terça-feira, 31 de março de 2009

Ciência – Arte – Religião


“Ciência – Arte – Religião”, 3ª Conferência do Ciclo “Novos Triângulos”

Dia 16 de Abril.2009 – às 21h15, Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, Porto

A Câmara Municipal do Porto, através da Fundação Porto Social e no âmbito do Projecto “Porto Cidade de Ciência”, realiza no próximo dia 16 de Abril, às 21h15, no Auditório da Biblioteca Almeida Garrett, a 3ª conferência do Ciclo “Novos Triângulos”, sob o tema “Ciência – Arte – Religião”.

Para abordar este triângulo temático teremos como oradores convidados Carlos Fiolhais, Professor Catedrático de Física da Universidade de Coimbra e Director da Biblioteca Geral dessa Universidade, Eduardo Souto Moura (na foto), um dos Arquitectos portugueses mais internacionais e conceituados e Anselmo Borges, Padre da Sociedade Missionária Portuguesa, Teólogo e Professor de Filosofia da Universidade de Coimbra. A moderação deste Ciclo de Conferências está a cargo de Luís Portela, Presidente da Fundação Bial.

Este 3º encontro, pretende fomentar o cruzamento de diferentes concepções e pensamentos subsidiários à compreensão das relações entre ciência, arte e religião. Como equacionar as relações entre estas áreas? Afiguram-se aqui aproximações e sobreposições, mas também especificidades e distanciamentos. Estamos perante uma matéria de reflexão, complexa e polémica, que apela ao debate dos participantes pela diversidade de pontos de vista.

A entrada é livre.

NOVO LIVRO DE FERNANDO PESSOA


Informação recebida da Imprensa Nacional:

Saiu na Imprensa Nacional / Casa da Moeda o volume X da edição crítica de Fernando Pessoa: "Sensacionismo e outros ismos". A coordenação é de Jerónimo Pizarro.

OS JUDEUS NA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


Meu texto sobre a exposição "Coimbra Judaica" para ser publicado nas actas do colóquio com o mesmo título (na figura o médico Jacob de Castro Sarmento):

Alguns dos melhores portugueses foram judeus. Isso foi assim em geral em todo o país e também o foi na cidade de Coimbra e na Universidade de Coimbra, que, no seu melhor, têm sido sempre parte do melhor do país. Infelizmente, muitos deles foram, ao longo dos séculos, vítimas de intolerância religiosa. Se hoje não somos um país melhor, a responsabilidade vai, em larga medida, para a perseguição que, a partir do reinado de D. Manuel I, foi movida aos judeus. De facto, alguns dos que conseguiram fugir à sanha inquisitória guindaram-se a posições de topo nos países que os albergaram, melhorando esses países. Também aqui a sua fama alcançou justa repercussão.

As obras dos judeus portugueses que foram escolhidas para a exposição “Coimbra Judaica” realizada na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra abrangeram os mais variados domínios do saber humano, do direito à filosofia, da literatura à economia. Foi também na ciência que alguns judeus se distinguiram entre nós, sendo essa distinção tanto mais de assinalar quanto eles chegaram ao bom porto das suas descobertas e invenções movendo-se em águas revoltas e enfrentando ventos adversos. A metáfora marítima não deixa de ser apropriada uma vez que os dois expoentes máximos na ciência portuguesa no tempo dos Descobrimentos, que figuram aliás no areópago mundial da ciência, o matemático Pedro Nunes e o botânico Garcia da Orta, tinham ascendência judaica. Os dois estudaram medicina em universidades espanholas e os dois foram professores na Universidade de Lisboa que haveria de ser transferida para Coimbra (Nunes deu aulas em Coimbra e Orta só não as deu porque, antes dessa transferência, embarcou na carreira da Índia). Se o primeiro não foi em vida perseguido talvez por haver dúvidas sobre a sua genealogia (foram-no os seus netos), o segundo ficou para a história como um símbolo da perseguição já que, em 1580, quando Portugal perdia a sua independência, os seus ossos foram exumados para serem sujeitos ao fogo do Tribunal do Santo Ofício de Goa (além disso, uma sua irmã foi queimada viva). É lícito pensar se não teria sido ainda maior a grandeza lusa no tempo da expansão marítima se ela não tivesse sido ensombrada pelas acusações aos judeus, derivadas do preconceito e da cobiça.

Bastante mais tarde, nos tempos pombalinos, outros judeus ou cristãos-novos conheceram as agruras do exílio distinguindo-se na ciência. Bastará dar como exemplos os nomes de dois médicos que passaram pela Universidade de Coimbra: Jacob de Castro Sarmento, que, depois de terminado o seu curso em Coimbra e de uma curta prática clínica, se viu forçado ao exílio em Inglaterra, onde foi membro do Royal College of the Physicians e da Royal Society, e António Ribeiro Sanches que, após estudar Direito em Coimbra, cursou Medicina em Salamanca e se estabeleceu, em primeiro lugar, nos Países Baixos e, depois, na Rússia, tendo prestado serviços na corte dos czares, para terminar a sua carreira em França. Castro Sarmento conheceu Newton, tendo sido o primeiro a traduzir alguns escritos do grande físico inglês para português; por sua vez, Ribeiro Sanches, foi o único português a colaborar na Enciclopédia Metódica coordenada por Diderot e d'Alembert, assinando um artigo sobre doenças venéreas. Nessa época em que as luzes triunfavam na Europa, as chamas da Inquisição ainda ardiam no reino lusitano. Os dois, embora à distância, desempenharam um papel de relevo na Reforma da Universidade de Coimbra que o Marquês de Pombal ordenou em 1772. Podemos pensar que o ressurgimento nacional das ciências nessa época teria sido ainda maior se eles pudessem ter cá permanecido...

