quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Serão as Ciências da Educação Ciências?

Esta pergunta tem suscitado várias respostas neste blogue. Eu respondo que sim, são. O modo como os seres humanos ensinam e aprendem na escola ou fora dela é susceptível de ser analisado de forma científica. O problema é que muitas pessoas que se reclamam dessa área, em particular as que inspiram ou trabalham no nosso Ministério da Educação, não sabem que as ciências da educação são mesmo ciências... E preferem o caminho fácil das certezas, fundadas na ortodoxia e, afinal, na ideologia.

28 comentários:

Fartinho da Silva disse...

Pois é, mas quem manda efectivamente no Ministério da "Educação", no Conselho Nacional de "Educação", na formação de professores, nos sindicatos de professores, nos centros de formação contínua de professores, nas associações de professores, etc., etc. são pessoas ligadas ao lobby das "ciências" da educação. Esta é que é a verdade. Desta forma qualquer professor do sistema público de "ensino" sabe que para ter sucesso na vida tem que ser praticante efectivo desta fé. Estas pessoas, misturando uns pós de pós-modernismo, marxismo-leninismo, nacional-socialismo, "rouseaunianismo" e sofismos (pelo menos) conseguiu impor-se e neste momento tudo roda à sua volta. Julgo que até aqueles que defendem uma escola assente no conhecimento e na ciência (como a Helena Damião), já trabalham para esta gente sem se aperceberem. Quantas vezes não são invocados, quando esta gente tenta enganar os tolos? Ainda há pouco apareceu o PJ a tentar encostar a Helena Damião ao eduquês!!

A vergonha não mora para aqueles lados e muito menos o superior interesse do país, quando está em jogo a manutenção do status quo.

José Batista da Ascenção disse...

Pois. Neste como noutros âmbitos, é forçoso que distingamos gato de lebre. E o que nos têm vendido é gato da pior qualidade. Ainda por cima com as unhas de fora. E assim foi até que o "gatum" se tornou insuportável. Urgente se torna que o não deixemos reciclar para recebermos doses da mesma mixórdia nos próximos trinta anos. Já chega!

Carlos Fiolhais disse...

Comentário que recebi (CF) de Guilherme Valente:

O futebol, na suas várias manifestações, pode ser estudado de modo científico. Mas poderá falar-se em «ciências do futebol»? Que tipo de conhecimento, que leis, que verificalidade e repetitibilidade, universalidade e possibilidade de infirmação, produziriam essas «ciências»?

Popper nem aceitava considerar ciência a Psicanálise, como sabes. E não era científica a atitude e espírito e regras com que a Psicanálise procurava iluminar o seu objecto de estudo?

Percebes a subtileza da confusão? Não é por se poder (e dever) estudar com a atitude e espírito e regras da ciência uma matéria que esse estudo passa a ter o estatuto de ciência. O método científico deve ser adoptado sempre que possível no estudo de tudo, deve ser uma atitude geral, mas não torna todo o saber a que se chegue numa ciência. A expressão justa para esse tipo de investigação em causa parece-me ser, repito, «estudos sobre educação». Aqui ou na China, embora aqui a generalidade desses estudos tenha de científico o que sabe.

Sabe-se, aliás, que o recurso à expressão «ciências», surgido no contexto do triunfo da ciência, teve e tem um carácter táctico, o de tentar validar e afirmar conhecimentos que o não são e o de tentar relativizar a validade do conhecimento que é, de facto, ciência.

Claro que se poderá sempre jogar com o sentido e a acepção das palavras... mas a realidade, como dizia Einstein, «sim, acho que existe».

(Que bom estarmos desta vez em desacordo...)

Guilherme Valente

Luís Silva disse...

A confusão será sempre muita quase se julga que o Popper confundia a Ciência com uma actividade onde era aplicado o mítico "método científico". Nem o velho Newton o aplicou, nem mesmo Bacon o terá levado completamente a sério. Sejam sérios e façam lá o favor de entender o pobre Popper que não acreditam em métodos científicos alguns.

