“A principal esperança de uma Nação reside na educação apropriada da sua juventude” (Erasmo de Roterdão, 1446-1536).
Um estudo dado a conhecer hoje publicamente nos media pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), e apresentado neste mesmo dia no Parlamento, não traz novidades que possam regozijar o país sobre o estado da educação nacional.
O diagnóstico deste status quo, não podendo ser escamoteado, aí está para nos dizer isso mesmo: o atraso da educação nacional relativamente a outros países. Os dados recolhidos pelo CNE mostram que “7% dos alunos com 11anos não estão no 2.º ciclo e já deveriam ter concluído o 6.º ano”. Para além disso, “ quase um em cada três adolescentes (29%) entre os 15 e os 17 anos encontra-se ainda a frequentar o 3.º ciclo quando já devia estar a iniciar o ensino secundário”. E isto é tanto mais estranho se for levado em linha de conta a dificuldade burocrática em impedir que os alunos mais ignorantes, mais indisciplinados, mais faltosos, não sejam levados às costas dos professores quer saibam pouco ou nada. Apesar disto, o novo-riquismo do ministério da Educação, tutelado por Maria de Lurdes Rodrigues, como quem põe, no dizer popular, "os bois à frente do carro", alargou a escolaridade obrigatória até aos 18 anos de idade. A isto chama-se optimismo ou ignorância crassa pelo desconhecimento dos cantos à casa ou de varrer para debaixo dos tapetes o lixo acumulado em anos sem rei nem roque.
São estes uns tantos diagnósticos do nosso sistema educativo indiciadores da sua pouca saúde ou mesmo declarada e funesta maleita. Resta reconhecer algumas das sua etiologias, de entre elas o facto da condução dos destinos do sistema educativo obedecer, muitas vezes e indesejavelmente, às rédeas de sindicatos docentes, com a Fenprof em papel destacado, fazendo com que ministérios de Educação se desviem de rumos de um ensino minimamente exigente, mormente, na necessária imperiosidade da habilitação académica dos seus professores para que os alunos não completem o 1.º ciclo sem saberem ler, nem escrever, nem contar, e continuem a entrar no ensino superior com provas de acesso para satisfazer a sua falta de preparação anterior e encher os desfalcados cofres das instituições que os acolhem.
Verdade seja dita, esta situação remonta aos tempos recuados de Roberto Carneiro, então na tutela da Educação, ao ceder a pressões de trinta sindicatos e associações de professores para que fosse aprovado um estatuto de carreira docente única integradora desde educadores de infância a professores do ensino secundário, como se a exigência dos respectivos conhecimentos científicos fosse a mesma. Carreira docente, é conveniente que se diga, sem paralelo em qualquer outro país europeu em que a deveres diferentes correspondem direitos diferentes. Pior do que isso, em que, ademais, saíram beneficiados os antigos professores do ensino primário com a reforma aos 52 anos de idade, quando a exigência para os professores dos outros graus de ensino era de 56 anos, numa altura em que a esperança de vida da população portuguesa era já substancialmente superior.
Aliás, os sindicatos docentes foram os primeiros a lançar o descrédito sobre o exercício da docência num período em que pela força do “boom” do aumento da população a escolarizar se encontraram razões que deviam ser provisórias mas que se tornaram efectivas com repercussões negativas no preenchimento de vagas que passaram a entupir os quadros docentes a ponto de há uns anos para cá se encontrarem sem perspectivas de emprego diplomados saídos da universidade e das escolas superiores de educação.
Na segunda metade do século XX, a China Comunista, o maior e mais populoso território do planeta, vivia o período agitado da revolução cultural que atrasou o respectivo progresso material e tecnológico, situação que não se devia compaginar com docentes portugueses sem qualquer habilitação específica mas que se eternizaram na docência fazendo disso a sua profissão.