A Universidade de Coimbra, através da sua Biblioteca Geral, teve o maior gosto em se associar à Câmara Municipal de Coimbra na organização da exposição “Coimbra Judaica”, na histórica Sala de São Pedro, uma exposição que recordou e celebrou, através das suas obras, uma mão cheia de nomes de judeus portugueses famosos em diversas áreas da ciência: Pedro Nunes, Garcia da Orta, Jacob de Castro Sarmento e António Ribeiro Sanches, mas também Abraão Zacuto, Francisco Sanches, Cristóvão da Costa, Amato Lusitano e outros. E famosos também noutras áreas, como Isaac Abravanel, Leão Hebreu, Uriel da Costa, António José da Silva, etc. Ao Director Adjunto da Biblioteca, António Eugénio Maia do Amaral, são devidos rasgados agradecimentos pelo cuidado posto na selecção dos livros e na respectiva exposição. Não podemos reparar os erros da história, mas podemos reparar neles, para não os olvidar. A evocação, através das suas obras, dos melhores de nós só nos poderá ajudar a tornar melhores.

segunda-feira, 30 de março de 2009

No rescaldo do doutoramento de José Mourinho


Resposta final de Rui Baptista sobre a polémica em torno do doutoramento de José Mourinho (na imagem, estátua de Adónis no Museu do Louvre):

“Qualquer ideia proferida desperta outra ideia contrária” (Johann Wolfgang Goethe)

Eu sabia, quando o redigi o post, haver umas tantas cabeças que dificilmente me perdoariam a heresia de enaltecer a justa homenagem que a actual Faculdade de Motricidade Humana (FMH), da Universidade Técnica de Lisboa (UTL), prestaram a um ex-aluno em dignificação do seu diploma de licenciatura num mundo em que as actividades corporais ainda despertam a sobranceria de uns tantos pseudo-intelectuais que se refugiam em resquícios de um inefável pedantismo. Pedantismo, ao arrepio do legado deixado pelo alemão Ernest Krestchemer (1888-1964), médico psiquiatra germânico, doutor honoris causa em Filosofia pela Universidade de Wurzburgo, quando nos diz que “o homem pensa com o corpo todo”, e que parece vivificar em nacionais nossos - como escreve o meu amigo Carlos Félix Fernandes, citando Alexandre O´Neill, “que andam engravatados todo o ano, mas assoam-se na gravata por engano…” - que parecem acreditar naquilo que eu tenho como a proporcionalidade inversa entre a inteligência e os músculos. Aqueles músculos que o escritor Almada Negreiros – tido por João Bigotte Chorão como, “talvez, a personalidade mais completa e complexa e fascinante da cultura portuguesa do século XX” – elevou a alto pedestal, ao proclamar: “É preciso criar a adoração dos músculos”.

Todavia, por um tardio remorso, persiste, ainda, em nosso tempo e em nossa cultura, a subalternidade do corpo, paradoxalmente credor de ostentosas cerimónias fúnebres quando matéria sem sopro de vida, fétida, pútrida. Quiçá por isso, as Ciências do Desporto e a Psicologia (excluo a Medicina por lidar com pessoas fragilizadas pela doença para quem ela constitui a esperança da sua cura), continuam, no seu estatuto de Ciências Humanas, a sofrer o calvário de arrastarem a cruz da incompreensão do homem comum com que nos defrontamos no nosso dia-a-dia.

E tanto assim é que, com amarga ironia, George Miller, doutorado em Psicologia pela Universidade de Harvard e professor da Universidade de Princeton, presidente da Associação Americana de Psicologia e considerado o criador da moderna ciência cognitiva, apesar do seu impressionante currículo científico, relata em vivência própria: “Hesito um pouco antes de dizer que sou psicólogo, não porque tenha vergonha em ser psicólogo, mas porque sei que provavelmente me vou meter numa série de equívocos. Há pessoas que me dizem: ‘Ah, então é psicólogo? Parece-me que a minha mulher me está a chamar – e vão-se embora. Depois há a reacção oposta: - ‘Então é psicólogo? Bem, eu também sou um bocado psicólogo’ – e contam como treinaram o cão para que lhes levasse o jornal a casa”.

Mutatis mutandis, esta parece ser - e foi-o, em certa medida - a reacção desencadeada pelo doutoramento honoris causa de José Mourinho em estratos de uma sociedade afastada ou não da vivência universitária. Haja em vista, a reacção (a ser verdadeira) de alguns docentes da FMH sob o argumento de Mourinho ser demasiado jovem, como se o mérito exigisse requisitos de idade atestados pelo Bilhete de Identidade! Mas, neste mar revolto de ondas alterosas de contradição opinativa, surgiu a acalmia judiciosa e de muito peso de Fernando Ramôa Ribeiro, professor catedrático de Química e Reitor da UTL, através do seu testemunho na cerimónia de reconhecimento público pela pessoa e estatuto de José Mourinho: “José Mourinho tem feito muito pela imagem da Faculdade onde se formou, além de representar muito bem o país” (TVI 24, 27/Março/09).

A terminar e em torno de discussões, mal resolvidas ou mesmo não resolvidas, sobre o valor relativo das diversas formas de conhecimento, tomo de empréstimo palavras do naturalista francês Georges Cuvier (1773-1838), membro da Academia de Ciências de França, quando escreveu: “Discutia-se há algum tempo, sobre a preeminência das Ciências e das Letras (…). Tinha valido mais discutir sobre a preeminência da Primavera e do Outono, do sol e da chuva”. Já chega, portanto, dos inúmeros representantes das diversas formas de cultura, quais gentis-homens em defesa de sua dama, cruzarem ferros em busca de uma supremacia. Muito menos o louvor sobre o doutoramento honoris causa de José Mourinho deve servir de motivo para reacender uma fogueira, que deveria estar extinta!

