Extracto de uma entrevista que dei recentemente a Fábio Rodrigues, aluno de Comunicação Social da Universidade de Coimbra:
"FR- Sente que a escola continua sem solução para o problema de tornar a ciência atractiva?
CF- Sim, sinto que a escola não responde às necessidades da educação científica. Esse é um dos problemas do nosso ensino. Num mundo que é sustentado pela ciência e fabricado pela tecnologia, é difícil viver sem se ter uma noção da ciência como poderosa arma para a compreensão e transformação de quase tudo o que nos rodeia. Um grande desafio das sociedades contemporâneas é como fazer com que a ciência chegue melhor a mais gente na escola, sendo esta uma instância fundamental e insubstituível. Se um indivíduo não possuir uma boa formação de base, no sentido de perceber qual é o nosso corpo essencial de conhecimento sobre o mundo, sobre a realidade, estará impotente, desarmado perante o mundo. Não estou, de forma alguma, a falar em formar cientistas, estou a falar em formar cidadãos que tenham o mínimo de cultura científica para estarem prevenidos e serem capazes de tomar as suas opções de vida, opções essas que, em muitos casos, estão ligadas à ciência.
FR- Já escreveu vários manuais escolares, tenta passar uma visão mais atractiva da ciência?
CF- Tento, mas não é fácil, porque há desde logo um grande constrangimento, dado pelos programas escolares e pelas normas, ditas orientadoras, que os enquadram. Quando colaboro em manuais escolares, faço-o na tentativa de intervir no sistema educativo num sentido que eu entendo como positivo, mas o sistema é, usando a linguagem da física, muito inerte, empurramos e ele praticamente não se mexe. Os programas são uma grande limitação para os autores dos manuais e as normas que os formatam são, a meu ver, excessivas. Isto para não falar, mais em geral, do sistema escolar que é demasiado burocrático, deixando pouca liberdade as escolas, para professores e alunos, o que resulta num ensino demasiado dependente do Ministério da Educação e das pessoas que o ocupam. Mesmo o espaço de liberdade que podia ser concedido pelos manuais é bastante reduzido. A máquina do ministério, e chamo-lhe "máquina" para não lhe chamar "monstro", podia fazer mais e melhor, podia fazer com que a ciência aparecesse a mais gente de uma forma mais apetecível. Um dos grandes dramas do nosso sistema educativo é que a ciência aparece demasiado tarde, quando a natural curiosidade dos jovens já está ocupada por outros interesses. O interesse pelas ciências devia ser fomentado em idades baixas, no jardim-escola e 1º ciclo do básico, e é por isso que escrevi, juntamente com outros colegas, uma colecção de livros intitulada “Ciência a Brincar” que mostram que se pode descobrir a ciência nessas idades de uma forma atractiva. A ciência, se aparecer cedo e adequadamente, não é um bicho de sete cabeças, é apenas uma forma de responder a dúvidas e inquietações que qualquer criança pode ter.
FR- Pensa que uma nova abordagem no ensino primário ou básico, mais ligada ao real, seria a possível solução?
CF- Sim, claro, e isso passa muito pela formação dos professores. Os professores têm de tratar a ciência por tu, já que, se a ciência não for familiar para eles, não o será decerto para os seus alunos. E, a nível do ensino básico, essa é certamente uma das maiores dificuldades, nem todos os professores convivem pacificamente com a ciência, pelo contrário, muitos até a receiam, achando que é uma coisa inacessível ou difícil. A verdade é que se podem fazer experiências muito simples com crianças, que lhes permitem ultrapassar intuições erradas, fazendo, observando, verificando."
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7 comentários:
A ciência parece não ser atractiva não só pela má formação dos professores e este nem é o maior problema, é o saber cativar os alunos, alunos de tenra idade, não lhes são dadas noções claras e simples da utilidade da ciência, por exemplo o facto comum dos jovens fugirem da matemática e dizerem que aquela "treta" não serve para nada!
Quem diz matemática diz obviamente física e química sem as 3 quais nada feito para profissões como engenheiro, médico, físico, químico, etc..
Tem que existir da parte dos pedagogos ou cientistas da educação como quiserem, um discurso claro e eficaz para as crianças do pré escolar e do básico, sobretudo, da utilidade da ciência a par do seu ensino prático, para criar o tal bichinho dentro delas!
E este aspecto têm sido descurado ao longo de décadas, obrigando a empinarem formulas aos alunos porque sim..
Estranho ter lido «O interesse pelas ciências devia ser fomentado em idades baixas, no jardim-escola e 1º ciclo do básico.», não que não ache bem, mas se for bem feito do 5.º em diante já é tarde?