João Braga disse...

Apenas por este parágrafo pode-se constatar no que se baseia a ciência do "eduquês". É a justificação do título escolhido para a revista "Sísifo" das Ciências da Educação da UL.


"O título escolhido para a revista também justifica uma explicação breve. A pessoa humana constitui o único ser existente no universo que busca permanentemente conhecê-lo, o que é inerente à sua sobrevivência e à afirmação da sua especificidade humana. Como Ser curioso, está condenado a aprender e a interrogar-se. É um trabalho permanente e inacabado que implica colocar em causa os resultados e recomeçar, sempre. A produção de conhecimento assume formas diversas, nas quais se inclui o saber científico. Este distingue-se pelo seu carácter sistemático, pela utilização consciente e explicitada de um método, objecto permanente de uma meta análise, individual e colectiva. O trabalho científico consiste numa busca permanente da verdade, através de um conhecimento sempre provisório e conjectural, empiricamente refutável. O reconhecimento da necessidade deste permanente recomeço é ilustrado historicamente quer pela redescoberta de teorias negligenciadas no seu tempo e recuperadas mais tarde (caso da teoria heliocêntrica de Aristarco), quer pela redescoberta de visionários que anteciparam os nossos problemas de hoje (Ivan Illich é um desses exemplos). É a partir destas características do trabalho científico que é possível comparar a aventura humana do conhecimento à condenação pelos deuses a que foi sujeito Sísifo de incessantemente recomeçar a mesma tarefa."

DSB disse...

Caro Carlos Fiolhais e Guilherme Valente,

A ciência do futebol profissional é a ciência do alto rendimento desportivo! (Desafio a que contestem a cientificidade desta afirmação! E este sim, perante o proferido, representa o meu verdadeiro desacordo! Não pelo futebol, mas pela interdisciplinariedade científica subjacentes ao desenvolvimento dessa essa cîência, que é o alto rendimento: fisiologia, psicologia, medicina, sociologia...! Alongo-me neste parêntises por considerar que o problema que aqui se discute se decalca, exactamente, na anolia que descrevo neste comentário!)

A ciência daquele que ensina as regras, os primeiros truques e fintas, as tácticas é do treinador, leia-se professor, se quisermos manter a analogia!

A ciência do futebolês é a dos treinadores de bancada!!!!

Ou seja, a diferença está no que que cada um contribui, efectivamente, para a evolução da modalidade...

Não obstante, a formação dos "treinadores" continua a fazer a diferença, assim como o grupo que os mesmos treinam! Mesmo assim sabemos que existem jogadores, leia-se agora alunos, que jogam no inter-freguesias...não serão brilhantes, mas marcam os seus golos!

Falta uma peça evidente... a vontade e apostas dos dirigentes! Mas...Nunca vi um clube querer perder antes do apito de partida!

Analisemos qual é o nosso papel!

Anónimo disse...

