que nos lembremos disso. Não há nada de errado nisso, sempre houve livros. O perigo aqui é que algumas pessoas pensem que, se tudo estiver disponível online, não temos de nos lembrar de nada, não temos de ter essa informação pessoal na nossa memória a longo prazo. A questão é que a memória pessoal é diferente daquilo que está online. Muita da riqueza do nosso pensamento vem da nossa capacidade de deslocar informação – factos, emoções – da nossa memória de curto prazo para a nossa memória a longo prazo. É através desse processo – daquilo a que os psicólogos chamam “consolidação da memória” – que ligamos aquilo que sabemos, aquilo que aprendemos, a nossa experiência com outros factos e experiências. E são essas conexões, essas conexões pessoais que fazemos entre toda a informação que está na nossa memória, que nos permitem pensar conceptualmente, ir além dos pequenos bocados de informação e factos que os computadores fornecem e formar um conhecimento pessoal único – o que na verdade desenvolve o eu pessoal (...). Mas se sacrificamos a nossa memória pessoal porque acreditamos que podemos encontrar tudo online, então perdemos a base do nosso pensamento mais profundo."
O TEMPO EM GEOLOGIA - Nota complementar
Nota complementar ao texto O tempo em geologia, publicado no passado dia 21, que nos foi enviado pelo seu autor, o Professor Galopim de Carvalho.
Ao reler o texto acima identificado, pareceu-me dever completá-lo com os elementos que se seguem.
Os avanços da Física com reflexos na avaliação da idade dos minerais e das rochas foram objecto de continuidade e aperfeiçoamento a partir dos anos cinquenta do século XX, nomeadamente, a partir do conhecimento dos tempos de meia-vida (na ordem dos milhares de milhões de anos) de alguns isótopos radioactivos presentes em determinados minerais das rochas, como são, entre outros, o isótopo 40 do potássio (40K) e o 87 do rubídio (87Rb), nos feldspatos potássicos (ortoclase, microclina) e nas micas (moscovite e biotite), ou os isótopos 235 e 238 do urânio (235U e 238U), e o 232 do tório (232Th), em outros minerais. Passou, então a falar-se de geocronologia isotópica.
As datações dos minerais e das rochas por esta via têm vindo progressivamente a enquadrar as antigas escalas litostratigráficas e biostretigráficas, integrando-as numa outra, conhecida por escala cronostratigráfica, expressa em milhões de anos, constantemente actualizada e aperfeiçoada.
Passámos, assim, a poder escalonar no tempo e em termos absolutos, a história de Terra e da Vida.
Ao reler o texto acima identificado, pareceu-me dever completá-lo com os elementos que se seguem.
Os avanços da Física com reflexos na avaliação da idade dos minerais e das rochas foram objecto de continuidade e aperfeiçoamento a partir dos anos cinquenta do século XX, nomeadamente, a partir do conhecimento dos tempos de meia-vida (na ordem dos milhares de milhões de anos) de alguns isótopos radioactivos presentes em determinados minerais das rochas, como são, entre outros, o isótopo 40 do potássio (40K) e o 87 do rubídio (87Rb), nos feldspatos potássicos (ortoclase, microclina) e nas micas (moscovite e biotite), ou os isótopos 235 e 238 do urânio (235U e 238U), e o 232 do tório (232Th), em outros minerais. Passou, então a falar-se de geocronologia isotópica.
As datações dos minerais e das rochas por esta via têm vindo progressivamente a enquadrar as antigas escalas litostratigráficas e biostretigráficas, integrando-as numa outra, conhecida por escala cronostratigráfica, expressa em milhões de anos, constantemente actualizada e aperfeiçoada.
Passámos, assim, a poder escalonar no tempo e em termos absolutos, a história de Terra e da Vida.
LIVROS PARA O NATAL
Meu artigo no Público de hoje:
Venho sugerir alguns livros para oferecer no
Natal. Não, não são as “bestas céleres”
(a expressão é de Alexandre O’Neill) da autoria de E. L. James, J. K. Rowling
ou M. R. Pinto, que têm inevitavelmente mais leitores do que merecem, mas obras
que merecem mais atenção do que aquela que provavelmente vão ter. A ordem é
alfabética pelo apelido do prmeiro autor:
- Cristina Carvalho. Rómulo de Carvalho / António Gedeão. Príncipe Perfeito (Estampa). Já havia uma auto-biografia (Memórias, Fundação Gulbenkian, 2010),
mas a filha do professor de ciências e poeta, também ela escritora, escreveu
uma biografia de uma personagem ímpar da cultura portuguesa do século XX. Um
retrato tirado de perto de um autor cuja memória é inspiradora.
- Umberto Eco, Confissões
de um Jovem Escritor (Livros Horizonte). Confesso-me devorador dos livros de Umberto Eco, sendo
este apenas mais um a juntar à longa colecção que possuo do professor e
ensaísta da Universidade de Bolonha. Eco fala aqui da oficina do escritor, do
entrelaçamento entre ficção e não ficção que ele concretiza nas suas obras de
um modo peculiar. O seu último romance ainda é O Cemitério de Praga (Gradiva),
saído no ano passado.
- Miguel Figueira de Faria (coordenação). Do Terreiro do Paço. História de um espaço
urbano (Imprensa Nacional - Casa da Moeda e Universidade Autónoma). Grande
livro, belamente ilustrado, vindo a lume de um prelo prestigiado, que documenta
as transformação da “sala de visita” da nação (recentemente pólo de atracção renovado
com a abertura ao público da ala nascente). No Paço Real, destruído pelo
terramoto de 1755, teve lugar no reinado de D. João V tanto a primeira ascensão
em balão como a primeira observação realizado num observatório astronómico
português. Houve também no Terreiro do Paço, convém lembrar, autos-de-fé, que
aquele rei tanto apreciava.
- Stephen Greenblatt, A Grande Mudança. Origem e história do pensamento moderno (Clube do
Autor). Um professor de Harvard, especialista em Shakespeare e no seu tempo,
conta-nos neste livro premiado com o Pulitzer a descoberta numa abadia alemã no
século XV de um manuscrito do poeta latino Titus Lucrécio Caro, De Rerum Natura (Sobre a Natureza das
Coisas). O encontro do poema clássico precedeu o Renascimento e a subsequente
Revolução Científica. O título de Lucrécio foi tomado por um blogue convidado
do Público, centrado no cruzamento
das ciências e das humanidades.
- Fernando Pessoa, Ibéria. Introdução a um imperialismo futuro (Ática). A arca pessoana
parece não ter fundo. Na nova série das Obras de Fernando Pessoa, com as
tradicionais capas brancas e austeras, esta cuidada edição de Jerónimo Pizarro e
Pablo Javier López faculta-nos a visão, fragmentada, de Pessoa sobre a
Península, cuja divisão apenas entre Portugal e Espanha volta hoje a ser
questionada pelos movimentos na Catalunha.
