Tal como já dei aqui conta, reproduzindo um artigo de opinião publicado no Público, o programa do Partido Socialista para esta legislatura contém algumas propostas muito positivas, no sentido de melhorar as condições precárias com que muitos investigadores trabalham em Portugal. Transcrevo o parágrafo em causa:
"Será ainda garantido, a todos os investigadores doutorados, um regime de protecção social idêntico ao dos restantes trabalhadores, incluindo os actuais bolseiros, assegurando-se, ainda, o cumprimento integral, em Portugal, das recomendações europeias relativas às carreiras dos investigadores e às suas condições de mobilidade."
A primeira parte retiraria os bolseiros de investigação doutorados (penso que deveriam ser todos, mas seria um passo na direcção certa) do regime indigno que é o Seguro Social Voluntário (SSV). O SSV prevê descontos para a segurança social pelo valor dos Indexante de Apoios Sociais (um pouco menos que o salário mínimo). Isto significa que os anos de bolsa contam para a reforma como se o bolseiro estivesse a ganhar menos que o salário mínimo e os subsídios de doença ou invalidez em caso de necessidade também são uma fracção de algo menos que o salário mínimo. E atira os bolseiros para indigência nos períodos entre bolsas, já que não dá direito a subsidio de desemprego.
Também é muito interessante a parte do "cumprimento integral, em Portugal, das recomendações europeias relativas às carreiras dos investigadores". Isto implica, por exemplo e segundo a Carta Europeia dos Investigadores, "criar um sistema mais transparente, aberto, equitativo e internacionalmente aceite de recrutamento e de progressão na carreira, como um requisito prévio para a criação de um verdadeiro mercado europeu de trabalho para os investigadores." Claro que em Portugal isto é complicado, uma vez que até os concursos envolvendo vários tipos de sucata são viciados. Mas está demonstrado que a transparência nos concursos e a diminuição da endogamia (contratação com base em critérios de proximidade social em vez de mérito) pode realmente melhorar a produtividade científica (há um artigo elucidativo de Arcadi Navarro publicado em 2001 na Nature, sobre isto). A endogamia em Portugal é avassaladora. Que iniciativas concretas o governo ou a Assembleia da República terá neste sentido?
Também se pode ler na Carta Europeia dos Investigadores que "Os Estados-Membros deveriam envidar esforços para oferecer aos investigadores sistemas sustentáveis de progressão em todas as fases da carreira, independentemente da sua situação contratual e da via profissional escolhida em I&D, e para garantir que os investigadores sejam tratados como profissionais e como parte integrante das instituições em que trabalham". Isto ainda não é o caso em Portugal. A carreira faz-se aos soluços (com hiatos de rendimentos entre as bolsas, que na ausência de pais ricos ou pobres e muito generosos conduzem à indigência ou à mota da telepizza) e os jovens investigadores tratados como estudantes que ainda têm sorte em ganhar umas massas.
Poucas linhas de programa de governo que contém metas muito ambiciosas, uma delas bastante explícita. Numa reunião com os deputados no dia 6 de Janeiro, o PS transmitiu aos representantes dos bolseiros:
"Referiu os contactos que têm decorrido entre a ABIC e o MCTES, afirmando que este é sensível a algumas das questões que têm sido levantadas pelos bolseiros e referiu as preocupações neste domínio expressas no actual Programa do Governo. Afirmou que algumas das medidas necessárias poderão ter que ser tomadas de forma faseada."
Esta posição, se não acompanhada de algumas medidas concretas num prazo razoável (por exemplo já neste orçamento de Estado), é muito preocupante. Eu até posso anunciar que pretendo a ir à Lua "de forma faseada", mas se não fizer nenhum avanço significativo nesse sentido não estou a ser sério.
1 comentário:
CANTIGAS DE ARROZ PARDO
Prometer não custa nada,
é de borla e fica bem:
sendo conversa fiada,
já não convence ninguém.
O mal é haver criaturas
que embarquem nestas cantigas
de arroz pardo e de farturas
com palavras muito amigas.
Essa da lua está boa,
mesmo que seja por fases:
são coisas ditas à toa,
não sendo mais do que frases.
A quanto diz o governo
há que dar o seu desconto:
toma um ar bondoso e terno
para nos levar... no conto!
JCN
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