Sindicatos houve que se fizeram jubilosamente prosélitos desta situação ao aceitarem a inscrição de todo aquele que desse aulas ao arrepio do simples bom senso. Desta forma, na sombra de um aparente nacional porreirismo escondiam-se critérios económicos para aumentar o número dos seus associados e o seu o poder reivindicativo junto das instâncias oficiais. Assim, o estudante de Direito, quando ainda estava a estudar, dava aulas e era titulado como professor. Depois de formado era titulado como advogado, passando a defender em juízo. O estudante de Farmácia, quando ainda estava a estudar, dava aulas e era titulado como professor. Depois de formado era titulado como farmacêutico, passando a director técnico de farmácia. O estudante de Arquitectura, quando ainda estava a estudar, dava aulas e era titulado como professor. Depois de formado era titulado como arquitecto passando a projectar edifícios.
Os dados ora adiantados pelo CNE reflectem toda esta situação e espelham uma notícia do Público, de 9 de Fevereiro de 2002: “Zero foi a pontuação obtida na realização de problemas matemáticos por 40% dos 118 mil alunos, dos 4.º e 6.º anos de escolaridade que efectuaram provas de aferição no ano lectivo de 2000/2001”.
Nos dias de hoje, levantam os sindicatos objecções a uma prova de acesso à docência, posição criticada por Silva Lopes da forma seguinte: “Nunca ninguém me explicou por que é que não há concursos verdadeiros para professores, por que é que se utilizam as notas das universidades, venham eles de uma escola boa e exigente ou de uma universidade manhosa e perdulária nas notas”. Esta situação muito se agrava na docência para o 2.º ciclo básico em que os candidatos à respectiva docência concorrem apenas com a nota de licenciatura (antes de Bolonha) ou mestrado (depois de Bolonha) obtida em universidades e escolas superiores de educação com classificações inflacionadas na saída e deflacionadas no ingresso.
Este testemunho de Silva Lopes, reportado a 2004, foi acompanhado pelo premonitório aviso: “É um desastre completo. Nem daqui a 30 ou 40 anos nos livramos dos erros que andamos a fazer hoje”. Portugueses preocupados com o futuro do país e pais preocupados com o futuro dos filhos, não há que desanimar. Ainda só se passaram 6 anos de lá para cá. Falta-nos, pelo menos, 24 anos para nos livrarmos dos “erros do passado” se para tanto houver coragem em pôr cobro a tamanhos e tantos desmandos!
8 comentários:
Caro Rui Baptista,
Este seu artigo bateu forte
Confesso-lhe que me fez (enquanto professor) mais mossa do que as verdades que Medina Carreira tem transmitido sobre a economia e finanças do país.
Aconselhe-me, caro amigo; se pudesse emigrava ou não? É que não sei se daqui a 30 anos estarei vivo (tenho 44 anos) e não sei se terei dinheiro para comprar uma arrastadeira e tripé para levar para a escola...
Caro anónimo (22 Out.; 09:42):
Claro que emigrava se pudesse e se a minha idade não fosse maior do que a soma da sua idade e a sua dúvida de estar vivo daqui a 30 anos.
Que mais lhe posso dizer? Faço votos para que aos 74 anos esteja vivo e de boa (ou mesmo excelente) saúde dando conta aos seus netos do pesadelo vivido sob o clima de opressão e injustiça que se abateu sobre os professores, atingindo mais uns do que outros. Como diz o ditado, não há mal que sempre dure, portanto, coragem companheiro.
:( assim vamos nós neste desgraçado país, sem saber para onde nos virarmos... :(
Caro Senhor
Um dos muitos problemas com que se confronta o ensino está, efectivamente, relacionado com a progressiva perda de qualidade da formação (inicial e contínua) dos professores, especialmente no que se refere aos dois primeiros ciclos do ensino básico e o problema - que já existia antes de Bolonha - acentuou-se com as imposições de Bolonha.
A Universidade e o Ensino Secundário eram, até há pouco, os bastiões que resistiam ao facilitismo reinante por imposição de políticas educativas que prefrerem a aparência das estatísticas à realidade das aprendizagens. Como era previsível, também aí o facilitismo acaba por se ir impondo, já que a preguiça é muito mais contagiosa do que o trabalho.