- Onésimo Teotónio Almeida e João Maurício Brás, Utopias em Dói Menor. Conversas transatlânticas
com Onésimo (Gradiva). O filósofo, historiador e cronista português, professor
da Universidade Brown, responde numa cativante entrevista a várias questões do
pensamento contemporâneo colocadas por um filósofo, não se esquecendo de
referir algumas idiosincracias nacionais que convém mudar. O prefácio é do
autor destas linhas e o posfácio de José Eduardo Franco, professor da
Universidade de Lisboa.
- Nuno Santos, Luís Tirapicos e Nuno Crato, Outras Terras no Universo. Uma história de
descoberta de novos planetas (Gradiva). Lançado no dia de aniversário de
Rómulo de Carvalho, Dia Nacional da Cultura Científica, no Centro Ciência Viva
da Universidade de Coimbra, o livro dá conta de uma das fronteiras mais actuais
da ciência: a procura de planetas extra-solares. O primeiro autor, astrofísico
da Universidade do Porto, é um dos investigadores mais activos na identificação
desse tipo de astros. O último autor, apesar de arredado nos últimos meses da
divulgação científica, continua a ser um dos maiores escritores de ciência
entre nós. O editor, Guilherme Valente, recebeu no referido dia o Grande Prémio
Ciência Viva, tendo na ocasião sido invocados os 30 anos da colecção Ciência Aberta de que este volume é o
número 197.
- Irvin D. Yalom, O Problema Espinosa (Saída de Emergência). Da pena de um professor
em Stanford e psicoterapeuta, autor de Quando
Nietzsche Chorou, um romance baseado na vida e obra de Bento Espinosa, o
filósofo de origem portuguesa que foi excomungado por heresia, na Sinagoga
Portuguesa de Amesterdão. Espinosa é também o tema de um livro do neurocientista
português António Damásio, Ao Encontro de
Espinosa (Temas e Debates e Círculo de Leitores, 2013), saído agora de novo
em edição revista e com novo prefácio.
Boas Festas e boas leituras!
A Aprovação da Nova Proposta de Lei Sobre Associações Públicas Profssionais e a Mediocratização das Ordens Profissionais
“Surpreender-se é começar a entender” (Ortega y Gasset,
1883-1955).
Em jeito de
introdução, começo por lembrar que o ódio institucional contra as ordens profissionais
teve o auge na não aceitação da “licenciatura” de José Sócrates na Ordem dos
Engenheiros.
Et por cause, começo
a
fartar-me de usar paninhos quentes no que se refere ao tratamento de
favoritismo dado à criação de algumas
ordens profissionais existentes em contraste com as dificuldades
levantadas à criação da Ordem dos Professores. E mais me incomodo com a
aparente apatia, com honrosas excepções,
de quem nesta matéria deveria ter uma
voz activa e altissonante e se remete,
muitas vezes, e a um silêncio cúmplice, no mínimo cómodo, ou mesmo de
subserviência de escravo grego no que respeita à educação dos filhos de gente
patrícia: os professores de posse de habilitações académicas universitárias.
Por esse facto, seria
injustiça minha não registar aqui, com um orgulho que não quero nem devo enjeitar,
a transcrição que foi feita no
blogue “Cidade Lusa”, em 8 de Junho de 2012, de um dos meu posts publicado no DRN: “Ainda as Ordens e Câmaras
Profissionais e Respectivo Ante–Projecto de Regulamento” (06/06/2012) Reproduzo essa transcrição: “Vamos iniciar o
combate pela criação da Ordem dos Professores, transcrevendo com a devida
vénia, este artigo de alguém que lidera a luta há muitos anos.”
Acontece que esta
temática assume nova actualidade ,
através da aprovação, pela Assembleia da República, da Proposta de Lei n.º
87/./2012, de 21 de Novembro, que estabelece o regime jurídico de criação,
organização e funcionamento das associações públicas profissionais, constando desta extensa legislação VII Capítulos e 55 artigos, temendo eu que, a
exemplo de um livro de Pio Barojo, estejamos em presença da exigência de um
ministro espanhol, que dirigindo-se ao secretário, o advertia: “Senhor Rodriguez, veja se a lei
está redigida com a suficiente confusão”.
De entre os seus
articulados - se não forem criados alçapões que a desvirtuem, ou os transformem
em letra morta que desbote o verde da esperança - destaco, e saúdo, o ponto 1
do artigo 11º: “As associações públicas
profissionais têm a denominação de ‘ordem profissional’ quando correspondem a
profissões cujo exercício é condicionado à obtenção prévia de uma habilitação académica de licenciatura
ou superior e a denominação de ‘câmara profissional’ no caso contrário”.
Mais evidencio o
respectivo artigo 53.º :
1: “o regime previsto na presente lei
aplica-se às associações profissionais já criadas e em processo legislativo de
criação.
2:
As associações públicas profissionais já criadas devem adotar as medidas
necessárias para o cumprimento no disposto na presente lei”.
Ou seja, não posso
deixar de aplaudir com as mão ambas estas medidas por um passado recente em que se estabeleceu a confusão entre a
democratização das ordens profissionais e sua mediocratização. Vou ser mais
directo: aquando da discussão na Assembleia da República para a criação de uma
Ordem dos Professores, em 2 de Dezembo de 2005, por proposta do Sindicato Nacional
dos Professores Licenciados, esta medida não foi avante com o argumento , de entre
outros argumentos esfarrapados, de estar para breve a criação de uma Lei-Quadro
para disciplinar as respectivas funções. E isto é tanto mais insólito por posteriormente
terem sido criadas novas ordens
profissionais, uma delas pela promoção da Câmara de Técnicos Oficiais de Contas
a ordem profissional (Decreto-Lei n.º 310/2009, de 26 de Dezembro).
E se neste caso me
detenho é com o intuito de chamar a atenção, entre outros motivos, e para o facto de não serem cumpridas condições para a inscrição na Ordem dos Técnicos Oficiass de
Contas aliás as mesmas da Câmara de Técnicos Oficiais de Contas, sua progenitora, rezando ambas o seguinte: “Os candidatos a técnicos oficiais de
contas devem possuir habilitação académica de licenciatura ou superior,
ministrada por estabelecimentos de ensino superior público, particular ou
privado, criada nos termos da lei e reconhecida pela ordem como adequada para o
exercício da profissão”.
Sem qualquer espécie de "animus laedendi", apenas numa constatação factual (que estarei pronto a corrigir se me for provado não haver
matéria “contra legem” ), acontece que, em desrespeito por estes princípios com
força de lei e vigorantes de há muito, existem
associados seus que nem diploma do antigo ensino profissional
secundário ou médio possuem, não sendo do domínio público, inclusivamente, as
habilitações académicas do respectivo bastonário, pese embora o respeito pela
criação e acção directiva na Câmara e
Ordem dos Técnicos Oficia de Contas reconhecida pelo Instituto Politécnico de
Lisboa ao atribuir-lhe o 1.º título de Especialista “Honoris Causa”.