Fartinho da Silva disse:
“Julgo que até aqueles que defendem uma escola assente no conhecimento e na ciência (como a Helena Damião), já trabalham para esta gente sem se aperceberem. Quantas vezes não são invocados, quando esta gente tenta enganar os tolos? Ainda há pouco apareceu o PJ a tentar encostar a Helena Damião ao eduquês!!”
Julgo que esta frase revela ignorância ou má fé, eventualmente as duas coisas. Quando invoquei o nome da Professora Helena Damião foi apenas minha intenção demonstrar que existem pessoas que não podem ser apelidadas de defensoras do “eduquês” e que são doutoradas em ciências da educação. Este é um facto objectivo.
O Sr. Guilherme Valente (GV) sobre esta matéria sustenta duas coisas. Em primeiro lugar, que as ciências da educação não são ciências, opinião que o Professor Carlos Fiolhais não partilha. Em segundo lugar, que não sendo ciências não podem, por definição, dar lugar a teses de doutoramento. Usando as suas próprias palavras: ”Teses de douramento? De modo nenhum. Só no reino do «eduquês»…”.
A consequência lógica desta linha de argumentação é que a tese de doutoramento em ciências da educação que a Professora Helena Damião defendeu na Universidade de Coimbra, intitulada O Erro no Ensino: Conceptualização e Estudo Empírico, não poder ser considerada uma tese científica e, com grande probabilidade, não ter produzido conhecimento que possa justificar a atribuição do título. Usando as palavras de GV sobre os mestrados e doutoramentos em ciências da educação, estes produzem conhecimento irrelevante “para o conhecimento, para o ensino, a escola e os alunos” e revelam “uma significativa indigência de referências científicas e culturais.” Provavelmente o júri que avaliou a tese de doutoramento da Professora Helena Damião pertencia a uma seita reproduzida de forma hermafrodita.
Poder-se-á argumentar que a tese da Professora Helena Damião é uma excepção. Parece-me uma fraca linha de argumentação porque seguramente descobriremos outras excepções e, como eu advogo, chegaremos à conclusão que as ciências da educação produzem trabalhos científicos de qualidade muito diversa, à semelhança de outros campos do conhecimento.
Aliás, sobre a tese de doutoramento da Professora Helena Damião o Professor Carlos Fiolhais escreveu há já alguns anos: “Em ciência a noção de erro é essencial, pois a ciência procura continuamente eliminar o erro. Mas, em ciências da educação, e nomeadamente no contexto das práticas educativas, a noção de erro raramente tem sido discutida. Por isso, só é de enaltecer o aparecimento recente desta tese de doutoramento em ciências de educação que foca precisamente o erro em educação. A autora, que já tinha alguns interessantes livros baseados na sua prática pedagógica, discute na tese os resultados de um estudo empírico em que professores são confrontados com a noção de erro no ensino (seu ou dos outros).”

PJ

Fartinho da Silva disse...

Caro PJ,

Julgo que ainda não percebeu que eu utilizo "ciências" da educação para me referir à venda da banha da cobra e ciências da educação ao resto, pena tenho que as ciências da educação sejam apenas algo muito residual.

E, por favor, não compare as ciências da educação com Física, Química, Biologia, etc... é que não há comparação possível!

Anónimo disse...

"Julgo que ainda não percebeu que eu utilizo "ciências" da educação para me referir à venda da banha da cobra e ciências da educação ao resto, pena tenho que as ciências da educação sejam apenas algo muito residual."

Noto uma nuanve do seu discurso. Existem as ciências da educação com aspas e sem aspas. Eventualmente a tese da Professora Helena Damião insere-se nesta última categoria.
Afirma que as ciências da educação sem aspas são residuais. Como é que sustenta este argumento? Simplesmente porque acha? Parece-lhe que? Como suspeito que não é seu hábito ler trabalhos da área das ciências da educação portugueses ou estrangeiros julgo que a sua opinião se baseia num preconceito. Mas talvez o FS me surpreenda com uma argumentação mais sólida.

"E, por favor, não compare as ciências da educação com Física, Química, Biologia, etc... é que não há comparação possível!"

Eu não sei por que razão não é possível comparar as ciências da educação sem aspas com as disciplinas científicas que refere. A ser que fundamente sob o ponto de vista epistemológico a sua afirmação. Fico a aguardar a sua apreciação.
Existem autores que consideram que as ciências sociais e humanas não são verdadeiras ciências. Por exemplo, Richard Feynman sustentava esta opinião argumentando que as ciências sociais não descobriam leis (ver http://www.bbc.co.uk/sn/tvradio/programmes/horizon/broadband/archive/feynman/index.shtml). É uma opinião respeitável de um cientista brilhante, mas que não partilho. Mas pelo menos Feynman apresentava um argumento. Quais são seus?

PJ

Fernando Silva disse...

Podemos começar por definir educação?
Nomeadamente o que distingue educação de instrução?
Será que a aquisição de conhecimentos académicos e ou científicos é aquirir educação?
Sem sabermos se quando escrevemos a mesma palavra - educação, nos estamos a referir ao mesmo conceito, não vale a pena começar a discução ou a reflexão.