Não sei se interpretei bem as suas palavras, mas parece-me partir do princípio de que deveria haver professores de primeira e de segunda (eventualmente, de terceira), sendo que o escalão mais baixo, por assim dizer, seria ocupado pelos professores do primeiro ciclo. Devo dizer-lhe que discordo em absoluto: trata-se, na minha opinião, de perfis e de capacidades completamente diferentes, a merecer a mesma valorização. Tanto me fascina a exposição de um catedrático como o milagre de um professor primário que consegue pôr um analfabeto a ler. Como declaração de interesses, aproveito para dizer que tenho leccionado no terceiro ciclo e no secundário. Defendo, ainda, a polidocência logo no primeiro ciclo, de modo a permitir uma formação inicial muito mais rigorosa.
Quanto à prova de acesso à profissão, só poderia aceitá-la como transitória, já que o mais importante deveria consistir numa verdadeira avaliação das universidades, num acompanhamento constante e rigoroso dos alunos que escolheram cursos ligados ao ensino e, sobretudo, impor que o grande filtro estivesse colocado no acesso ao ensino superior, não só através das notas dos exames nacionais, mas também com recurso a outro tipo de provas, tal como deveria acontecer, por exemplo, para o acesso a Medicina. Um dos problemas é que as próprias universidades não estariam interessadas nisso, devido ao sistema de financiamento. Assim, permitir aos jovens, ainda que de modo enganoso, uma progressão até à licenciatura ou ao mestrado, em instituições aprovadas pelo Estado, para, no fim, lhes pregar a rasteira de uma prova de acesso a uma profissão, chega a parecer-me sadismo.
De resto, é sempre um desafio e um prazer lê-lo, mesmo quando discordo.
António Fernando Nabais
http://osdiasdopisco.wordpress.com/
Caro R. Baptista,
Cheguei agora de Vigo e muito cansado, mas vou recuperar e tentar ganhar ânimo, o que é difícil por que ouvir a rádio espanhola ou a portuguesa é igual. A propósito, dizia uma galega (com responsabilidades políticas) que o governo de Madrid está a criar um túnel de tempo para levar Espanha 15 anos para trás... (Pensei, vamos voltar aos tempos dos caramelos?)
Vejo que se aproxima da idade do meu pai, mas com muito mais genica. Um exemplo. Obrigado por haver professores assim!
O ensino em Portugal anda obcecado pela Medicina!
Todos nos querem tratar da saúde!
Ai Portugal, Portugal, do que é que tu estás à espera, diz o Jorge Palma e com tanta razão, tanta!
Enquanto Medicina estiver no pedestal do ensino teremos maus profissionais; atestados ou enfeitados, atestadíssimas penas de pavão! Oh senhor livra-nos do mal, dá-me colestrol e “atenção” arterial baixa, dinheiro e um filho médico.
Anónimo (22 de Out.; 21:22):
Talvez por ser filho de um sócio de farmácia e genro de um médico,não comungo inteiramente do seu pessimismo em concordância com Proust: "Crer na medicina é suprema loucura, se não crer nela não fosse loucura maior".
Isto porque em todas as profissões há bons e maus profissionais, como reconheceu o próprio escritor Fernando Namora, médico de formação, quando deu o título a uma das suas obras de "Deuses e demónios da medicina".
Mas lá que dá muito jeito ter um filho médico, dá!
Caro senhor António Fernando Nabais:
Acabei, momentos atrás, de publicar um novo post, "O Conselho Nacional de Educação e as suas responsabilidades".
Julgo que nele poderá encontrar novas achegas sobre a minha opinião acerca de alguns dos males de que enferma o sistema educatico português. Do seu comentário, deduzo que, a exmplo da canção de Rui Veloso, ´"é mais aquilo que nos une do que nos separa" nesta problemática.
Não fujo, com isto, ao problema de uma carreira única (com vencimentos iguais) para todos os professores.
É um assunto melindroso, mas que não deve fazer recair sobre mim o ónus de um menor apreço ou respeito pelos professores do 1.º ciclo do ensino básico, antigo ensino primário. A ele voltarei...
Enviar um comentário