Com a o laxismo tão nacional da lei ser
draconiana para determinadas situações e demasiado branda para outras, dificilmente se porá fim à mediocratização de ordens profissionais em que se desautorizou,
inclusivamente, de há anos para cá, a exigência legal de
um diploma, segundo Adriano Moreira, "com o prestígio da universidade que lhe deu a
primeira credencial de título académico nobilitante". E se este assunto trago, uma vez mais, a público
(será que “água mole em pedra dura tanto dá até que fura”?) é porque, como
escreveu Albert Einstein, “o importante é não parar de questionar”. Questionar
o facto e a razão da Ordem dos Professores se eternizar para as calendas gregas
numa altura em que em Portugal já existem 15 ordens profissionais!terça-feira, 27 de novembro de 2012
Saber pensar sobre problemas morais e políticos
Como pensar correctamente sobre conflitos morais e
políticos? Que princípios e métodos nos podem ajudar a sair da mera opinião
mais ou menos irreflectida? Como podemos aprender com a história e a filosofia,
para analisar proficientemente estas questões e raciocinar melhor sobre elas?
Um aspecto curioso do cientificismo é a ideia de que tudo o que não é ciência não tem qualquer interesse nem valor cognitivo. Logo, é irrelevante o conhecimento da história e da filosofia, porque essas coisas não são científicas. A ironia é que quem assim pensa depois raciocina sobre questões políticas e morais à toa, sem qualquer conhecimento do que distingue um raciocínio plausível nestas áreas de um raciocínio ingénuo.
O primeiro aspecto importante do raciocínio moral e político é que se trata de saber lidar com conflitos de interesses. O segundo é que não há um tribunal de última instância a que possamos recorrer: somos só nós, entre nós, tentando raciocinar da melhor maneira possível sobre os nossos conflitos de interesses.
O que o primeiro aspecto quer dizer é que se não há conflitos inequívocos de interesses nada há para discutir. Uma parte das pseudodiscussões políticas e éticas que ocorrem nos meios de comunicação têm coisa nenhuma por objecto de discussão. O que quero dizer com isto é o seguinte: imagine-se que há pessoas no meu país que querem ter a liberdade para comer pão com caca de cão. Eu acho isso um nojo e se me convidarem para tomar o pequeno-almoço com eles morre-me logo uma tia-avó para eu ter uma boa desculpa para não ir. Mas há aqui algum conflito inequívoco de interesses? Não. Há certamente um conflito vago e irrelevante: eu preferia que não houvesse pessoas destas na minha sociedade. Mas isto é apenas um interesse vago da minha parte. Desde que eu não tenha de conviver com elas e desde que elas não me obriguem a participar dos seus curiosos banquetes e lanches, não há qualquer conflito inequívoco.
Este aspecto está relacionado de perto com o segundo. Dizer que não há um tribunal de última instância para decidir conflitos morais e políticos é uma maneira engraçada de tentar explicar que quando temos um conflito real de interesses temos de levar muito a sério o que as pessoas que estão em conflito connosco realmente pensam. Isto significa que é completamente irrelevante o que nós achamos que elas deviam pensar mas não pensam ou deviam preferir mas não preferem, pois o conflito emerge precisamente do facto de elas pensarem o que pensam e terem as preferências que têm, e não de concordarem comigo. Se concordassem, não haveria qualquer conflito de interesses. Ora, não há maneira alguma de apelar a uma instância superior que ambos possamos reconhecer excepto exactamente os raciocínios que ambos reconhecermos de facto como correctos. É por isso que é irrelevante que eu apele a raciocínios realmente correctos e factos realmente comprováveis quando sei muito bem que os meus opositores rejeitam precisamente tais raciocínios e tais factos. Quando o meu opositor realmente pensa que há extraterrestres no subsolo e resiste a todas as minhas tentativas de lhe demonstrar que não há, tenho de levar muito a sério a sua crença.
Mas, então, há alguma maneira de resolver conflitos de interesses reais e profundos quando as pessoas rejeitam o que me parece óbvio, factual, científico, sensato? Sim, há. Desde que ambas as partes não estejam de má-fé, podem fazer um exercício simples de pensamento ético e político imparcial: o chamado véu da ignorância, usado famosamente por Rawls na sua obra Uma Teoria da Justiça, publicada em 1971 e que eu explico brevemente no meu livro Sete Ideas Filosóficas que Toda a Gente Deveria Conhecer (mas cuja leitura o cientificista rejeita precisamente porque a filosofia não é ciência).
O exercício é o seguinte: eu imagino que vou organizar o enquadramento legal da minha sociedade, sabendo que haverá pessoas como eu — sensatas, lúcidas, bonitas e boas na cama, científicas e informadas, que sempre que vêem uma fotografia de Einstein têm um microorgasmo — mas que também haverá malucos que pensam que há extraterrestres no subsolo e que jamais se deixarão convencer pelas mais sólidas provas científicas de que no subsolo há muita coisa, mas não há extraterrestres. O truque agora é este: eu não sei se serei como sou — sensato, científico e tudo isso — ou um tresloucado. Apenas sei que serei uma dessas pessoas, porque essas pessoas existem na minha sociedade. É este o véu de ignorância: eu ignoro se serei uma pessoa ou outra, mas sei que haverá pessoas dos dois tipos.
Sob este véu da ignorância, como vou ordenar política e juridicamente a minha sociedade? Fazendo este simples exercício torna-se óbvio que não tem qualquer relevância que os tresloucados realmente sejam tresloucados e não tenham razão. Porque eu poderei ser uma dessas pessoas. Assim, a minha preocupação, sob este véu da ignorância, é fazer as coisas de tal maneira que, seja eu um ou outro, me sinta tão bem nessa sociedade quanto possível, sem prejudicar o outro (porque também poderei ser o outro!).
Este tipo de pensamento é muito importante porque quando não se compreende o que está em causa, pensa-se sempre em termos de excluir da sociedade as pessoas que são tão diferentes de nós que nos causa horror que existam. Só que isso é irrelevante. O que conta é que elas realmente existem. Se são sensatas ou tolas é irrelevante.
A segunda coisa que conta, dado aceitarmos plenamente a existência dessas pessoas e o seu direito a existir, é pensar como integrá-las de maneira a que se sintam tão bem quanto possível, sem com isso provocar danos inequívocos a terceiros que não queiram por elas ser prejudicados. Ora, no caso dos extraterrestres, tal como no caso brincalhão do cocó de cão, vê-se logo que não há qualquer conflito inequívoco. O conflito é meramente vago, pois se eu for um dos tolos, é para mim um imenso custo não me ver reconhecido na minha própria sociedade; mas se eu for um sensato, não me custa nada escolher bem os meus amigos e não conviver com os tolos. Não há um conflito inequívoco. Há apenas preconceitos em jogo e luta irracional pelo poder. Nada mais.