Rui Baptista

HUMOR: AS MENTIRAS DA CIÊNCIA


Informação recebida do Museu de Ciência da Universidade de Coimbra:

É possível fazer pipocas com telemóveis? E ir ao Pólo Norte visitar os pinguins? O cientista de serviço no suplemento satírico do jornal Público, David Marçal, vai estar no Museu da Ciência da UC para fazer revelações que podem surpreendê-lo

Promete ser, no mínimo, uma experiência desconcertante: David Marçal, cientista e criativo do suplemento satírico "O Inimigo Público", vai ser o protagonista da próxima sessão do ciclo Ciência em Família do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (UC). No dia 5 de Abril (domingo) às 11 horas, pequenos e graúdos vão poder descobrir algumas das mais intrigantes mentiras do mundo científico.

Há vídeos do YouTube que parecem não deixar espaço para dúvidas: mas será mesmo possível fazer pipocas apenas com as radiações dos telemóveis? E, se nos apetecer, podemos viajar até ao Pólo Norte para fotografarmos os pinguins? E se não tivermos à mão uma panela, podemos ferver água num mero saco de plástico?

Há coisas que parecem possíveis, mas não são. Outras parecem mentira, mas são perfeitamente reais. E a ciência explica porquê. David Marçal é o detective de serviço no Museu da Ciência da UC e vai ajudar as famílias a explorarem a fronteira entre o possível e o impossível.

David Marçal é licenciado em Química Aplicada e doutorado em Bioquímica Estrutural pela Universidade Nova de Lisboa. Foi jornalista de ciência do jornal Público e é, desde 2003, um dos autores do suplemento humorístico daquele diário, "O Inimigo Público", onde escreve sátiras científicas. Foi ainda autor de textos científicos para crianças na revista Kulto.

Investigador do Instituto de Medicina Molecular da UC, David Marçal está actualmente a desenvolver um projecto de pós-doutoramento em comunicação e divulgação de ciência com recurso ao teatro e ao humor. É autor do blogue convidado do jornal Público "Contagem Decrescente".

As sessões do ciclo Ciência em Família decorrem das 11h às 12h e destinam-se a crianças e adultos de todas as idades. A participação requer marcação prévia e poderá ser feita através do número de telefone 239 85 43 50. O custo é de apenas 3 euros por pessoa.

Para mais informações poderá aceder ao site do Museu da Ciência ou ainda espreitar algumas das actividades desenvolvidas no Ciência em Família num spot do YouTube.

UMA NOITE NA BIBLIOTECA

Acaba de sair nos Livros Cotovia a peça de teatro "Uma noite na Biblioteca" do filósofo francês Jean-Clause Bailly, cuja versão portuguesa foi há pouco estreada na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (Sala de São Pedro). Transcrevemos a primeira fala de um dos personagens, Bertoli (a tradução é de Christine Zurbach e Luís Varela):

"BERTOLI - Encontramo-nos na sala de leitura, para onde são trazidos os livros àqueles que os pedem e que os consultam em silêncio nas mesas que estão a ver. Tudo parece morto e como que extinto e não podemos deixar de considerar poeirento este lugar que no entanto é encerado e varrido com todo o cuidado. Mas esta poeira que repugna, para nós que trabalhamos aqui, é sagrada. A poeira é tempo visível e nesta sala, como em outras, é possível abrir o tempo. Não como um corpo que se disseca, mas como um fluxo que se sonda. Sempre subindo o seu curso, porque não é possível precedê-lo ou andar mais depressa que ele. Aqui, estão a ver, banhamo-nos no rio do tempo e de cada vez recolhemos um pouco da sua água, sempre a mesma e sempre diferente. Uma sala como esta não é nem um «lugar de memória» (em boa verdade, o que é que não é um lugar de memória?), nem um mero entreposto, é, como eu gosto de dizer, o serviço de peças soltas do saber humano, é a memória desse mesmo saber: inscrita em pegadas legíveis, folhas volantes atadas em maços, livros arrumados em prateleiras, labirinto.

Sabem que outrora, quando as origens de Roma se confundiam com as práticas etruscas, o templum começou por designar a parte do céu que se delimitava para nela se ler os augúrios, quer dizer, os sinais anunciadores do destino escritos pelos pássaros, nomeadamente os abutres. Depois, o templum desceu do céu à terra e designou aquilo que nós hoje entendemos por templo, ou seja, o edifício onde os deuses são venerados e onde talvez estejam presentes. Que a biblioteca seja o templo nesse sentido, não iria tão longe, mesmo tendo dito que a nossa poeira é sagrada. Mas que cada livro seja à sua maneira um oráculo, uma possibilidade de oráculo, isso sim, acredito – e acredito sabendo mesmo que lugares semelhantes a este foram em parte concebidos contra os oráculos, na época da Razão ou pelo menos no seu rasto.

De qualquer modo, a ideia de juntar num único lugar o conjunto dos saberes, das narrativas e dos cantos é antiga e oscilou sempre, em qualquer época, entre razão e magia, entre algo de solar e geométrico e algo de nocturno e refulgente. Junto de Fausto, o leitor assíduo, está evidentemente a Melancolia. O que Fausto não sabe – e desse ponto de vista pode dizer-se que ele não consultou bem os áugures – é que a Melancolia, na verdade, vela por ele, protege-o. A Melancolia, gostaríamos que a sua figura, mais do que qualquer outra, estivesse presente aqui na forma de estátua ou de emblema, porque ela é a verdadeira divindade destes lugares, porque é ela que habita estas prateleiras, estas salas, estes corredores, este reino.