Fartinho da Silva disse...

Caro PJ,

Noto que o Caro PJ não se dá ao trabalho de se referir à pessoa que fez o comentário referido. Considero isto um pouco estranho, mas enfim...

"Como suspeito que não é seu hábito ler trabalhos da área das ciências da educação portugueses ou estrangeiros julgo que a sua opinião se baseia num preconceito."

Como o senhor ou a senhora continua a apelidar-me de preconceituoso baseando-se em "como suspeito que" e "julgo que" não perderei mais o meu tempo a responder-lhe.

Passe bem e já agora aqui fica mais uma definição que lhe poderá ser útil na sua relação com os outros:

Insolência - Manifestação do orgulho das pessoas que se elevam acima da sua condição.

Dois livros que lhe recomendo:

Orgulho e Preconceito
de Jane Austen
Edição/reimpressão: 2002
Páginas: 280
Editor: Europa-América
ISBN: 9789721040847
Colecção: Clássicos

As Boas Maneiras Ainda São Importantes?
Em Defesa do Comportamento Civilizado Num Mundo Bárbaro
de Lucinda Holdforth
Edição/reimpressão: 2010
Páginas: 192
Editor: Bizâncio
ISBN: 9789725304556
Colecção: Pequenos Livros

Marta disse...

Sem querer desvalorizar a questão em debate, se as ciências da educação são ou não ciências, gostaria de alertar os participantes de que este debate apesar de importante não tem quaisquer consequências no dia a dia das nossas escolas. Convido sim as mesmas pessoas a analizar simples aspectos concretos na vida das escolas e dos alunos. Por exemplo, já que se tem falado em ciência e não ciência, que tal analizar erros científicos dos exames nacionais? Por exemplo o exame de Biologia e Geologia da 1ª fase (17 de Junho) na questão 2 do III grupo, onde se afirma que um isótopo radioactivo desintegra-se espontaneamente a uma taxa constante ao longo do tempo, fazendo-se, portanto, confusão entre taxa de decaimento e período de semi-vida do isótopo. Isto sim afectou muitos alunos e ainda não vi alguém das ciências exactas contestar tal questão! O que é mais grave é que este erro vai ser imprimido e difundido nos futuros livros de preparação para exame dos alunos. Andamos muito ocupados e preocupados com o eduquês e as ciências da educação...
Que tal os defensores da Ciência se preocuparem um pouco mais com ela.

Anónimo disse...

Caro Fartinho da Silva:

Duas ou três impressões rápidas sobre a sua resposta. A primeira é para dizer que raramente fundamenta as suas opiniões e, quando confrontado com perguntas concretas sobre aquilo que escreveu, tende a refugiar-se em noutras afirmações também sem fundamento.
A segunda é que, no que respeita às duas últimas perguntas que lhe fiz, optou por não responder. Está no seu pleno direito. Invoca um argumento algo pueril para não responder afirmando que eu fui insolente e mal-educado quando afirmei que estaria estar a ser preconceituoso caso não demonstrasse que abundam os estudos de ciências da educação com aspas e rareiam os sem aspas. Fraco argumento, mais uma vez. Recordo-lhe que me disse, numa troca de comentários há alguns dias atrás, a propósito de uma observação minha, que ela configurava uma atitude demagógica. Por definição, quem assim procede está a ser um demagogo. Ora, eu não considerei essa observação minimamente insultuosa. Faz parte de uma discussão viva que, pelo menos na minha opinião, nunca ultrapassou, de parte a parte, os limites da boa educação.
A minha conclusão, discutível como todas, é, pois a seguinte: o Fartinho da Silva serviu-se de uma desculpa para não apresentar argumentos que sustentem os seus pontos de vista. Como é seu timbre. I rest my case…

Marta disse...

Na minha mensagem anterior onde está escrito "período de semi-vida" deve ler-se "semi-vida".

Anónimo disse...