Isto é precisamente o que acontece no caso da homeopatia, no caso do ensino do criacionismo aos filhos dos criacionistas, no caso do casamento entre homossexuais e em muitos outros. Em nenhum destes casos há conflitos inequívocos de interesses. De uma parte há apenas um interesse vago em excluir da nossa sociedade pessoas de um certo tipo. Do outro, há uma lesão inequívoca do seu direito a desenvolverem os seus estilos de vida sem prejudicar seja quem for que não queira ser por eles prejudicado. Os homeopatas, tal como os homossexuais casados ou os criacionistas, não interferem de maneira inequívoca na minha vida desde que não me obriguem a usar a homeopatia, não me obriguem a casar com um homem nem a conviver com casais de homossexuais, não me obriguem a ensinar o criacionismo aos meus próprios filhos.
Infelizmente, a maior parte dos debates éticos e políticos populares são pseudodebates. São-no porque, em primeiro lugar, não há conflitos inequívocos de interesses; pelo contrário, há interesses perfeitamente harmonizáveis e coordenáveis. Em segundo lugar, são pseudodebates porque um debate real é uma tentativa imparcial de descobrir a verdade. Estes pseudodebates não são tal coisa. São apenas uma tentativa de empurrar a sociedade na direcção que queremos, direcção essa que envolve a tentativa de destruição dos modos de vida e crenças que não nos agradam. É por isso que algumas pessoas vêem com grande inquietação a legalização da homeopatia ou do criacionismo: porque isso é dar um passo na direcção que eles não querem. O reverso da medalha são as pessoas que não querem os homossexuais casados — isso certamente não os prejudica inequivocamente, mas eles reagem muito intensamente porque sentem que isso empurra a sociedade numa direcção que não querem. Em ambos os casos, há uma ilusão profunda porque em ambos os casos se pensa que se não dermos esse passo as pessoas que gostaríamos que não existissem desaparecem por magia. Mas não desaparecem. Por isso, o melhor é aceitar que realmente existem e dar-lhes as melhores condições que imparcialmente formos capazes de conceber.
Termino com uma nota. Os males da humanidade resultam em grande parte de atitudes irracionais ou pelo menos irreflectidas. Quando as pessoas prejudicam as outras porque querem empurrar a sociedade numa dada direcção estão a ser tolas porque o objectivo visado é, a médio e longo prazo, acabar com as pessoas de que não gostamos. Não queremos que se ensine criacionismo nas escolas, porque temos a esperança de que assim acabem os criacionistas no futuro. Não queremos o reconhecimento oficial da homeopatia, porque assim temos a esperança de que no futuro não existam pessoas que escolham a homeopatia. Esta atitude é estúpida por duas razões. Em primeiro lugar, porque hoje os criacionistas e os homeopatas existem e não vão mudar de ideias; mesmo que não deixem descendentes depois de terem morrido, nessa altura também nós estaremos mortos, pelo que é irrelevante para nós se nessa altura haverá criacionistas ou não — isso é um problema dos nossos descendentes, e não nosso. Em segundo lugar, porque basta um conhecimento elementar da história da humanidade para compreender que os seres humanos são pródigos a inventar tolices para-religiosas. Por isso, mesmo que consigamos que nas gerações futuras não existam mais pessoas que acreditam numa dada tolice — como não existem ou quase não existem hoje pessoas que acreditam nos efeitos místicos da energia vital da electricidade, como no séc. XIX — outras tolices acabarão por surgir. O gosto pelo numinoso está inscrito nos nossos genes e só alguns de nós se libertam disso, mas não temos mais direito a viver harmoniosamente na nossa própria sociedade do que os outros.
Um aspecto curioso do cientificismo é a ideia de que tudo o que não é ciência não tem qualquer interesse nem valor cognitivo. Logo, é irrelevante o conhecimento da história e da filosofia, porque essas coisas não são científicas. A ironia é que quem assim pensa depois raciocina sobre questões políticas e morais à toa, sem qualquer conhecimento do que distingue um raciocínio plausível nestas áreas de um raciocínio ingénuo.
O primeiro aspecto importante do raciocínio moral e político é que se trata de saber lidar com conflitos de interesses. O segundo é que não há um tribunal de última instância a que possamos recorrer: somos só nós, entre nós, tentando raciocinar da melhor maneira possível sobre os nossos conflitos de interesses.
O que o primeiro aspecto quer dizer é que se não há conflitos inequívocos de interesses nada há para discutir. Uma parte das pseudodiscussões políticas e éticas que ocorrem nos meios de comunicação têm coisa nenhuma por objecto de discussão. O que quero dizer com isto é o seguinte: imagine-se que há pessoas no meu país que querem ter a liberdade para comer pão com caca de cão. Eu acho isso um nojo e se me convidarem para tomar o pequeno-almoço com eles morre-me logo uma tia-avó para eu ter uma boa desculpa para não ir. Mas há aqui algum conflito inequívoco de interesses? Não. Há certamente um conflito vago e irrelevante: eu preferia que não houvesse pessoas destas na minha sociedade. Mas isto é apenas um interesse vago da minha parte. Desde que eu não tenha de conviver com elas e desde que elas não me obriguem a participar dos seus curiosos banquetes e lanches, não há qualquer conflito inequívoco.
Este aspecto está relacionado de perto com o segundo. Dizer que não há um tribunal de última instância para decidir conflitos morais e políticos é uma maneira engraçada de tentar explicar que quando temos um conflito real de interesses temos de levar muito a sério o que as pessoas que estão em conflito connosco realmente pensam. Isto significa que é completamente irrelevante o que nós achamos que elas deviam pensar mas não pensam ou deviam preferir mas não preferem, pois o conflito emerge precisamente do facto de elas pensarem o que pensam e terem as preferências que têm, e não de concordarem comigo. Se concordassem, não haveria qualquer conflito de interesses. Ora, não há maneira alguma de apelar a uma instância superior que ambos possamos reconhecer excepto exactamente os raciocínios que ambos reconhecermos de facto como correctos. É por isso que é irrelevante que eu apele a raciocínios realmente correctos e factos realmente comprováveis quando sei muito bem que os meus opositores rejeitam precisamente tais raciocínios e tais factos. Quando o meu opositor realmente pensa que há extraterrestres no subsolo e resiste a todas as minhas tentativas de lhe demonstrar que não há, tenho de levar muito a sério a sua crença.
Mas, então, há alguma maneira de resolver conflitos de interesses reais e profundos quando as pessoas rejeitam o que me parece óbvio, factual, científico, sensato? Sim, há. Desde que ambas as partes não estejam de má-fé, podem fazer um exercício simples de pensamento ético e político imparcial: o chamado véu da ignorância, usado famosamente por Rawls na sua obra Uma Teoria da Justiça, publicada em 1971 e que eu explico brevemente no meu livro Sete Ideas Filosóficas que Toda a Gente Deveria Conhecer (mas cuja leitura o cientificista rejeita precisamente porque a filosofia não é ciência).