Aquilo que uma biblioteca deseja, não o pode alcançar. Seja ela imensa ou restrita, real ou provincial, antiga ou moderna, jamais atingirá a imensidão que a alimenta, jamais aquilo que contém terá a evidência dum simples cabelo, duma pedra, dum alguidar, jamais será como aquele mapa famoso e lendário que se confunde com o território em cada um dos seus pontos porque é o território. Cada biblioteca, por muito que tenha havido colecção, arrumação, intenção, estende-se em torno daquilo que lhe escapa. Não a palavra final da história ou a soma exaustiva mas o silêncio em que a palavra se aboliria, aceite pela indolência dum sentido mais antigo. É por isso que, como se nada fosse e numa brandura aparente, reina aqui a Melancolia, é por isso que aqui existe vazio, desamparo, o sentimento de resto tão fácil de que tudo é ilusão.

Mas é também por isso que cada leitor é como um alpinista amarrado a um cordão de homens escalando lentamente uma montanha cujo cume se afasta cada vez mais, e é por isso que gostamos da poeira que vemos dançar aqui nos dias de sol, porque ela é como o pó dos trilhos dessa montanha. Labirinto de gargantas e de ravinas em que cada um avança sozinho ao jeito dum mineiro que segue um veio na terra ou ainda ao jeito dum caçador que segue o rasto e as pegadas de presas que se esquivam, reconhecendo nas paredes fios de baba e no chão bolas de penas regurgitadas. Porque é de pouco, com pouco de cada vez, que a coisa se faz, digo-vos eu: pólen em vez de flores, gramas em vez de toneladas. É verdade que aqui temos muitos gritos, exclamações, declamações, mas hoje são como cascas, como detritos que juncam o chão da caverna. O drama, o nosso drama, está escrito em todas as folhas, e a velha história da presa e da sombra, já aqui a consultámos, a revolvemos. A sua moral é simples: quanto mais difíceis eram as presas, mais belas são as sombras."

Jean-Christophe Bailly

domingo, 29 de março de 2009

"À ESPERA DE GODINHO" - PRÉ-PUBLICAÇÃO


Do livro "À espera de Godinho" de quatro exilados portugueses na Bélgica, que a editora Bizâncio irá lançar em breve, trancrevemos com o acordo do autor e da editora, em pré-publicação, este trecho em que Manuel Paiva, físico jubilado da Universidade Livre de Bruxelas e especialista em fisiologia espacial, lembra em diálogo com um dos seus co-autores as circunstâncias da sua saída do país a meio dos anos 60 (na foto a igreja de S.Martinho de Aldoar, Porto):

"Jorge Oliveira e Sousa – Manel, quanto tempo estiveste desligado do país?

Manuel Paiva – Bastantes anos. Deixa ver… A minha mãe morreu em 1981 e ainda demos uma volta por lá, em mobilhome, no Verão de 1982. A minha mulher Irina e as nossas filhas tinham insistido para voltarmos. Depois, só fui esporadicamente até 1996. Foi nessa altura que Henk Olthof, um alto responsável na Agência Espacial Europeia e que conhecia as minhas origens portuguesas, pediu para que eu contactasse um grupo de investigadores portugueses que estavam interessado na medicina espacial. Convidaram-me então para ir fazer umas palestras a Portugal. Depois conto, se vocês estão interessados, mas ainda quero dizer uma palavrinha sobre o nosso jantar em casa do Jorge. Fiquei impressionado com o contraste entre a vida de estudante do José [Morais] e a minha: o José correu enormes riscos, enquanto que eu decidi, muito simplesmente, ir-me embora.

JM – Lembras-te em que circunstâncias?

MP – Perfeitamente. Em Janeiro de 1962 estava numa reunião familiar, em casa do tal tio graças a quem tinha obtido o passaporte, e tive uma discussão violenta com o confessor da minha tia, um beneditino que andava sempre lá metido. Exprimiu ideias extremamente racistas. Mostrava as mãos e dizia que muitas vezes tinham ficado vermelhas de tanta bofetada dada em pretos. Depois, a conversa virou para a ciência e a teoria da evolução e aí o diálogo tornou-se impossível. O resultado é que, ao chegar a casa, levei um raspanete monstro. Curiosamente, a minha mãe, que era a mais crente da família, era também a mais compreensiva. Nesse dia, convenci-me que os meus filhos teriam o direito de crescer noutro tipo de sociedade.

Quase 19 anos depois, a lição de tolerância da minha mãe emergiria da profundeza da minha memória durante o nosso último e breve encontro. Por vontade dos filhos não crentes, a cerimónia fúnebre realizava-se na antiga igreja de Aldoar, diante do altar de Nossa Senhora de Fátima que a minha mãe enfeitara durante tantos anos e onde, vezes sem conta, eu a tinha acompanhado, num ritual que começava pela escolha das flores no nosso jardim até, sentado nos banquinhos reservados à gente modesta, admirar a obra de arte final. A igreja estava cheia de muitos que há tantos anos não me viam e que queriam prestar uma última homenagem à minha mãe. Algumas palavras simples de gente humilde, vindas directamente do coração, contrastaram com a homilia, cuja intolerância culminou com uma frase que me foi dirigida com a voz e o olhar: “…porque a fé não são modelos matemáticos…”. Que a fé não é um ou vários modelos matemáticos é das raras frases que deve fazer a unanimidade entre gente sã de espírito, quaisquer que sejam as suas convicções. O padre não obteve o efeito desejado. Não deixei de o encarar, esperando que interpretasse, mais como a vontade de lhe dar um murro que de sentir um apelo místico vindo sei lá de onde. Pensei no que teria pensado a minha mãe, que deveria ter compreendido mas não aprovado o meu gesto, e limitei-me a cravar os olhos em quem deveria ter aprendido a não tentar tirar partido da fragilidade daqueles que respeitavam, contra as suas próprias convicções, a vontade de quem já não as podia exprimir. Fiquei imóvel como um esteio de granito, enquanto prosseguia um ritual bem meu conhecido e que sempre respeitarei, mas no qual nunca mais ninguém me poderá obrigar a participar. É pena que não tivesse comigo o Evangelho Segundo Jesus Cristo que Saramago ainda não tinha escrito e ter-me-ia apetecido recitar o Poema para Galileu, se já conhecesse o poema de António Gedeão.

