sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
EM BUSCA DO CÉU QUE PERDEMOS
Informação recebida do Museu da Ciência da UC:
Equipa que, há um ano, partiu à descoberta do "céu dos nossos avós" vai revelar ao público os resultados de um projecto que já cativou parceiros um pouco por todo o mundo.
Como era o céu, antes de a Ciência moldar a forma como olhamos para ele? Uma equipa coordenada pelo Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (UC) e pelo Instituto de Estudos de Literatura Tradicional (IELT, Universidade Nova de Lisboa) partiu há um ano em busca do "céu dos nossos avós" e vai agora partilhar com o público o resultado da sua expedição pelos saberes do antigamente. A sessão terá lugar no dia 26 de Janeiro às 15 horas no Museu da Ciência da UC. A entrada é livre.
“Quando a lua tem um aro à volta no fim de três dias chove, ou se o mocho real levantar do Tejo e começar a cantar pelos altos, no fim de três dias chove, ou se no dia em que as ovelhas são batidas à tesoura, se ficarem deitadas muito tempo, no dia a seguir chove. Quem me ensinou isto foi o meu pai”. O depoimento do pastor Rui Sanches, do Rosmaninhal, é um dos muitos testemunhos recolhidos pelos parceiros do projecto "O Céu dos Nossos Avós", que de Norte a Sul do país procurou recolher os saberes ancestrais sobre o Universo.
Ao longo de um ano de recolha de depoimentos pessoais, contos, lendas, cantos, poesia e provérbios, a equipa coordenada pelo Museu da Ciência e pelo IELT revisitou um céu em vias de extinção: o céu que os nossos antepassados viam, a forma como o interpretavam com a ajuda dos saberes transmitidos de geração em geração. "Mesmo nos centros urbanos há ocultas convicções e referências (lexicais, por exemplo) a sol, céu, planetas sem que nelas se repare e sem nos apercebermos. Tanto mais que o céu nem sequer é visto...", revela Ana Paula Guimarães, do IELT.
Como é que em Portugal líamos o céu antes da Ciência nos dizer como devemos fazê-lo? Como é que um pastor sabia as horas sem precisar de recorrer a um relógio? O que é que os mais antigos faziam para prever o tempo? Que rituais ligados aos astros existiam e quais deles ainda persistem? Estas são algumas das questões para as quais os parceiros do projecto "O Céu dos Nossos Avós", integrado nas celebrações do Ano Internacional da Astronomia, procuraram e encontraram respostas, por vezes surpreendentes.
"O principal objectivo foi de facto alcançado. Temos agora uma rede de contactos que nos levam junto de populações muito diversas, algumas muito isoladas, como é o caso, por exemplo, das famílias de pastores da Beira Baixa, com quem o Núcleo de Pastorícia do Fundão trabalha de perto, tendo produzido o filme 'O Rebanho das Estrelas'", avança Carlota Simões, do Museu da Ciência da UC.
"O Rebanho das Estrelas" é, de resto, um dos principais protagonistas da sessão de apresentação pública do projecto "O Céu dos Nossos Avós", que tem cativado parceiros por todo o mundo, desde Portugal à Índia, passando pelos Estados Unidos e pelo Brasil.
Mas a recolha só agora começou. "Agora que chegámos às populações mais isoladas, vamos continuar a fazer recolhas de conhecimento tradicional, e um novo tema será lançado para 2010 no dia 26 de Janeiro, lançando um novo desafio a todos os nossos parceiros. Os textos obtidos serão posteriormente estudados por especialistas do IELT, e o material áudio e vídeo fará parte do site Memoria Media (http://www.memoriamedia.net/), cujo objectivo é precisamente preservar e disponibilizar a todos o nosso património cultural", revela Carlota Simões.
Os índios das marés
O Brasil, por intermédio de especialistas do Museu da Amazónia e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi um dos colaboradores mais activos do projecto, dinamizado pelo Museu da Ciência com a colaboração do IELT.