O exercício é o seguinte: eu imagino que vou organizar o enquadramento legal da minha sociedade, sabendo que haverá pessoas como eu — sensatas, lúcidas, bonitas e boas na cama, científicas e informadas, que sempre que vêem uma fotografia de Einstein têm um microorgasmo — mas que também haverá malucos que pensam que há extraterrestres no subsolo e que jamais se deixarão convencer pelas mais sólidas provas científicas de que no subsolo há muita coisa, mas não há extraterrestres. O truque agora é este: eu não sei se serei como sou — sensato, científico e tudo isso — ou um tresloucado. Apenas sei que serei uma dessas pessoas, porque essas pessoas existem na minha sociedade. É este o véu de ignorância: eu ignoro se serei uma pessoa ou outra, mas sei que haverá pessoas dos dois tipos.
Sob este véu da ignorância, como vou ordenar política e juridicamente a minha sociedade? Fazendo este simples exercício torna-se óbvio que não tem qualquer relevância que os tresloucados realmente sejam tresloucados e não tenham razão. Porque eu poderei ser uma dessas pessoas. Assim, a minha preocupação, sob este véu da ignorância, é fazer as coisas de tal maneira que, seja eu um ou outro, me sinta tão bem nessa sociedade quanto possível, sem prejudicar o outro (porque também poderei ser o outro!).
Este tipo de pensamento é muito importante porque quando não se compreende o que está em causa, pensa-se sempre em termos de excluir da sociedade as pessoas que são tão diferentes de nós que nos causa horror que existam. Só que isso é irrelevante. O que conta é que elas realmente existem. Se são sensatas ou tolas é irrelevante.
A segunda coisa que conta, dado aceitarmos plenamente a existência dessas pessoas e o seu direito a existir, é pensar como integrá-las de maneira a que se sintam tão bem quanto possível, sem com isso provocar danos inequívocos a terceiros que não queiram por elas ser prejudicados. Ora, no caso dos extraterrestres, tal como no caso brincalhão do cocó de cão, vê-se logo que não há qualquer conflito inequívoco. O conflito é meramente vago, pois se eu for um dos tolos, é para mim um imenso custo não me ver reconhecido na minha própria sociedade; mas se eu for um sensato, não me custa nada escolher bem os meus amigos e não conviver com os tolos. Não há um conflito inequívoco. Há apenas preconceitos em jogo e luta irracional pelo poder. Nada mais.
Isto é precisamente o que acontece no caso da homeopatia, no caso do ensino do criacionismo aos filhos dos criacionistas, no caso do casamento entre homossexuais e em muitos outros. Em nenhum destes casos há conflitos inequívocos de interesses. De uma parte há apenas um interesse vago em excluir da nossa sociedade pessoas de um certo tipo. Do outro, há uma lesão inequívoca do seu direito a desenvolverem os seus estilos de vida sem prejudicar seja quem for que não queira ser por eles prejudicado. Os homeopatas, tal como os homossexuais casados ou os criacionistas, não interferem de maneira inequívoca na minha vida desde que não me obriguem a usar a homeopatia, não me obriguem a casar com um homem nem a conviver com casais de homossexuais, não me obriguem a ensinar o criacionismo aos meus próprios filhos.
Infelizmente, a maior parte dos debates éticos e políticos populares são pseudodebates. São-no porque, em primeiro lugar, não há conflitos inequívocos de interesses; pelo contrário, há interesses perfeitamente harmonizáveis e coordenáveis. Em segundo lugar, são pseudodebates porque um debate real é uma tentativa imparcial de descobrir a verdade. Estes pseudodebates não são tal coisa. São apenas uma tentativa de empurrar a sociedade na direcção que queremos, direcção essa que envolve a tentativa de destruição dos modos de vida e crenças que não nos agradam. É por isso que algumas pessoas vêem com grande inquietação a legalização da homeopatia ou do criacionismo: porque isso é dar um passo na direcção que eles não querem. O reverso da medalha são as pessoas que não querem os homossexuais casados — isso certamente não os prejudica inequivocamente, mas eles reagem muito intensamente porque sentem que isso empurra a sociedade numa direcção que não querem. Em ambos os casos, há uma ilusão profunda porque em ambos os casos se pensa que se não dermos esse passo as pessoas que gostaríamos que não existissem desaparecem por magia. Mas não desaparecem. Por isso, o melhor é aceitar que realmente existem e dar-lhes as melhores condições que imparcialmente formos capazes de conceber.
Termino com uma nota. Os males da humanidade resultam em grande parte de atitudes irracionais ou pelo menos irreflectidas. Quando as pessoas prejudicam as outras porque querem empurrar a sociedade numa dada direcção estão a ser tolas porque o objectivo visado é, a médio e longo prazo, acabar com as pessoas de que não gostamos. Não queremos que se ensine criacionismo nas escolas, porque temos a esperança de que assim acabem os criacionistas no futuro. Não queremos o reconhecimento oficial da homeopatia, porque assim temos a esperança de que no futuro não existam pessoas que escolham a homeopatia. Esta atitude é estúpida por duas razões. Em primeiro lugar, porque hoje os criacionistas e os homeopatas existem e não vão mudar de ideias; mesmo que não deixem descendentes depois de terem morrido, nessa altura também nós estaremos mortos, pelo que é irrelevante para nós se nessa altura haverá criacionistas ou não — isso é um problema dos nossos descendentes, e não nosso. Em segundo lugar, porque basta um conhecimento elementar da história da humanidade para compreender que os seres humanos são pródigos a inventar tolices para-religiosas. Por isso, mesmo que consigamos que nas gerações futuras não existam mais pessoas que acreditam numa dada tolice — como não existem ou quase não existem hoje pessoas que acreditam nos efeitos místicos da energia vital da electricidade, como no séc. XIX — outras tolices acabarão por surgir. O gosto pelo numinoso está inscrito nos nossos genes e só alguns de nós se libertam disso, mas não temos mais direito a viver harmoniosamente na nossa própria sociedade do que os outros.
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
Nunca o ocultei porque cumpri sempre
Amavelmente, o nosso leitor João Boaventura enviou-nos uma entrevista do jornalista Pedro Rolo Duarte ao escritor Vergílio Ferreira, que havia sido seu professor de Português no Liceu Camões, em Lisboa. Dessa entrevista, feita há mais de duas décadas, reproduzo extractos que incidem no ensino, tomando a liberdade de mudar o título.