Recentemente pensei nisto tudo, porque a minha filha Nathalie quis passar uns dias comigo na serra algarvia para falarmos da sua família portuguesa. Veio com a Coline, a minha última neta que ainda não tinha nascido, e o nosso acordo é que me limitaria a responder às perguntas e que a conversa seria gravada. Fomos ao Costa, na Fábrica, perto de Cacela, comer amêijoas e conversar. Como a primeira pergunta foi sobre as minhas recordações mais antigas, tudo começou pelas “actividades religiosas”, não na antiga igreja de Aldoar, mas no antigo cemitério, do qual a irmã da minha mãe, que toda a gente chamava Dona Rosinha, tinha a chave. Era uma pessoa com uma paciência de anjo e a conversa era, muitas vezes, sobre os que ainda hoje lá devem estar, incluindo ela própria. Os jazigos respeitavam a hierarquia social do Aldoar de então e enquanto eram enfeitadas as diferentes prateleiras, em que a hierarquia familiar também era respeitada, era-me explicado que os defuntos ali presentes nos observavam lá de cima e até agradeciam a nossa acção. Um dia, muito mais tarde, até talvez encontrasse pessoalmente o patriarca da família, Joaquim Lopes da Silva, nascido no dia de Natal de 1821 e que tinha trabalhado como um desalmado até voltar do Brasil com fortuna feita. Tudo me parecia então perfeitamente normal e não é estranho que, nas respostas à minha filha, mais que a igreja, fosse o cemitério a simbolizar a vida, no gosto de lhe transmitir recordações dos nossos antepassados. No avião, entre Faro e Bruxelas, pude ler o que a Nathalie tinha escrito e fartei-me de rir, pois como ela escreveu, très souvent la plume s’est envolée et a transformé la réalité… Menos de dois anos depois, no mesmo Costa, enquanto os meus netos mais velhos, o Alexandre e a Margaux, se regalavam com as amêijoas ali mesmo apanhadas, Coline descobria, no dia do seu primeiro aniversário, as delícias da pasta de sardinha. Por aí passa também a busca das raízes lusitanas.

Mas, para acabar definitivamente com histórias de padres: depois de um período de grande cumplicidade entre o padre e o meu pai, presidente da Junta de Freguesia, houve a ruptura. O padre não aceitou que o lavadouro que estava em frente da casa dele fosse coberto, pois as mulheres acordavam-no de manhã cedo, com uma enxurrada de palavrões, chuva celeste que era bem merecida. O conflito fez com que tanto o meu pai como o padre tenham sido substituídos nas suas respectivas funções por ordem das respectivas autoridades, isto é, o Governador Civil do Porto e o Bispo da mesma cidade. Infelizmente, a zanga tinha durado uns tempos, pois fui proibido de ir à igreja de Aldoar e obrigado a ir à de Nevogilde, a ida e volta a pé levando mais tempo que a missa! Depois veio um padre velhinho, muito simpático, mas não fazia a unanimidade das beatas, pois despachava as confissões a grande velocidade. Redescobri o ambiente paroquial português ao ler certos romances do fim do século XIX e a mentalidade paroquial das universidades ao frequentá-las recentemente. As amêijoas esfriaram mas a catarse ficou feita. Desculpem lá.

JOS – Por amor de Deus…

MP – Talvez não seja a melhor expressão…

JOS – Então se bem percebi, tomaste a decisão de deixar o país, depois de um simples episódio com o tal padre beneditino.

MP – Claro que isso foi a gota de água que fez transbordar o copo. Andava deprimido sem saber que rumo dar à vida e a partir daí tive uma finalidade. Sabia que com esforço poderia conseguir fazer física numa universidade fora de Portugal. Portanto, até Junho de 64 dei explicações, por vezes tardes inteiras, aos filhos preguiçosos da burguesia portuense. Talvez por causa disso, as lutas estudantis de 62 tiveram menos impacto em mim. Lembro-me também de ter passado a inspecção militar com mais uma centena de jovens nascidos, como eu, em Miragaia. Os médicos perguntaram-me se eu me queixava de alguma coisa e ficaram surpreendidos por eu dizer que não. Aparentemente era o primeiro do grupo que se sentia em boa saúde, talvez por ser o único que já tinha decidido ir-se embora."

A Astronomia em Portugal durante o Estado Novo (anos 30 e 40)

De António Mota de Aguiar, novo post, esta vez sobre a história da Astronomia em Portugal no tempo do Estado Novo (na imagem, retrato de Francisco da Costa Lobo):

A história dos estudos de astronomia em Portugal nas décadas de 30 e 40 começa por uma certa animação cultural devido à criação da Junta de Educação Nacional (JEN), a qual teve à sua responsabilidade o envio para o estrangeiro de bolseiros a fim de, graças a estágios em centros onde a ciência estava mais avançada, trazerem para Portugal mais valias. A JEN foi criada em 1929 pelo Decreto Lei nº 16381 de 16 de Janeiro, continuando a Junta de Orientação de Estudos, criada em 1923 pelo Ministro da Instrução, António Sérgio. A JEN teve à sua frente homens com vontade de a levar a bom porto, como o professor Simões Raposo (1875-1948), o médico Marck Athias (1875-1948) e o médico Celestino da Costa (1884-1956). Quando a JEN fechou em 1936, Celestino da Costa passou a presidente do Instituto para a Alta Cultura (IAC).