Cara Ana: no site da Associação Portuguesa de Geólogos (http://www.apgeologos.pt/frame_nsoc.htm)encontrará um parecer sobre o referido exame. A pergunta que referiu não é mencionada como um contendo um erro. No parecer pode ler-se:
"A totalidade das questões da prova não apresenta incorrecções científicas, sendo
estas formuladas com clareza e utilizando uma linguagem correcta."

Não sendo da área não consigo pronunciar-me sobre a questão que levanta.

PJ

Marta disse...

Em resposta a PJ:
A ciência caracteriza-se por ser objectiva. Sabendo que a taxa de decaimento radioactivo varia exponencialmente em função do tempo, a sua variação não pode ser constante para uns e variável para outros. Assim proponho um desafio: indicação de uma referência bibliográfica credível que afirme de forma clara e inequívoca que a taxa de decaimento radioactivo é constante ao longo do tempo.

Poderia apresentar várias referências onde se mostra que a taxa de decaimento diminui com o tempo. Contudo vou referir apenas o livro Fundamentals of Physics 6th Edition, Halliday, Resnick, Walker, John Wiley & Sons, Inc., New York, 2001, cujo tema se encontra desenvolvido nas páginas 1174, 1175 e 1176. Note-se que o método de datação radioactiva baseia-se exactamente na variação da taxa de decaimento dos isotopos radioactivos com o tempo.
Façamos um exercício e desenvolvamos o espírito crítico, pois para além da Associação Portuguesa de Geólogos, também o Ministério da Educação defende o que está no exame.

Anónimo disse...

"Façamos um exercício e desenvolvamos o espírito crítico, pois para além da Associação Portuguesa de Geólogos, também o Ministério da Educação defende o que está no exame."

Eu não coloco em causa aquilo que afirma. Simplesmente não consigo pronunciar-me sobre o assunto em causa pelo facto de ele não se enquadrar na minha área científica. A minha sugestão de consultar o site da Associação Portuguesa de Geólogos surgiu de uma pesquisa que realizei na sequência da afirmação que a Ana fez de que era tempo de os defensores da ciência se preocuparem mais com ela, dando o exemplo de um erro no exame de Biologia e Geologia da 1ª fase.
Tendo em conta a questão que levanta seria estúpido colocá-la a um físico ou trata-se de uma dúvida que só pode ser respondida por alguém da área da Geologia? Se um físico poder dar uma resposta ao erro que identificou por que não colocá-la ao Professor Carlos Fiolhais? Se ele ou outro especialista de renome corroborarem a sua tese penso que deve dar conta desse parecer à Associação Portuguesa de Geólogos e ao próprio GAVE.

PJ

Marta disse...

Caro PJ:
Entendo a sua posição, não sendo especialista da área. O desafio que coloquei na minha mensagem anterior está aberto a qualquer participante deste forum. Para ajudar o desafio acrescento que a taxa de decaimento de um isótopo radioactivo é também designada por actividade desse isótopo.
Fazem todo o sentido as questões que me coloca. Respondo-lhe que contactei por mail o GAVE, a Associação Portuguesas de Professores de Biologia e Geologia, o De Rerum Natura, a Sociedade Portuguesa de Física e o Professor Carlos Fiolhais. Destas entidades só recebi resposta do GAVE, que nunca me disse que estava errada, mantendo o critério de correcção.
Devo acrescentar que, antes de recorrer a qualquer uma das entidades referidas, consultei um professor universitário de Física que me confirmou que a opção considerada pelos critérios de correcção está errada.
Não tendo este professor um espaço público onde este erro pudesse ser publicitado, decidi recorrer a entidades com recursos, para tornar público o erro e contribuir para a sua correcção.
Não queria terminar esta minha mensagem sem lhe agradecer publicamente a atenção que dispensou à questão por mim trazida a este forum. Pois, pelo que acima disse, foi uma das únicas pessoas que foi sensível ao problema.

José Carlos Santos disse...