(...) Fez em Março 15 anos que morreu o escritor Vergílio Ferreira. Foi meu professor – infelizmente, menos tempo do que eu (hoje...) gostaria –, tornei-me seu admirador tarde demais, mas ainda a tempo de o entrevistar para a revista K, em Abril de 1991. A entrevista, que o surpreendeu porque não se lembrava do meu nome e foi confrontado com um ex-aluno, em vez de um jornalista (...) Mas eu lembro-me bem dele: caminhava pelos corredores de mãos atrás das costas, ligeiramente curvado para a frente e era assim que entrava na sala, sem um sorriso, uma palavra, até que todos estivessem sentados e calados. Então começava a correcção do trabalho de casa e mais uma aula densa, fria, chata, cheia de gramática e apontamentos e perguntas a que nunca sabíamos responder. Uma vez por outra, chegava um "ponto". Uma vez por outra, uma aula sem matéria para dar, só com o professor tentando o diálogo, falando das árvores da Praça José Fontana ou de um livro que devíamos conhecer. Naquela turma não gostávamos muito do professor Vergílio Ferreira e comentávamos o facto de ser público - estava escrito na Conta Corrente - que ele detestava dar aulas. Detestei essa ideia e, tendo os seus livros em casa, comprometi-me a jamais lhes tocar. Até que um dia, há poucos anos, quebrei o compromisso e abri ao acaso um volume da Conta Corrente (...) Comecei a ler os romances, os romances todos, tudo, e escrevi-lhe uma carta, que nunca mandei, a pedir desculpa por não o ter lido antes. E agora estou à frente do escritor a contar-lhe esta história e a pedir-lhe, humildemente, que comente a minha própria atitude. Diz que "mais vale tarde do que nunca" e sorri, como só um professor sorri. Sentado num cadeirão castanho, rodeado de livros por todos os lados, o professor fala:
É talvez a primeira vez que alguém dá essa ideia de mim, enquanto professor. Têm-me referido alguma austeridade, um homem de poucas palavras, mas a isso é contraposto sempre o professor afável e tolerante. Não me lembro de pretender ser rigoroso. Havia, é verdade, uma coisa que me incomodava muito, que era o aluno distraído, a conversar para o lado - mas sempre que o detectava, atribuí a mim a culpa, entendia que era uma deficiência, sentia-me vexado, diminuído. A minha reacção nunca era castigar - mas dizer coisas que interessassem o aluno, tentar segurá-lo e captar-lhe a atenção.
K: Mas era muito rigoroso, por exemplo, com a manutenção do Caderno Diário, coisa que rapazes com 17 e 18 anos já achavam que era exclusivamente da sua conta...
Ah, mas isso eram as regras do jogo. Eu tinha o hábito de, no fim de cada período, folhear os cadernos dos alunos, e acho que estava certo: se um aluno não tem o caderno diário em dia isso significa que está ausente das matérias, que não se interessou. O caderno diário é útil no dia-a-dia. Mas, sinceramente, nunca me julgaram assim tão rigoroso, embora ache natural que, se o senhor antipatizava comigo, não lesse a obra do escritor. Não sei o que hoje pensa do que pensava, mas presumo que, olhando da sua idade adulta para essa idade juvenil, algo se tenha alterado. Eu sempre fui contra o professor mandão, sempre descontente, marcando faltas de castigo, sempre fui contra tudo isso.
K: Embora detestasse dar aulas e assumisse essa opinião publicamente...
Olhe, nunca o ocultei porque cumpri sempre. Conheço professores que diziam gostar imenso de dar aulas - e eram professores que não davam as matérias, não faziam exercícios, nada. Ora, como eu tinha a consciência tranquila de cumprir, de ensinar como podia o que tinha de ensinar, estava à vontade para dizer que não gostava de dar aulas, porque não gostava mesmo! Estou, por outro lado, convencido de que, se me pusessem perante as duas hipóteses - ser apenas escritor ou ser escritor e ter uma segunda actividade, por exemplo, ensinar - eu preferiria sempre a segunda. Dedicar-me apenas à actividade literária significaria afogar-me na escrita, na leitura, perder contraste. Assim, depois de uma manhã de aulas, sentia-me livre para começar outra coisa e a escrita saía mais original, mais virginal. Se vivesse de manhã à noite mergulhado na tarefa literária, aquilo que escrevesse não teria a mesma vitalidade.
K: Então foi importante, para a carreira do escritor, a actividade do professor?
Sem dúvida que sim. Sabe, quando era rapaz era melhor aluno a ciências do que a letras. Fui para letras porque tinha aprendido latim no Seminário e resolvi capitalizá-lo, pô-lo a render, tirando um curso que por outro lado eu presumia dar-me rapidamente uma colocação. Não escolhi mal. Hoje, possivelmente, teria optado por outra secção, talvez filosofia, ou românicas. Mas deixe-me dizer-lhe que tive prazer em algumas aulas, em alguns momentos. Em Évora, por exemplo, dei literatura todos os anos, e escolhia sempre uma aula por semana para aquilo a que chamava paleio, conversa. Nessa aula, eu falava-lhes de literatura contemporânea, arte, levava-lhes álbuns com quadros de Picasso, Matisse, e era estupendo... Já em Bragança, onde tinha estado um ano, na altura em que os americanos estavam na berra - o John dos Passos, o Steinbeck, entre outros - eu dava a conhecer esses nomes, essas obras. A um moço de Bragança, que muitas vezes nem sequer tinha visto o mar, falar-lhe de um autor que ele não conheceria tão depressa de outra forma era uma maravilha. Eu não gostava realmente de dar aulas, mas às vezes agradavam-me esses momentos, sobretudo quando sentia que os alunos estavam a abrir os olhos... isso é comovedor, é emocionante... Agora, ir para uma sala dizer 'ó menino, o sujeito, o predicado, o complemento’, é realmente uma chatice! É necessário, mas há coisas absolutamente necessárias que se não gosta de fazer, não é?
K: Tem a noção de que o seu nome, no tempo em que estava no Camões, se confundia com o próprio Liceu?
Não, de maneira nenhuma. De resto, a pensá-lo teria sido já muito antes, quando estava em Évora, numa altura em que o meu nome já era conhecido.
K: Qual era a relação que estabelecia com os seus alunos?
Bom, é outra matéria-prima, a de Lisboa, muito diferente da de Bragança ou até de Évora. A cultura faz-se com o ambiente, o ambiente familiar, um filme que se vê, uma conversa no café, enfim, o mundo exterior. É evidente que um moço de Lisboa é mais desenvolvido, mentalmente, e por isso mais fácil de ensinar.
K: Quando saiu o Até ao Fim, depois do Para Sempre, explicou os seus títulos referindo-se à degradação e perda dos valores por parte da juventude. Não consigo perceber a relação, tanto mais que já tinha deixado de dar aulas, já tinha abandonado esse convívio directo com os alunos...