Com a criação da JEN pretendia-se organizar a investigação científica em Portugal, preparando bolseiros no País e no estrangeiro que pudessem especializar-se em áreas científicas e técnicas. A JEN e, mais tarde, o IAC apoiaram a vinda a Portugal de professores estrangeiros de renome, assim como a actividade de alguns centros de investigação, como os Centros de Estudos de Matemática de Lisboa e Porto (CEML e CEMP). Alguns físicos beneficiaram nessa altura dessas bolsas e regressaram ao país no final de 1929, constituindo um estímulo ao desenvolvimento da teoria da relatividade entre nós, além da inclusão desta matéria nos programas de ensino da Física. A estimulante actividade da JEN e do IAC teve influência benévola na criação de várias unidades de investigação, mormente no movimento matemático que se deu nessa época, tendo sido criadas várias associações e revistas desta especialidade. De 1929 a 1950 foram atribuídas 812 bolsas. Em Astronomia, porém, o único beneficiado das bolsas oferecidas foi José António Madeira (1896-1976).

Se antes da República as condições socioeconómicas do país não eram de molde a criar mecanismos capazes de apoiarem e desenvolverem a aprendizagem da Astronomia em Portugal, a República, com as crises que se sucederam, não permitiram grandes avanços na astronomia. Não conseguimos continuar a escola da Astronomia portuguesa que tinha existido antes, com figuras como Filipe Folque (1800-1874) e César Campos Rodrigues (1836-1819). Com a chegada do Estado Novo, o conservadorismo da Universidade de Coimbra permitiu que o monárquico Francisco da Costa Lobo (1864 -1945), professor de Matemática da Universidade de Coimbra afecto ao Estado Novo, um espírito conservador e retrógrado, se tenha evidenciado logo nos primeiros tempos da República e tenha reforçado a acção política que o norteou desde muito cedo. Ele, apesar do mérito da instalação de um espectroheliógrafo nos anos 20, monopolizou a área da astronomia em Portugal em proveito próprio e do Estado, travando os conhecimentos da Física Moderna. "Homem político”, como ele próprio se denominou, e anti-relativista empedernido, a sua atitude não teria tido consequências maiores para a astronomia nacional se ele não tivesse sido o “astrónomo oficial” do regime político, tendo exercido uma deliberada acção contra o ensino e a difusão da física moderna, tão necessário ao desenvolvimento da ciência astronómica, ao monopolizar várias instituições da cultura portuguesa, como o Observatório Astronómico de Coimbra e o Instituto de Coimbra, associação dos lentes da Universidade de Coimbra, que editava o “O Instituto”, a mais importante revista cultural e científica desses tempos.

Apesar do braço de ferro que o regime do Estado Novo exerceu sobre a sociedade, ele não conseguiu cabalmente silenciar os professores, pois ao longo da década de 30 e 40 foram aparecendo cientistas que escapavam do seu controlo. Por isso, nestas duas décadas, o aparelho repressivo do estado despediu prestigiados professores das universidades, tendo muitos deles sido presos, enquanto outros se exilaram no estrangeiro (por exemplo, o médico director da JEN e do IAC Celestino da Costa, mas também o matemático Ruy Luís Gomes, 1905-1984, e o físico Mário Silva, 1899-1971, os dois defensores das ideias relativistas). A última grande vaga de despedimentos, exílios forçados, perseguições e prisões, ocorreu nos anos de 1946 e 1947. Com a repressão sobre o movimento científico exercida ao longo das décadas de 30 e 40 alguns dos protagonistas maiores da ciência portuguesa foram desaparecendo das actividades científicas do país. Com a expulsão da última vaga de professores as veleidades de desenvolvimento no campo da astronomia, assim como noutras ciências, terminavam. No princípio da década de 50 o atraso cultural e científico do país era enorme, os arquivos e bibliotecas nacionais encontravam-se num estado deplorável, a censura, a polícia política e os tribunais de excepção exerciam um severo controlo da sociedade. A astronomia, tal como as outras ciências, tinha de esperar melhores dias.

António Mota de Aguiar

Uma agulha no palheiro

Mais uma excelente crónica de Nuno Crato, aqui.

As Sete Maravilhas do Mundo Antigo


Vale a pena ler

Título: As Sete Maravilhas do Mundo Antigo - Fontes, Fantasias e Reconstituições
Organização: José Ribeiro Ferreira & Luísa de Nazaré Ferreira
Editora: Edições 70
Ano: 2009

Este livro “propõe uma revisita pelas realizações monumentais que foram sendo escolhidas pelos Antigos como as Sete Maravilhas de então: as Pirâmides de Gize (ou Guiza), os Jardins Suspensos de Babilónia, a Estátua de Zeus em Olímpia, o Mausoléu de Halicarnasso, o Artemísion de Éfeso, o Colosso de Rodes, o Farol de Alexandria - o Senhor Sete que atravessa e marca presença nas diversas culturas ao longo dos tempos.
Como guias, há a companhia segura dos textos dos autores antigos (as fontes) e o remanescente do que a usura do tempo nos tirou e que as escavações arqueológicas nos vêm legando e procuram aclarar. Há ainda as ilustrativas imagens das reconstituições, onde não falta sequer a cada passo, em algumas delas, a fantasia de autores e pintores que, desaparecidas essas obras na voracidade do tempo, as tenta recriar com recurso à imaginação. Há também, e sobretudo, os estudos sérios que procuram descrever e interpretar obras que tanto espicaçaram a invenção e a fantasia da mente humana, ao longo dos tempos."

JOSÉ RIBEIRO FERREIRA

sábado, 28 de março de 2009

UMA BIBLIOTECA NUMA SÓ FOLHA


Minha crónica no "Sol" de hoje (na foto, a Bíblia antiga de onde foram aproveitadas as imagens impressas em papel fotocrómico):

Quando, durante um colóquio associado à exposição “A Evolução da Bíblia”, patente na Sala de S. Pedro da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, perguntei a Elvira Fortunato, a premiada investigadora da Universidade Nova de Lisboa, se, no futuro, com a ajuda da tecnologia dos transístores em papel que a sua equipa está a desenvolver, seria imaginável colocar não apenas uma Bíblia mas toda a Biblioteca do Colégio de S. Pedro, contendo milhares de volumes, numa única folha de papel, a resposta foi afirmativa.