Já não sei o que aprendi de ciências até à antiga 4.ª classe, para além da Geografia de Portugal, Aritmética e Geometria. Não me lembro de, por exemplo, se cheguei a dar Ciências Naturais.
Agora do 1.º ao 7.º do liceu dei muitas disciplinas de Ciências. Penso ter sido, na idade e na extensão adequada, ajudadas por livros escolares bons, na maioria.
Américo Tavares
Talvez o passado nos ajude a compreender o presente. Já a preparar-nos para soluções futuras ponho as minhas dúvidas. Dúvidas com génese nos erros que se têm cometido no presente e se desejam perpetuados em nome de interesses profissionais, sindicais e institucionais há muito instalados.
Apesar de tudo:“O grande defeito do ensino oficial português está em que os compêndios são maus, os professores piores, e os programas, trasladados das escolas europeias, seriam excelente, por vezes, se não fossem puras hipóteses burocráticas” – Oliveira Martins (1845-1894).
Há aqui matéria suficiente para tentar esclarecer alguns pontos:
1º O monstro “Ministério da Educação” é um monstro burocrático e que se alimenta da burocracia inventada pelos seus funcionários, “cientistas” da educação, “psicólogos” da educação, “sociólogos” da educação e “professores” para justificarem o seu emprego. Temos que ser claros, qualquer pessoa que vá contra o sistema e a ideologia dominante que lhe dá suporte não pode aspirar a ir muito longe na sua carreira;
2º A “formação” dos “professores” dos 1º ciclo e 2º ciclos do “ensino” básico é uma formação pós-moderna, na qual se dá um enorme relevo à forma e nenhuma ao conteúdo. Este problema está identificado há muitos anos, no entanto continua tudo na mesma;
3º A qualidade dos “professores” do 3º ciclo e secundário está a baixar imenso, porque o pós-modernismo aqui chegou com enorme força e, sejamos claros, a profissão (numa “escola” pública), neste momento, NÃO TEM QUALQUER INTERESSE PARA OS MELHORES. E não tem interesse porque se perde imenso tempo com os “alunos” que não querem saber nada de coisa nenhuma e nenhum com os restantes, porque a carga burocrática é inenarrável e ainda porque os salários começam a ser completamente ridículos quando comparados com os auferidos noutras actividades com igual exigência.
Enquanto não percebermos que temos que nos deixar de idealismos e que temos que enfrentar a dura realidade não vamos lá!
Se ninguém visse nisso qualquer problema, assinaria o comentário de Fartinho da Silva.
A quem agradeço.
Ora bem! sou formadora das chamadas Sociedade, Tecnologia e Ciência, em cursos para adultos, e tento (da melhor forma que sei...) cativar e divulgar ciência. Mas a pergunta, "para que é que isto serve???" está já demasiado enraizada na maioria dos adultos...
Concordo e subscrevo, é de pequenino que se torce o pepino.
"E não tem interesse porque se perde imenso tempo com os “alunos” que não querem saber nada de coisa nenhuma e nenhum com os restantes, porque a carga burocrática é inenarrável e ainda porque os salários começam a ser completamente ridículos quando comparados com os auferidos noutras actividades com igual exigência."
Ora, nem mais! Não consigo ter acesso ao ensino dito normal, desanimei completa e totalmente com a Ciência Portuguesa (a minha antiga equipa está agora reduzida a dois elementos...sem projectos e sem bolsas, com os chefes de equipa enterrados em burocracia e aulas...assim anda a ciência em portugal, para alguns...não imaginam a quantidade de mentes brilhantes que Portugal já perdeu, seja porque se fizeram ao estrangeiro, seja porque se fartaram -como eu- da falta de condições e tentaram ir por outra via), não há um único gabinete de "comunicação de ciência" na universidade onde eu estava (nem sequer existe como "profissão"...), possuo um handicap auditivo que me impossibilita de, por exemplo, tentar a sorte lá fora (como muitos e muitos e mais, que já não voltam...), portanto, fazer o quê? Ora, porque não formação e educação de adultos. Não podes vence-los, junta-te a eles.
O problema é que sou muito verde e demasiado idealista. Não estava preparada, confesso, para o nível de ignorância, miséria intelectual, miséria física, humana e espiritual nem para a resistência que alguns adoptam contra "essa seca"... "isso é demais para mim", "estas letras são muito pequenas, não as posso ler", "isso serve para quê", "qual é o interesse prático", "não acredito no que não vejo" e etc, etc, são apenas algumas das pérolas...
E não é só no ensino dito normal que nos vemos atolados em burocracia que nos rouba tempo ao estudo, actualização e preparação dos conteúdos.
Mais uma quase-desilução a caminho :p :D
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