Bom, deixei de dar aulas mas não deixei de estar atento ao que se vai passando. A verdade é que, quando era miúdo, eu e as pessoas da minha geração tínhamos pais - eu tinha os pais emigrados, mas tinha umas tias... que nos impunham os seus valores - e nós não discutíamos. Um miúdo não discute, é até certo ponto passivo e, no que diz respeito a valores que o transcendem, ainda discute menos. Mandam-no ir à missa e ele vai. A minha geração ainda encontrou determinados valores - por exemplo, políticos. Não podemos esquecer que o comunismo teve extremo peso na mobilização de muitos jovens. Ora, quando se verificou ser o comunismo um logro - o maior do século vinte - todos os mitos se esvaíram. Ele era o eixo central de todos os valores. Em face de quê, hoje, um pai impõe um valor a um filho, se ele os não tem? Sê honesto - mas sê honesto porquê? O rapaz não pergunta mas sente. A juventude de hoje está desarmada de valores que a preparam para a vida. Foi isso que quis dizer.
K: É isso que ainda pensa?
Bom, eu defendo sempre como último valor - porque é o primeiro de todos - o homem e a vida. E pressinto que esse valor, da defesa do homem e da vida, começa a apontar genericamente para o que se chama ecologia e onde se inclui evidentemente a defesa da vida. Pressinto isso até nesse movimento extremamente equívoco que é o pacifismo, a que não adiro (embora, até por preguiça, seja bastante pacífico...).
(...) Fez em Março 15 anos que morreu o escritor Vergílio Ferreira. Foi meu professor – infelizmente, menos tempo do que eu (hoje...) gostaria –, tornei-me seu admirador tarde demais, mas ainda a tempo de o entrevistar para a revista K, em Abril de 1991. A entrevista, que o surpreendeu porque não se lembrava do meu nome e foi confrontado com um ex-aluno, em vez de um jornalista (...) Mas eu lembro-me bem dele: caminhava pelos corredores de mãos atrás das costas, ligeiramente curvado para a frente e era assim que entrava na sala, sem um sorriso, uma palavra, até que todos estivessem sentados e calados. Então começava a correcção do trabalho de casa e mais uma aula densa, fria, chata, cheia de gramática e apontamentos e perguntas a que nunca sabíamos responder. Uma vez por outra, chegava um "ponto". Uma vez por outra, uma aula sem matéria para dar, só com o professor tentando o diálogo, falando das árvores da Praça José Fontana ou de um livro que devíamos conhecer. Naquela turma não gostávamos muito do professor Vergílio Ferreira e comentávamos o facto de ser público - estava escrito na Conta Corrente - que ele detestava dar aulas. Detestei essa ideia e, tendo os seus livros em casa, comprometi-me a jamais lhes tocar. Até que um dia, há poucos anos, quebrei o compromisso e abri ao acaso um volume da Conta Corrente (...) Comecei a ler os romances, os romances todos, tudo, e escrevi-lhe uma carta, que nunca mandei, a pedir desculpa por não o ter lido antes. E agora estou à frente do escritor a contar-lhe esta história e a pedir-lhe, humildemente, que comente a minha própria atitude. Diz que "mais vale tarde do que nunca" e sorri, como só um professor sorri. Sentado num cadeirão castanho, rodeado de livros por todos os lados, o professor fala:
É talvez a primeira vez que alguém dá essa ideia de mim, enquanto professor. Têm-me referido alguma austeridade, um homem de poucas palavras, mas a isso é contraposto sempre o professor afável e tolerante. Não me lembro de pretender ser rigoroso. Havia, é verdade, uma coisa que me incomodava muito, que era o aluno distraído, a conversar para o lado - mas sempre que o detectava, atribuí a mim a culpa, entendia que era uma deficiência, sentia-me vexado, diminuído. A minha reacção nunca era castigar - mas dizer coisas que interessassem o aluno, tentar segurá-lo e captar-lhe a atenção.
K: Mas era muito rigoroso, por exemplo, com a manutenção do Caderno Diário, coisa que rapazes com 17 e 18 anos já achavam que era exclusivamente da sua conta...
Ah, mas isso eram as regras do jogo. Eu tinha o hábito de, no fim de cada período, folhear os cadernos dos alunos, e acho que estava certo: se um aluno não tem o caderno diário em dia isso significa que está ausente das matérias, que não se interessou. O caderno diário é útil no dia-a-dia. Mas, sinceramente, nunca me julgaram assim tão rigoroso, embora ache natural que, se o senhor antipatizava comigo, não lesse a obra do escritor. Não sei o que hoje pensa do que pensava, mas presumo que, olhando da sua idade adulta para essa idade juvenil, algo se tenha alterado. Eu sempre fui contra o professor mandão, sempre descontente, marcando faltas de castigo, sempre fui contra tudo isso.
K: Embora detestasse dar aulas e assumisse essa opinião publicamente...
Olhe, nunca o ocultei porque cumpri sempre. Conheço professores que diziam gostar imenso de dar aulas - e eram professores que não davam as matérias, não faziam exercícios, nada. Ora, como eu tinha a consciência tranquila de cumprir, de ensinar como podia o que tinha de ensinar, estava à vontade para dizer que não gostava de dar aulas, porque não gostava mesmo! Estou, por outro lado, convencido de que, se me pusessem perante as duas hipóteses - ser apenas escritor ou ser escritor e ter uma segunda actividade, por exemplo, ensinar - eu preferiria sempre a segunda. Dedicar-me apenas à actividade literária significaria afogar-me na escrita, na leitura, perder contraste. Assim, depois de uma manhã de aulas, sentia-me livre para começar outra coisa e a escrita saía mais original, mais virginal. Se vivesse de manhã à noite mergulhado na tarefa literária, aquilo que escrevesse não teria a mesma vitalidade.
K: Então foi importante, para a carreira do escritor, a actividade do professor?
Sem dúvida que sim. Sabe, quando era rapaz era melhor aluno a ciências do que a letras. Fui para letras porque tinha aprendido latim no Seminário e resolvi capitalizá-lo, pô-lo a render, tirando um curso que por outro lado eu presumia dar-me rapidamente uma colocação. Não escolhi mal. Hoje, possivelmente, teria optado por outra secção, talvez filosofia, ou românicas. Mas deixe-me dizer-lhe que tive prazer em algumas aulas, em alguns momentos. Em Évora, por exemplo, dei literatura todos os anos, e escolhia sempre uma aula por semana para aquilo a que chamava paleio, conversa. Nessa aula, eu falava-lhes de literatura contemporânea, arte, levava-lhes álbuns com quadros de Picasso, Matisse, e era estupendo... Já em Bragança, onde tinha estado um ano, na altura em que os americanos estavam na berra - o John dos Passos, o Steinbeck, entre outros - eu dava a conhecer esses nomes, essas obras. A um moço de Bragança, que muitas vezes nem sequer tinha visto o mar, falar-lhe de um autor que ele não conheceria tão depressa de outra forma era uma maravilha. Eu não gostava realmente de dar aulas, mas às vezes agradavam-me esses momentos, sobretudo quando sentia que os alunos estavam a abrir os olhos... isso é comovedor, é emocionante... Agora, ir para uma sala dizer 'ó menino, o sujeito, o predicado, o complemento’, é realmente uma chatice! É necessário, mas há coisas absolutamente necessárias que se não gosta de fazer, não é?