Sim, nós poderemos. E já podemos hoje coisas que antes não sonhávamos serem possíveis. Ela própria tinha acabado de efectuar uma demonstração prática, mostrando como uma estampa de uma Bíblia antiga poderia aparecer e desaparecer num papel especial, chamado fotocrómico, onde tinha sido impressa com a ajuda de uma vulgar impressora de jacto de tinta. Poderemos também colocar imagens animadas sobre uma folha de papel, fazendo com que um jornal mostre não apenas texto e imagens paradas, mas também, com a simples pressão de um dedo, alguns vídeos associados às notícias.

Não deixa de ser irónico que, tendo ocorrido nos últimos tempos um processo de desmaterialização dos livros que levou a que muitos deles deixassem de ser em papel para passarem a ser electrónicos, aparecendo e desaparecendo num ecrã, agora os livros electrónicos possam aparecer e desaparecer num ecrã de papel. E é igualmente irónico que, existindo hoje oposição entre a imprensa escrita e os media audiovisuais, no futuro as duas formas de comunicação possam coabitar no mesmo suporte, deixando até de se distinguir nitidamente uma da outra.

Qual será, neste quadro, o futuro dos livros tradicionais, com letras impressas em papel? Estou em crer que vão continuar a existir. Apesar das fantásticas possibilidades entreabertas por Elvira Fortunato e seus colegas, será sempre um prazer inigualável tirar, numa velha biblioteca como a do Colégio de S. Pedro, um livro da estante, pegar-lhe, abri-lo e virar vagarosamente as suas páginas...

sexta-feira, 27 de março de 2009

Viver para quê?


Está no prelo uma pequena antologia de seis ensaios de filosofia contemporânea sobre o problema do sentido da vida. Intitulada Viver Para Quê? Ensaios sobre o sentido da vida, esta antologia foi organizada e traduzida por mim para a colecção Filosofia Pública, da Dinalivro, dirigida por Pedro Galvão. Gostei muito de fazer este trabalho e espero que quando o livro sair seja estimulante e informativo para os leitores. Para abrir o apetite deixo aqui um pequeno excerto da minha introdução:

Quem não conhece a filosofia poderá pensar que procurar o sentido da vida é a tarefa central dos filósofos. Isto é historicamente falso; na sua maior parte, os filósofos não abordaram o problema do sentido da vida, e os que o abordaram não fizeram geralmente disso o tema principal das suas investigações.

O leitor comum poderá igualmente esperar que os filósofos se pronunciem um pouco como gurus, declarando do alto da sua inacessível montanha qual é o sentido da vida. E a nós, meros mortais, restar-nos-ia então seguir tais oráculos, ainda que nem os compreendamos muito bem. Esta concepção resulta talvez da dificuldade em compreender a natureza da filosofia. A filosofia não é religião, nem uma prática iniciática de vida; ao invés, é o lugar crítico da razão, como por vezes se diz. Estudar filosofia é aprender a ser crítico, que é precisamente o que os gurus não podem dar-se ao luxo de permitir aos seus acéfalos discípulos. A ideia de que Platão, por exemplo, era discípulo de Sócrates, nessa acepção iniciática, é falsa, tal como é falso que Aristóteles tenha sido discípulo de Platão nessa acepção. Estudaram uns com os outros, sem dúvida, mas porque foram estudantes de filosofia criticaram, divergiram e discutiram argumentos com os seus professores — e fazer filosofia é precisamente isso.

A filosofia não é um corpo de conhecimentos que nos baste assimilar acriticamente, mas antes a actividade crítica de estudar ideias e argumentos minuciosamente, para ver se serão plausíveis ou não. Por isso, não se encontra nos melhores filósofos um conjunto de instruções esotéricas para dar sentido às nossas vidas. O que se encontra são estudos cuidadosos de diferentes ideias e argumentos sobre o problema. Isto não significa que não existam conclusões consensuais, entre os filósofos actuais, sobre o sentido da vida. Significa apenas que o trabalho filosófico é fundamentalmente a discussão minuciosa e paciente dessas conclusões e dos argumentos que as sustentam.

Os ensaios

O estudo contemporâneo do problema filosófico do sentido da vida começa praticamente com o artigo «O Absurdo» (1971) de Thomas Nagel, incluído nesta antologia. Apesar de haver alguns artigos anteriores, Nagel mostrou que um filósofo muitíssimo influente podia tratar este tema sem cair no ridículo e que esse trabalho podia ser publicado numa das mais prestigiadas revistas académicas de filosofia: The Journal of Philosophy.

O trabalho mais influente sobre o sentido da vida nas últimas décadas do séc. XX, sobretudo nos EUA, foi o último capítulo do livro Good and Evil (1970), de Richard Taylor, incluído nesta antologia, publicado quase em simultâneo com o artigo de Nagel. O registo escrito da conferência de Kurt Baier proferida em 1957 sobre o tema, também incluída nesta antologia, circulava desde há bastante tempo entre estudantes e professores; este trabalho, contudo, só viria a circular amplamente a partir de 2000, quando foi publicado na antologia de textos sobre o sentido da vida organizada por Klemke para a Oxford University Press. Por esta altura, já o problema do sentido da vida era insistentemente abordado nas revistas académicas, surgindo também cada vez mais livros inteiramente dedicados ao tema.

Esta antologia põe o leitor em contacto com esses e outros importantes ensaios filosóficos contemporâneos sobre o sentido da vida. Os ensaios foram dispostos por ordem parcialmente cronológica e parcialmente temática.

