segunda-feira, 7 de março de 2011

A pedagogia ausente


No passado dia 2 de Fevereiro foi publicado o Decreto-Lei n.º 18/2011, que alterava a última reorganização curricular do Ensino Básico, com uma década cumprida neste ano (Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro).

Como muitos leitores saberão, tratava-se de um diploma aprovado pelo Governo. Mas a Oposição impediu que entrasse em vigor. Em termos legais o procedimento é lícito, uma vez que o Parlamento pode revogar ou alterar diplomas do Governo, quando este, como é o caso, não dispõe de maioria absoluta.

Do ponto de vista de consenso social poderá haver uma justificação, uma vez que vários partidos, mais à esquerda e mais à direita, assim como sindicatos, associações profissionais e órgãos consultivos com voz a educação têm avançado argumentos que vão no mesmo sentido: o ensino básico deve ser revisto em muitos aspectos – na redução do número de áreas disciplinares e não disciplinares, na exigência de aprendizagem exibida nos programas, na maior articulação com o secundário, no reforço do tempo de ensino nas áreas centrais e críticas, como a Língua Portuguesa e a Matemática, na criação de percursos diferenciados de aprendizagem – mas essa revisão tem de ser participada e pensada em função de critérios pedagógicos.

É precisamente aqui que eu queria chegar: reformas sucessivas dos diversos níveis de ensino, que não só o Básico, poderão ter assentado em argumentos de vária índole – ideológica, social, sindical, corporativa, económica, política, estratégica, alinhamento por directrizes internacionais, etc. – que se fizeram passar por pedagógicos, mas argumentos pedagógicos propriamente ditos, alicerçados em reflexão filosófica consistente e em investigação científica credível e actual, não os consigo encontrar por mais que os procure.

A adopção de argumentos pedagógicos para empreender reformas curriculares questionaria necessariamente os pilares ideológicos que fomos alicerçando para a educação escolar; poria em causa os inúmeros grupos que pressionam as decisões relativas a essa educação; implicaria mudanças na nossa organização social, com desagravamento das funções imputadas à escola; determinaria eventualmente um afastamento em relação a compromissos externos.

Tudo isto levaria a grandes mudanças, o que não é nada conveniente.

5 comentários:

Fartinho da Silva disse...

Cara Helena Damião,

Não poderia concordar mais consigo.

Anónimo disse...

Absolutamente de acordo. Aliás, consegue sintetizar as directrizes gerais da reforma a empreender em três parágrafos. Excelente!
Mas concorda que isso não estava nos horizontes (nem nos mais longínquos), desta revisão curricular? O que se pretendia era, simplesmente, despedir uns milhares de professores, sem com isso promover qualquer melhoria pedagógica. Certo?

Professora

Anónimo disse...

Pensando em termos de microcosmos, concordo que "as mudanças não seriam nada convenientes". Estou cá, e sofreria a conjuntura como todos, o que, honestamente, não desejo. Pensando em termos de "macrocosmos", quem sabe se a mudança é não só conveniente como necessária e, indo até mais longe, não está já em invevitável curso? Mais hipóteses que certezas.
HR

Anónimo disse...

Ninguém é assim tão ingénuo para pensar que, esta “reforma”, tem causas pedagógicas, pois não?
E, de novo, o reforço a Matemática e a Língua Portuguesa! Então talvez fosse melhor que os alunos voltassem ao tempo do “ler escrever e contar”, já que nada mais interessa e que as outras disciplinas não estão lá para por em prática o que é aprendido naquelas.

Os meus alunos nem querem ouvir falar nelas, têm, praticamente , seis aulas de Matemática por semana, no terceiro ciclo e seis de LP no segundo ( com professores coadjuvantes). Lêem mal, interpretam pior e não lhes peçam cálculos. Mais Matemática e mais Língua Portuguesa será mesmo o esse o caminho?

Anónimo disse...

Em resposta ao anónimo de 8 de Março das 14:48

Caminhos possíveis:
- Exames em final de ciclo A TODAS AS DISCIPLINAS.

- Aplicar a transversalidade prevista nos programas; em todas as disciplinas, o português tem de ser corrigido e fazer parte da cotação das avaliações. Toda a gente concorda mas ninguém o faz (ou quase ningém) porque dá trabalho

- Se só se aprende a andar, andando, também só se aprende a ler, lendo, e a escrever, escrevendo. Todos concordam que os professores de português precisam de mais tempo para corrigir textos escritos pelos alunos, uma vez que o feed back é fundamental na aprendizagem. Tantas horas gastas a pastar na escola, por que motivo não se atribuem horas não lectivas aos porfessores para que estes corrijam textos escritos pelos alunos? E por que não distribuir tão importante tarefa por todos? Dúvidas surgem sempre, mas um porfessor de qualquer disciplina pode predispor-se a aprender para saber corrigir textos de alunos do básico e do secundário.

- Diminuição da carga horária dos alunos, de acordo com as conclusões dos psicólogos sobre o funcionamento do cérebro humano e a sua capacidade de atenção. Apenas isso. As aulas que exigem concentração devem ter condições para tal...

- Proibição de os alunos transportarem às costas mais kilos dos que os apropriados para a respectiva idade, de acordo com estudos básicos de física e anatomia. Estamos a comprometer seriamente a saúde pública de toda uma geração. Foi por isso que em dada altura surgiram os cacifos. Mas a realidade é que.... uma turma de 28 alunos tem dirieto a 3 ou 4 cacifos. Eu sei que dá vontade de rir, a mim deu, mas é mesmo assim.

- Por que se continua a comer tão mal nas escolas?

- Terminar com área de Projecto e estudo acompanhado é bom. Mesmo que o objectivo seja meramente financeiro, a carga horária dos alunos é obscena. Mas também receio que se trate de uma mera acrobacia para poupar os tais euritos sabendo nós que a economia entrou num processo de especulação sem solução.

HR

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...