Cara Ana:

Estive a ler as suas objecções à solução da questão 2 do III grupo do exame de Biologia e Geologia da 1ª fase (17 de Junho) e confesso não as compreender. Comecemos pela pergunta em questão; esta consiste em preencher, de maneira correcta, os espaços em branco da seguinte frase:

No basalto da crosta oceânica, um isótopo radioactivo desintegra-se espontaneamente a uma taxa _______ ao longo do tempo e a sua percentagem, na rocha, tende a _______ com o afastamento da rocha à crista [sic] oceânica.

Segundo a correcção do exame, o que está correcto será escrever «constante» e «diminuir» no primeiro e no segundo espaço em branco respectivamente. Segundo a sua crítica, há aqui uma «confusão entre taxa de decaimento e período de semi-vida do isótopo». Não percebo porquê. O período de semi-vida de uma substância é o tempo que leva a desintegrar-se até restar somente metade do material inicial; a taxa de decaimento é o simétrico do quociente entre a derivada da função «quantidade de material» e a própria função. Estes dois números estão relacionados: o produto dos dois é o logaritmo natural de 2 (= 0,693...). Mas a minha pergunta aqui é: onde é que detecta uma confusão entre os dois conceitos?

Fez uma referência à sexta edição do Fundamentals of Physics, de Halliday, Resnick e Walker. Não tenho acesso a essa edição dessa obra, pelo que não posso comentar o que lá vem. Mas o que eu escrevi sobre semi-vida e taxa de decomposição pode ser visto em muitos sítios, tal como, por exemplo, no artigo da Wikipedia sobre «Radioactive decay» ou então em University Physics, 7th edition, de Sears, Zemansky e Young (Addison-Wesley).

Marta disse...

Em resposta a José Carlos Santos:
Primeiro que tudo passo a esclarecer porque afirmei existir “confusão entre taxa de decaimento e semi-vida do isótopo”. Esta minha afirmação resulta da resposta que me foi dada pelo GAVE da qual passo a citar uma das frases:
“A taxa de desintegração é constante e define-se como sendo o tempo necessário para que metade da quantidade inicial do elemento radioactivo pai se transforme no elemento filho.” Como pode constactar, aqui sim há confusão entre os dois conceitos referidos.
Na sua argumentação afirma que «a taxa de decaimento é o simétrico do quociente entre a derivada da função «quantidade de material» e a própria função.». Acontece que esta afirmação está errada. Passo a explicar porquê. Se for a qualquer manual de Física que aborde a questão do decaimento radiactivo verá o que passo a expôr.
O número N de núcleos numa amostra de uma substância radioactiva é uma função do tempo, N=N(t). Note-se que N está relacionado com a «quantidade de material». A taxa R à qual a substância decai (taxa de decaimento) é dada pelo simétrico da derivada de N em ordem ao tempo: R=-dN/dt. Esta taxa é, como sabemos, proporcional a N: -dN/dt=kN, sendo a constante de proporcionalidade k a chamada constante de decaimento (ou constante de desintegração). Se dividirmos -dN/dt por N, obtemos a constante de decaimento e nunca a taxa de decaimento como refere na sua mensagem. Portanto, na sua mensagem faz confusão entre taxa de decaimento e constante de decaimento.
Tomando em atenção a solução da equação diferencial -dN/dt=kN, facilmente se conclui que a taxa de decaimento de uma substância radioactiva diminui ao longo do tempo.
Já agora, gostaria de referir um outro fenómeno que também apresenta uma variação exponencial. Refiro-me ao crescimento bacteriano. Acha que a taxa de crescimento bacteriano é também constante ao longo do tempo?

Anónimo disse...

O problema aqui é claramente de semântica, de se perceber que conceitos estão em causa à partida. Algo que nunca se sabe bem, quando se trata dos exames finais do ensino secundário português. A qualquer disciplina.

José Batista da Ascenção disse...