Do outro lado do Atlântico, o investigador Germano Afonso tem descoberto junto das populações indígenas da Amazónia factos surpreendentes sobre os conhecimentos astronómicos dos nossos antepassados. Por exemplo, percebeu que "muito antes da Teoria de Galileu, que não considerava a Lua, os indígenas que habitavam o Brasil já sabiam que ela é a principal causadora das marés".
"Em 1632, Galileu Galilei publicou o livro 'Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo; ptolomaico e copernicano', onde afirmava que a principal causa do fenómeno das marés seriam os dois movimentos circulares da Terra: desconsiderando a influência da Lua. Em 1612, o missionário capuchinho francês Claude d’Abbeville passou quatro meses entre os Tupinambá do Maranhão, da família tupi-guarani, localizados perto da Linha do Equador. No seu livro “Histoire de la mission de pères capucins en l’Isle de Maragnan et terres circonvoisines”, publicado em Paris dezoito anos antes do livro de Galileu, d’Abbeville escreveu: 'Os Tupinambá atribuem à Lua o fluxo e o refluxo do mar e distinguem muito bem as duas marés cheias que se verificam na lua cheia e na lua nova ou poucos dias depois'", revela o especialista do Museu da Amazónia.
"Somente em 1687, setenta e três anos após a publicação de d’Abbeville, Isaac Newton demonstrou que a causa das marés é a atracção gravitacional do Sol e, principalmente, da Lua sobre a superfície da Terra", sublinha Germano Afonso, doutorado em Astronomia pela Universidade Pierre et Marie Curie, em Paris.
"O que achei mais interessante e me incentivou a pesquisar a Etnoastronomia Indígena foi verificar que localizei com os Guarani do Sul do Brasil a maioria das constelações dos extintos Tupinambás descritas por d’Abbeville, embora essas duas etnias pertencentes à mesma família Tupi-Guarani, sejam separadas por cerca de 400 anos no tempo e 3.000 quilómetros na distância", explica.
Segundo Germano Afonso, que estará presente na sessão do Museu da Ciência via Skype, os indígenas também observavam os movimentos aparentes do Sol para determinar, o meio dia solar, os pontos cardeais e as estações do ano utilizando o Gnômon, que consiste de uma haste cravada verticalmente no solo, da qual se observa a sombra projectada pelo Sol, sobre um terreno horizontal. "Ele é um dos mais simples e antigos instrumentos de Astronomia", revela.
Mais infomações sobre "O Céu dos Nossos Avós" poderão ser encontradas no site do Museu da Ciência da UC.
Criado a partir da ideia original do astrónomo Guilherme de Almeida, "O Céu dos Nossos Avós" é organizado pelo Museu da Ciência da UC e pelo IELT com a colaboração da Associação Cultural Camaleão, do Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra, PédeXumbo, Instituto de Educação e Cidadania, Núcleo Museológico da Pastorícia do Fundão, Movimento de Animação Cultural Arte Popular Ibérica (MACAPI), Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino, Universidades Seniores da Nazaré e de Celorico de Basto, Município de Idanha-a-Nova, Teatro Municipal da Guarda, Sindicato dos Trabalhadores Têxteis e da ACAIS - Associação do Centro de Apoio aos Idosos Sanjoanenses.
Organização:
- Museu da Ciência da Universidade de Coimbra
- Instituto de Estudos de Literatura Tradicional da Universidade Nova de Lisboa
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5 comentários:
E se, em vez de ser "antes da ciência", fosse "à margem" ou "a par da ciência", uma vez que, ainda hoje, o tradicional saber popular continua a exercer-se , pese ao actual predomínio ou generalização da ciência propriamente dita?... Minudências! JCN
Mesmo sem ter frequentado
qualquer universidade,
o zé-povinho, em verdade,
tem o seu saber herdado.
JCN
Mesmo ser ter manuais
ou livros para estudar,
sabe o povo às vezes mais
do que qualquer escolar.
JCN
Entre o rebanho de estrelas,
das quais é Deus o pastor,
tem lugar o meu amor
que é a mais brilhante delas.
JCN
El-rei de Portugale
barcas mandou lavrare;
barcas mandou fazere
e no mar as metere.
Joan Zorro
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