Trata-se de um diálogo entre (nada mais nada menos do que) Luís de Camões e António Gedeão, que, por magia, se terão encontrado já neste século. Inúmeras são as considerações que se lhe poderiam tecer, limito-me a destacar a tentativa pseudo-pedagógica que, nele se percebe, de contextualizar as aprendizagens no tempo presente e no espaço de vivência dos alunos, de os tentar interessar por aquilo que se supõe que lhes interessa, de lhes apresentar situações que poderão, a olhos desprevenidos, parecer divertidas, de apelar, a cada passo, ao lúdico, de usar predominante ou exclusivamente a linguagem corrente em sala de aula...
Identificação do documento: Texto incluído num “Guião de educação do consumidor” (página 93), disponibilizado no sítio da Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação, no local da “Educação para a cidadania”."Luís de Camões - Olá ! Eu sou Luís de Camões e ouvi dizer por aí que andaste a imitar um poema meu que falava sobre a minha bela Leanor. E como se não bastasse transformaste-a numa figura horrorosa, que mais parecia ter saído de um bordel. Nunca ouviste falar nos Direitos de Autor?
António Gedeão - Acalme-se homem. Em primeiro lugar eu não imitei o seu poema. Eu só me baseei nele para escrever um poema mais moderno, que as pessoas desta época possam perceber. Além disso a minha Leonor é muito digna. Vesti-a com a roupa que se utiliza hoje em dia, porque se a descrevesse como o senhor o fez não entenderiam a sua beleza e ainda podiam pensar que ela tinha saído de um convento.
Luís de Camões - Quer então dizer que eu não sou bom escritor e que não descrevi Leanor correctamente? Era o que faltava. Eu nem tinha ouvido falar nas peças de vestuário mencionadas no seu texto.
António Gedeão - Pelo contrário. Considero-o um excelente escritor e para mim é uma honra poder falar consigo. Acho que descreveu muito bem a sua Leanor e todas as situações do poema. Mas tem de compreender que o tempo passou e com ele mudaram os costumes, a fala, o vestuário e muitas outras coisas.
Luís de Camões - Talvez tenha razão. Até acho o seu poema bom, embora não o compreenda bem.
António Gedeão - Como já referi, agora, o uso da linguagem é outro. A maior parte das pessoas não compreendem o meu poema quanto mais o seu que já foi escrito há alguns séculos.
Luís de Camões - Pois é. Já no meu tempo era assim. As pessoas começam a ler, não percebem a primeira estrofe põem o poema de lado e não se dão ao trabalho de o tentar compreender. Há uma coisa que não percebo. Porque é que a sua Leonor anda de motoreta? (não faço ideia do que isso é). Agora já não é costume as pessoas andarem a pé?
António Gedeão - Claro que andamos a pé. Só que já não é hábito irmos buscar água à fonte, porque temos água canalizada. Por isso decidi descreve-la a ir de motoreta para a praia.
Luís de Camões - Se formos a ver o tema do seu poema afasta-se um pouco do meu. O meu poema fala de uma Leonor humilde, que me atrai devido à sua beleza simples e que aos meus olhos é a mulher mais bonita na face da terra.
António Gedeão - Quanto a mim, no meu poema descrevo-a como uma mulher sedutora e provocadora que deixa toda a gente a olhar para a ela por onde quer que passe. Mas devo confessar-lhe que a sua Leanor me agrada mais.
Luís de Camões - Afinal ainda existem bons poetas. Tenho de ir embora. Ando a ver se consigo escrever mais algum poema, mas a idade não perdoa. Espero que tenha uma obra muito vasta. Gostei de o conhecer."
6 comentários:
Professora Helena Damião:
Tratando-se de um texto oriundo do Ministério da Educação, não ficaria melhor escrever ..."a maior parte das pessoas não compreende"... em vez de ..."a maior parte das pessoas não compreendem"...?
eu tamém sou Luis Vais de Cá ? Mões são mais cás
Mões ó Mõe o Luís bateu-me
De facto, se isto se destina a "incentivar" um hipotético interesse dos alunos pela literatura, quem o garatujou deve ser uma bela peça.
Medir forças com Camões
nem ao diabo lembrava,
quanto mais aos Gedeões
que não passam de erva brava!
JCN
Caro José Baptista da Ascenção
Concordo com a primeira formulação, ou seja
..."a maior parte das pessoas não compreende"...
por considerar que o "compreende" se reporta à "maioria das pessoas", e não "às pessoas".
Considero, e porventura mal, que poderia formular-se a frase nestes termos, por exemplo:
"as pessoas não compreendem" mas aqui configurava-se a imprecisão de não saber quais as pessoas que não compreendem, enquanto que na
"maioria das pessoas", embora igualmente imprecisa, há contudo uma conotação com a "maioria" - embora não sabendo quantificá-la - sabe-se que será mais de 50.º, porque abaixo disso seria "minoria".
A "maioria das pessoas" é apenas simbólica, mas é a ela que se acusa de incompreensão.
Cordialmente e com um abraço Natalício
Obrigado pelo seu trabalho. Descobri hoje o "De Rerum Natura, quando pesquisava sobre Camões. É muito útil que se proporcione também a perspetiva pedagógica. Bem haja! Com admiração, José Carlos Canoa [http://www.luisdecamoes.pt/]
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