quarta-feira, 2 de março de 2011
O Instituto de Investigação Cientifica Bento da Rocha Cabral – Uma Jóia da Ciência Portuguesa
Novo post de António Mota de Aguiar (na imagem Bento de Rocha Cabral):
Poucos devem ser os portugueses que ouviram falar deste instituto. No entanto, o Instituto de Investigação Científica Bento da Rocha Cabral (IRC) tem uma história rica de investigação científica: por aqui passaram no século XX notáveis homens de ciência, entre os quais um Prémio Nobel.
O começo do IRC teve o seu encanto, devido sobretudo à grandiosidade de espírito do seu criador. Tudo começou quando Bento da Rocha Cabral, um transmontano emigrante no Brasil voltou à sua terra com uma enorme fortuna e resolveu deixar a maior parte da sua riqueza para uma obra de investigação científica. Normalmente, quando na época aconteciam casos destes, as doações eram feitas a instituições sociais ou de caridade: hospitais, asilos ou misericórdias. Mas Rocha Cabral, nascido em 1847, um espírito republicano, autodidacta e empreendedor, como prova a riqueza que fez no Brasil, viajou pela Europa e pela América, até um dia regressar ao país com ideias bem precisas.
Bento da Rocha Cabral, no testamento que deixou em 1921, contemplou a sua freguesia natal, empregados e familiares, deu conselhos à sua mulher e declarou que “não desejo que se façam convites para o meu enterro, nem o acompanhamento de padres, nem missas”.
Por esses anos, Ferreira de Mira, director do Instituto de Química Fisiológica da Faculdade de Medicina de Lisboa, escrevia artigos de divulgação da ciência no jornal A Luta de Brito Camacho. Chegou mesmo a escrever sobre as Fundações Rockefeller, Carnegie, e outras, cujos filantropos, deixaram para proveito da ciência e da arte, os milhões que possuíam em vida. Foi ao ler estes artigos que Rocha Cabral decidiu deixar em testamento grande parte da sua fortuna para a criação de um instituto de investigação científica, dirigido por Ferreira de Mira, com quem nunca se tinha encontrado apesar de conhecer a sua obra. Alguém que trabalha uma vida inteira e que no fim deixa a sua fortuna a uma pessoa que nunca viu só pode ter uma grande confiança na capacidade intelectual e conduta moral do contemplado.
Rocha Cabral vivia num palacete da Calçada da Fábrica da Louça, ao Rato, em Lisboa. O testamento foi aberto no ano da sua morte e, em Novembro de 1925, começavam os trabalhos do Instituto de Investigação Científica que tem o seu nome no palacete onde morava. Também a rua mudou de nome para passar a ter o seu.
O IRC começou com quatro investigadores: além do próprio Ferreira de Mira, Ferreira de Mira (filho), Simões Raposo e Lopo de Carvalho. Pouco a pouco, outros investigadores se juntaram ao primeiro grupo, como o parasitologista Carlos França e o zoólogo Silva Tavares.
O Instituto cultivou vários ramos das ciências biológicas. Para isso apetrechou-se com vários laboratórios especializados, dispostos por quatro secções: fisiologia, histologia, química biologia e bacteriologia. À frente de química biológica ficou Kurt Jacobsohn, cientista recrutado no Kaiser Wilhelm-Institut für Biochemie, em Berlim, pelo próprio Ferreira de Mira. Enquanto a secção de bacteriologia ficava a cargo de Alberto de Carvalho, assistente da Faculdade de Medicina de Lisboa, Celestino da Costa, catedrático de histologia, e Marck Athias, catedrático de fisiologia, ambos da Faculdade Medicina de Lisboa, apoiavam os alunos que precisavam de ajuda nas áreas científicas das suas especialidades.
O fito do IRC, como escreveu Ferreira de Mira, era criar “ciência pura”:
“O Instituto é essencialmente uma oficina de ciência pura, isto é, onde se estudam problemas sem olhar às utilidades imediatas que possam decorrer das soluções encontradas. (…) O bom investigador de ciência pura é impulsionado pela sua curiosidade científica e apenas cuida de satisfazê-la; mas logo em seguida, por assim dizer no seu rasto, aparecem os homens práticos que tiram proveito das descobertas do primeiro. A humanidade, que nem sempre é justa, torna às vezes célebres os nomes destes e esquece os investigadores de ciência pura, sem atender a que a obra daqueles não seria possível, se a não tivessem preparado estes últimos”.
Referindo-se aos estudos levados a cabo no IRC, Ferreira de Mira frisava:
“… a longa série de estudos do Prof. Joaquim Fontes e colaboradores sobre as determinantes do trabalho de parto, os trabalhos do Prof. Celestino da Costa e colaboradores sobre culturas de tecidos, a do Prof. Athias sobre caracteres sexuais secundários, do Dr. Gonçalves da Cunha sobre histologia vegetal, do Dr. Alberto de Carvalho e colaboradores sobre bacteriologia da tuberculose, assim como os estudos que o próprio realizou em colaboração com o Prof. Joaquim Fontes sobre a fisiologia das cápsulas supra-renais, ou ainda sobre as relações entre as supra-renais e a fadiga”.
Foi aqui também que Egas Moniz desenvolveu parte dos seus trabalhos experimentais, nomeadamente estudos com cães, que conduziram à descoberta da técnica da angiografia cerebral em 1927, assim como as experiências de desenvolvimento da angiopneumografia, que contaram com a colaboração de Almeida Lima e Lopo de Carvalho.
Desde o seu início, em 1925, até cerca de 1938, o IRC foi considerado, quer no âmbito nacional como internacional, uma referência na investigação científica, que, estando a par do que se fazia lá fora, honrava e dignificava a ciência portuguesa.
Porém, por não pertencer ao Estado, o IRC defrontou-se sempre com problemas do financiamento. Em 1938, teve a primeira grande crise deste tipo, ao ver o fluxo financeiro proveniente dos juros dos fundos brasileiros reduzidos, por convulsões políticas ocorridas neste país. Todos os que trabalhavam no IRC tiveram os seus vencimentos cerceados. Durante a 2.ª Grande Guerra Mundial, o IRC passou igualmente por grandes dificuldades, devido sobretudo ao isolamento científico. Houve uma outra crise financeira no fim dos anos 50 devido ao acréscimo de alunos estagiários da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, tendo sido necessário aumentar o investimento.
Após o período revolucionário em Portugal do 25 de Abril, com a desvalorização do escudo e o congelamento das rendas em baixos valores, mais uma vez o IRC foi afectado.
Nos dias de hoje, o IRC presta apoio a investigadores, com bolsas e projectos, e funciona como sede da Sociedade Portuguesa de Biologia. Recentemente foi criada uma quinta secção, a juntar às quatro já referidas, dedicada à História e Filosofia das Ciências.
Embora sem o dinamismo que tivera outrora nos primeiros treze anos de existência, o IRC, sob a direcção actual de Manuel Bicho, Professor de Genética da Faculdade de Medicina de Lisboa, procura um segundo fôlego para uma nova arrancada na investigação científica. O desafio é grande e oxalá consiga!
António Mota de Aguiar
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
O corpo e a mente
Por A. Galopim de Carvalho Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...
1 comentário:
é bom de ver que os cargos hereditários
migram da política para a ciência
e quando não há filhos adopta-se
Enviar um comentário