Cara (colega?) Ana:
Tenho acompanhado a questão que levantou e ela interessa-me particularmente, porque sou professor da disciplina.
Sempre vi a questão do modo que a coloca. E foi segundo essa perspectiva que trabalhei com os meus alunos.
Porém, talvez haja aqui um problema de semântica, uma vez que se poderá chamar taxa a conceitos não coincidentes. E dessa forma há terreno fértil para confusão.
Convinha por isso que quando se fazem programas se precisassem os conceitos fundamentais de cada temática.
Olhe, em matéria de adequação ou falta dela, relativamente ao conteúdo dos programas, concepção de exames e respectivos critérios, as coisas parecem-me mais que discutíveis e por vezes completamente inadmissíveis. E refiro-me precisamente ao programa da disciplina de biologia e geologia, ano I, que mais parece feito para impedir que os alunos aprendam e que os professores os consigam ensinar (bem sei que isto é um sacrilégio: agora os alunos auto-aprendem, apesar de alguns pais insistirem em pagarem fortunas para que explicadores os ensinem...). Em minha opinião, os resultados dos exames de biologia, após a revisão curricular de 2003, são muito fracos e derivam, em grande parte, dos factores que referi. Antes dessa data, os exames de biologia não apresentavam problemas de maior e os alunos que precisavam da disciplina para prosseguir estudos saíam do ensino secundário bem preparados. Agora é o que temos.
Como este ano, voltei a ser corrector, precisamente do exame da primeira fase, debati-me com o problema que refere e com vários outros. Disso mesmo dei conta num artigo publicado no jornal "Diário do Minho" no dia nove do passado mês de Julho. Mas quem, tirando os professores, se interessa com coisas dessas? E os professores, nos tempos que correm, decididamente não têm quem os oiça. Se tiver algum interesse, envio-lhe esse escrito. Basta que mo solicite para o mail josbat@gmail.com
Demorei algum tempo a pronunciar-me sobre o seu comentário porque esperava por alguém que desse sinal de olhar para o assunto. Era uma forma (minha, sujectiva)de aquilatar a solidão em que os professores trabalham.
Desculpe o tempo que lhe tomei.
Deixo-lhe um cumprimento sincero.

José Carlos Santos disse...

Cara Ana:

Começo por lhe fazer notar que, no seu primeiro comentário, aquilo que escreveu foi que, na pergunta em questão, se faz «confusão entre taxa de decaimento e período de semi-vida do isótopo». Ora a pergunta faz perfeitamente sentido e não revela qualquer confusão. Onde há confusão é na resposta que lhe enviaram do GAVE.

Tem razão ao dizer que a minha afirmação está errada. Aquilo que eu disse aplicava-se à constante de desintegração e não à taxa de decaimento. A constante de desintegração é, como o nome indica, constante. A taxa de decaimento é o simétrico da velocidade a que muda a quantidade de material. E, no caso de uma substância radioactiva, a taxa de decaimento é, efectivamente, variável.

Sendo assim, e supondo que o termo «taxa» da pergunta se refira à taxa de decaimento, a solução indicada não está correcta, pois, como afirmou, a taxa de decaimento diminui. Mesmo assim, gostaria de saber como é que o termo «taxa» é definido nos manuais do secundário, para ver se não se trata efectivamente de uma questão semântica, como já foi sugerido.

Marta disse...

Resposta a anónimo, a José Baptista da Ascenção e a José Carlos Santos:
Discordo que neste caso haja um problema de semântica. Tal como comecei a minha intervenção neste blog, a ciência caracteriza-se por ser objectiva. O conceito de taxa de decaimento tem um significado único, aquele que está apresentado na minha última mensagem e que pode ser verificado em qualquer, note-se em qualquer, manual que aborde o decaimento radioactivo. Aliás o próprio conceito de taxa refere-se a uma variação por unidade de tempo.
A taxa de desintegração é uma grandeza que dá o número de desintegrações por unidade de tempo e como tal tem dimensão de inverso de tempo. A semi-vida é o tempo necessário para que a quantidade de uma substância radioactiva se reduza a metade, logo trata-se de um tempo e, portanto, tem dimensão de tempo. Assim, tendo este dois conceitos dimensões diferentes, nunca poderá haver questões de semântica relativamente a eles. Será que a resposta que me foi dada pelo GAVE contém algum problema de semântica?
A ciência não pode ser como o Natal: sempre e como o Homem quiser!
O que está em questão é que um grave erro foi cometido pelo GAVE e quando alertado atempadamente não tomou as medidas adequadas para o corrigir. Quantos alunos do nosso país ficarão impedidos de se candidatar a medicina por esta questão lhes ter sido corrigida erradamente?
Agradeço a atenção que o Dr. José Batista da Ascenção prestou à minha mensagem e não gostaria de terminar sem dizer que é ironíco que os seus alunos possam ter sido eventualmente prejudicados no exame por ter trabalhado correctamente o tema com eles.