K: Tem a noção de que o seu nome, no tempo em que estava no Camões, se confundia com o próprio Liceu?
Não, de maneira nenhuma. De resto, a pensá-lo teria sido já muito antes, quando estava em Évora, numa altura em que o meu nome já era conhecido.
K: Qual era a relação que estabelecia com os seus alunos?
Bom, é outra matéria-prima, a de Lisboa, muito diferente da de Bragança ou até de Évora. A cultura faz-se com o ambiente, o ambiente familiar, um filme que se vê, uma conversa no café, enfim, o mundo exterior. É evidente que um moço de Lisboa é mais desenvolvido, mentalmente, e por isso mais fácil de ensinar.
K: Quando saiu o Até ao Fim, depois do Para Sempre, explicou os seus títulos referindo-se à degradação e perda dos valores por parte da juventude. Não consigo perceber a relação, tanto mais que já tinha deixado de dar aulas, já tinha abandonado esse convívio directo com os alunos...
Bom, deixei de dar aulas mas não deixei de estar atento ao que se vai passando. A verdade é que, quando era miúdo, eu e as pessoas da minha geração tínhamos pais - eu tinha os pais emigrados, mas tinha umas tias... que nos impunham os seus valores - e nós não discutíamos. Um miúdo não discute, é até certo ponto passivo e, no que diz respeito a valores que o transcendem, ainda discute menos. Mandam-no ir à missa e ele vai. A minha geração ainda encontrou determinados valores - por exemplo, políticos. Não podemos esquecer que o comunismo teve extremo peso na mobilização de muitos jovens. Ora, quando se verificou ser o comunismo um logro - o maior do século vinte - todos os mitos se esvaíram. Ele era o eixo central de todos os valores. Em face de quê, hoje, um pai impõe um valor a um filho, se ele os não tem? Sê honesto - mas sê honesto porquê? O rapaz não pergunta mas sente. A juventude de hoje está desarmada de valores que a preparam para a vida. Foi isso que quis dizer.
K: É isso que ainda pensa?
Bom, eu defendo sempre como último valor - porque é o primeiro de todos - o homem e a vida. E pressinto que esse valor, da defesa do homem e da vida, começa a apontar genericamente para o que se chama ecologia e onde se inclui evidentemente a defesa da vida. Pressinto isso até nesse movimento extremamente equívoco que é o pacifismo, a que não adiro (embora, até por preguiça, seja bastante pacífico...).
Duas notas: Pina e Cinatti
Novo texto de Ângelo Alves (na imagem a acttriz Lillian Gish):
Há alguns meses, quando abri o
canal 2 da RTP, deparei-me com um documentário sobre o poeta e cronista Manuel
António Pina. Confesso que conhecia o cronista mas desconhecia o poeta e também
não sabia que tinha ganho o Prémio Camões, de modo que segui atentamente o
programa e encontrei um homem jovial, sempre com um cigarro na mão, e por isso envolto
por uma névoa de fumo, com o seu grupo de amigos, ou a escrever numa máquina
belíssima, dentro de um apartamento sombrio, atafulhado de livros, com uns
olhos enevoados sob uns óculos graduados. Soube também, entre outras coisas,
que era um grande cinéfilo, e que na altura destacou o filme “ A sombra do caçador”
de Charles Laughton. Eu que leio, com frequência, um jornal diário, e sou
amante de poesia, não sei como é que o Pina me fugiu durante tanto tempo. Também
não sabia que estava à altura enfermo, num hospital.
Após este documentário
autobiográfico fui, algum tempo depois, apanhado de surpresa com o seu óbito, num
jornal diário. Li, atentamente, um artigo que continha uma entrevista sua, e não
me esqueci de que gostava da poetisa Wislawa Szymborska (que eu gosto imenso,
sobretudo pela sua esplendorosa inteligência). Ao ler um excerto de um poema
seu (“Os tempos não vão bons para nós, os mortos”), associei-o a um outro poeta
que gosto, pelo seu notável sentido de humor, Iosif Brodskii. Trata-se do poema
“Transatlântico”, deste poeta de origem russa, que começa assim:
«Os últimos anos foram bons
praticamente para toda a gente
Menos para os mortos. Mas talvez
também para eles…»
O leitor decerto já entendeu onde
quero chegar.
Mas o que me apanhou como um raio
foi a sua admiração pela minha musa do cinema: a actriz Lillian Gish. Eu já
conhecia esta actriz do filme “The Wind” de Victor Sjostrom e das longas e
curtas metragens de D. W. Griffith, tendo-me ela deixado completamente de
rastros com as suas bochechas suavemente salientes, o seu ar pueril, o cabelo
frisado, os olhos vivos e redondos, quase a saltar das órbitas, a sua
fragilidade e inocência, para além, como é óbvio, de ser uma actriz ímpar.
Humildemente, penso que após ela nenhuma actriz lhe chegou aos calcanhares.
Há entre certos homens,
desconhecidos entre si mas amantes das artes, uma afinidade de gostos que,
pelos menos para mim, é quase um mistério. É precisamente a este ponto que
quero chegar. Ainda recentemente ofereci um livro, da autoria de Elie Wiesel
(judeu de origem húngara), e, dois dias depois, soube, por um jornal, que
possivelmente Wiesel vai escrever um livro (cujo teor me esqueci) em conjunto
com Barack Obama. Também o presidente dos EUA admira o percurso deste escritor
que passou, muito novo, por campos de concentração e acabou premiado com o
Nobel da Paz. A minha vida ensinou-me de facto que Deus, ou o que lhe queiram
chamar, não joga aos dados. Há no nosso cérebro alguma zona responsável pelos
nossos gostos artísticos.
…
Mudando de assunto, acabei de ler
uma antologia do poeta Ruy Cinatti, onde encontrei esta pérola, escrita em 1969:
“A Pequena Angústia”
«O que Portugal
poderia ser
se todos os portugueses
emigrassem…
- Pé de gazela
na lua.
Um desejo adusto fora d´uso.
Um lírio.
Seria livre.
Ilimitado,
como nuvem humilde
quando se dissolve.
O que Portugal
poderia ser
se todos os portugueses regressassem…
A pergunta tenta como osso
debaixo da carne.»
Face ao convite para a juventude
emigrar, por parte do nosso primeiro-ministro, e à escolha da nacionalidade,
por muitos, do país de acolhimento, sou tentado a pensar que, se todos
emigrassem, este país nada mais seria do que o deserto e a morte. Na perdição o pé é célere dado que a sua liberdade se restringe ao movimento. Como dizem os russos,
a “necessidade é mãe de todas as coisas”. Por outro lado, e apesar de tudo, sempre
permanece alguém por cá. Se todos hoje regressassem, imaginem o que seria.
Ângelo Alves (autor do livro de poesia
“Doidivino”, 2012)
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