domingo, 24 de julho de 2011

A solidão do cidadão

No dia 8 de novembro de 2010, pelas 20 horas e 45 minutos, seguia de automóvel pela rua António José de Almeida, no sentido da Cruz de Celas, em Coimbra, quando, ao virar à direita para a rua Manuel Bastos Pina, senti um inesperado estrondo por baixo do carro.

Estacionei e verifiquei que um bloco de alcatrão, com cerca de setenta centímetros de comprimento, de largura irregular e bicudo numa extremidade, resultante dos cortes para uma vala para a substituição dos canos da rede das águas, se encontrava muito saliente em relação ao pavimento. Constituía um corpo pontiagudo e estranho na faixa de rodagem, e que, sobre a curva em ângulo reto, à noite, era uma verdadeira armadilha que apanhou o carro por baixo e lhe partiu o pára-choques traseiro.

Estando a rua livre e sem sinais de impedimento, e tendo ficado lesado pela incúria da empresa que efectuava as obras, expus o caso, descrito e fotografado, às Águas de Coimbra. Responderam-me dizendo que tinham notificado o Empreiteiro Aquino S. A.. Como o tempo passasse, contactei várias vezes esta firma, que acabou por participar o caso à Lusitânia, do Grupo Montepio, empresa onde estaria «seguro» contra acidentes de trabalho e responsabilidade civil.

Algum tempo depois veio o perito, que se inteirou do acontecido, obteve todos os dados que quis, fez o relatório, e eu fiquei a aguardar. Em 3 de Maio, isto é, sete meses depois, recebi uma carta das Águas de Coimbra dizendo que, por informação da firma Aquino Construções, «a situação reclamada estaria resolvida». Mas, «caso V. Exª entenda que a situação ainda não foi resolvida deverá responder em conformidade».

Estranhando nunca ter recebido informação da Companhia de Seguros, nem da Construtora, oficiei imediatamente as Águas de Coimbra informando que a situação, de facto, não estava resolvida. Como devem calcular, nada mais recebi: nem das Águas de Coimbra, nem da Companhia de Seguros, nem da firma Aquino.

Entretanto, tentei contactar a Lusitânia. Numa primeira tentativa, depois de infindável música não pedida, foi-me aconselhado a deixar contacto, para me informarem. Como não informaram, dias depois e de mais música telefónica, aconselharam-me aguardar «mais alguns dias», pois a funcionária do caso estava em férias. Passados tempos, depois de muita música, fui informado de que a Companhia afinal não tinha reconhecido o direito a indemnização. Como a explicação da razão invocada, via telefone, não me era clara em virtude da voz de aeroporto da funcionária, e porque, palavras, leva-as o vento, pedi as razões, por escrito, para essa decisão. A informação, como já devem calcular, ainda não chegou.

Ou seja, passados quase nove meses, nem das Águas de Coimbra, nem d’A Lusitânia, Companhia de Seguros, nem da Construtora segurada, me veio qualquer explicação, e muito menos indemnização, pelos prejuízos. Mais uma vez as instituições jogam à bola de umas para outras deixando o cidadão entregue a si mesmo. Não duvido que tudo se fez segundo as normas: concursos, contratos, apólices, caderno de encargos, papeladas; tudo legalizado e verificado. Mas, garantidas as aparências, vamos à substância: Nada de novo.

O cidadão continua só e desprotegido, embora envolvido por leis. É assim que se “resolvem” as coisas em Portugal. Uma história edificante.

João Boavida

4 comentários:

Rui Baptista disse...

Meu Caro Professor: Embora sabendo que não lhe serve de grande consolo, meses atrás, fui vítima de uma situação que me deixou na dúvida se os legisladores, por vezes, escrevem torto por linhas tortas ou o defeito é de quem as interpreta. Lamentei-me, neste blogue, do meu caso que exemplifica as malhas que a lei tece para deixar de cumprir a sua obrigação de ser clara, rápida, enfim, eficiente para quem deve e obscura, lenta, enfim, ineficiente para quem não deve.

Refiro-me, concretamente, ao meu post aqui publicado com o título: "A lei protege os malfeitores em nome da sua privacidade" (28/04/2011)Para que o vosso caso, meu caro Professor, tenha cabimento nesse post, parece-me suficiente fazer uma ligeira alteração ao seu título, encurtando-o apenas: "A lei protege os malfeitores".

Aliás, o próprio Camilo o escreveu, de forma lapidar: “Há lágrimas espremidas pelas mãos da prepotência e a lei acobarda-se de levar aos olhos do fraco o lenço que vela os olhos da Justiça”.

Um abraço amigo de solidariedade para com os lesados e não indemnizados.

Rui Baptista

Anónimo disse...

Chegaremos acaso ao ponto de termos de reclamar os nossos direitos de carabina em punho à porta das instituições?! Estou em crer... pelo que se passa comigo frente ao esbulho patrimonial de que estou a ser vítima por parte da autarquia de arganilense. Alegoricamente falando, só resta a carabina!... JCN

Anónimo disse...

Ante a forma estuporada
como nos negam justiça,
só nos resta ir para a liça
de carabina... aperrada!

Anónimo disse...

Basta pensar que o próprio Ministério da Educação viola impunemente as leis do trabalho e os "zecos" que se aguentem porque qualquer diligência que seja feita custará sempre mais que os valores que, por direito, teríamos a receber.

CARTA A UM JOVEM DECENTE

Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente .  N...