José Carlos Santos disse...

Vou voltar à ideia de que pode haver uma confusão semântica em torno do conceito de «taxa». Parece-me pacífico que a taxa de decaimento de um material radiactivo se define como sendo o simétrico da velocidade a que muda a quantidade de material. Esta quantidade é variável.

Mas pense-se agora numa porção de uma material radioactivo e que se afirma que diminui à razão de, por exemplo, 2% ao ano. Isto significa que se a quantidade inicial for N_0, então a quantidade N(t) de material ao fim de _t_ anos é igual a (0,98)^t*N_0. Temos então uma taxa de decaimento variável (e a constante de desintegração é 0,0202...), mas parece-me razoável que se diga que o material em questão se desintegra a uma taxa de 2% ao ano. Pergunto então a quem tenha acesso a manuais escolares de Geologia de Ensino Secundário como (e se) surge lá o conceito de «taxa» no contexto da cronologia radiométrica.

José Batista da Ascenção disse...

Caríssima Ana:

Obrigado pela sua clareza, persistência e desassombro.
Realmente dói muito ver alunos prejudicados por raciocinarem bem e executarem como deve ser. Apesar de começar a ser vulgar...
E já dei comigo a explicar segundo dois modos: um o que julgo que é cientificamente correcto e o outro o que é apresentado/exigido em exames e em provas modelo...
E o que isto custa...
Também cheguei a colocar questões ao GAVE, com o mesmo sucesso da Ana...
Obrigado, outra vez.

Marta disse...

Resposta a José Carlos Santos:
Não “lancemos” entropia no sistema! Porque considerou a taxa ao ano? Porque não ao dia ou ao nanosegundo? Se a taxa, como já foi referido na minha mensagem anterior, é em cada instante proporcional ao número de núcleos radioactivos presentes na amostra, ela está continuamente a variar.
A sua abordagem ao conceito de taxa não encontra fundamento em nenhum livro que aborde o decaimento radioactivo. Quanto aos manuais de Biologia e Geologia, os dois que consultei são muito claros em relação ao conceito de semi-vida. Quanto ao conceito de taxa de decaimento, não é referido mas pode ser deduzido pelos alunos a partir da análise da curva do gráfico que dá a percentagem de isótopo pai em função do tempo, presente nestes manuais. Sendo esta curva uma exponencial, o número de desintegrações por unidade de tempo (taxa de desintegração) não pode ser constante. Um aluno só responderia constante se, e só se, a referida curva fosse uma recta.

José Carlos Santos disse...

Cara Ana,

O meu objectivo não foi lançar entropia. Foi, isso sim, tentar convencê-la de que o termo «taxa» pode ter mais do que uma interpertração. Mas eu respondo às suas perguntas («Porque considerou a taxa ao ano? Porque não ao dia ou ao nanosegundo?»). Resposta: porque se fosse constante para uma unidade de tempo também seria constante para todas as outras.

Fiquei um tanto confuso por dizer que o conceito de «taxa de decaimento» não é referido nos manuais (mas, mais uma vez, não é óbvio para mim que a «taxa» da pergunta signifique «taxa de decaimento»). Será que não é do programa? Se for esse o caso, então a questão talvez deixe de ser somente a de a resposta estar errada. É que então talvez a pergunta nem sequer devesse ter aparecido num exame.

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