Índice

Introdução Desidério Murcho

1. O Sentido da Vida Richard Taylor
2. O Sentido da Vida Kurt Baier
3. Poderá o Propósito de Deus ser a Fonte do Sentido da Vida? Thaddeus Metz
4. O Absurdo Thomas Nagel
5. Felicidade e Sentido: Dois Aspectos da Vida Boa Susan Wolf
6. Despromoção e Sentido na Vida Neil Levy

Leitura complementar

COMO TORNAR-SE INTELIGENTE

É sempre com gosto que leio o suplemento sobre livros ao fim de semana no "New York Times". Quando vivi nos Estados Unidos em sabáticas por vezes ia longe ao domingo só para ir comprar o jornal com o suplemento sobre livros, que não é só literário mas traz muitas recensões sobre livros de ciência. Hoje as fibras ópticas trazem-me o jornal e leio hoje, muito interessado, uma recensão ("Get Smart", a ilustração ao lado, que acompanha o artigo, é de Tamara Shopsin) de Jim Holt a um livro de Richard E. Nisbett, um psicólogo cognitivista da Universidade de Michigan, intitulado "INTELLIGENCE AND HOW TO GET IT. Why Schools and Culture Count", publicado pela W. W. Norton & Company. O livro ataca as teses sobre a predominância de factores genéticos na inteligência que livros como "The Bell Curve" difundiram há alguns anos. E defende o papel da família (fico a saber que até as mães podem tornar os filhos mais inteligentes se fizerem exercícios físicos adequados durante a gravidez) e da escola, em particular nas idades mais baixas. Não posso deixar de partilhar com os leitores este pequeno trecho:
"The challenge is to find educational programs that are as effective as adoption in raising I.Q. So far, Nisbett observes, almost all school-age interventions have yielded disappointing results. But some intensive early-childhood interventions have produced enduring I.Q. gains, at a cost of around $15,000 per child per year. Yet, by the author’s reckoning, it would cost less than $100 billion a year to extend such programs to the neediest third of America’s preschoolers. The gain to society would be incalculable."
O resto da recensão, para os interessados, está aqui. Vou talvez pedir o livro à Amazon.

Os maus sentimentos

Como tem sido habitual, transcrevemos a crónica semanal do médico psiquiatra José Luís Pio de Abreu no "Destak":

É próprio da natureza humana que os bons sentimentos sejam efémeros e molengos, enquanto os maus duram e mobilizam. Quem alcança um desejado bem fica alegre por algum tempo, mas logo quer mais e mais. Mesmo que a alegria seja contagiante, esse efeito é fugaz. É bem possível que essa insatisfação básica do ser humano o tenha levado a conseguir o que já conseguiu: o impossível.

Ao contrário, os maus sentimentos perduram. A inveja, o ódio, o ciúme, o rancor, o ressentimento podem dirigir as acções de uma vida inteira. E mobilizam tanto mais quanto os seus detentores se negam a aceitá-los, que é o mais frequente. Neste caso, basta que se lhes apresente alguém a quem odiar para que logo exprimam a sua raiva que asseveram justificada. É por isso que os maus sentimentos são explosivamente contagiantes.

Quem acorda a sua raiva sente-se vivo de novo, nem que seja para encetar um ciclo destrutivo. A raiva gera destruição que, por sua vez, gera raiva em círculo vicioso. E todos exultam por se sentirem vivos. Quer isto dizer que a raiva tem procura e é, por isso, um valor de mercado.

É sabido que a raiva e a acusação gratuita semeiam o desastre. Mas que importa, se têm audiência? Dão pouco trabalho e pagam-se bem. É por isso que se perfilam tantos acusadores nos meios de comunicação social, e que alguns jornalistas competem por ser o Grande Acusador. É apenas por isso. Desenganem-se aqueles que pensam que é por razões pessoais.

J.L. Pio Abreu

zOOm para lá das estrelas


Informação recebida da companhia teatral Marionet:

Dias 15, 16 e 17 de Abril’09 [Estreia Absoluta]21h30, no Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra:

zOOm para lá das estrelas
Uma produção MARIONET

No Verão de 2008 com OOLOOA criámos uma separação física entre a Ciência e a Arte, um hiato com cerca de 700 metros, e colocámos o público mais próximo da perspectiva do conhecimento científico do universo, Só o recurso a telescópios permitia vislumbrar os acontecimentos mais distantes, reproduzindo a experiência de uma observação astronómica.

Agora com o zOOm tornamos mais próxima a perspectiva artística e aproximamos as constelações do lugar do espectador. Com o conjunto destes dois espectáculos estaremos a corporizar e reflectir sobre as diferentes visões do universo entre Arte e Ciência, em última análise, sobre as diferenças entre Arte e Ciência.

Texto e direcção Mário Montenegro
Intérpretes Alexandre, Anabela Fernandes, Mário Montenegro
Vídeo original Francisco Queimadela & Mariana Caló

Ainda o Doutor José Mourinho

Resposta de Rui Baptista aos comentários que alguns leitores fizeram ao seu post "José Mourinho, doutor honoris causa":

“Ganhar uma vez qualquer um ganha, mas ganhar duas, três, cinco ou dez vezes…”(José Mourinho, A Bola, 24/03/09)

Eu até posso entender a malquerença do leitor “Funes, o memorioso” pelo futebol expressa no comentário que tece ao meu post, “José Mourinho, doutor honoris causa. Mas, por outro lado, atrevo-me a pensar que a esta sua atitude de desprezo declarado não serão estranhos os casos de anti-desportivismo que grassam cada vez mais nesta modalidade desportiva (até para mim que nem sou um “tiffosi” da bola, seria impossível não recriminar vivamente o “penalty” apontado pelo árbitro Lucílio Baptista) e que me trazem à memória o que escrevi anos atrás, tantos que lhes perdi a conta, a este propósito: “Em nosso tempo, corre-se o risco de se atingir a decadência do circo do Império Romano sem se ter conhecido, sequer, o apogeu de uma Educação Integral helénica!” Quer queiramos ou não, teremos que ter sempre presente a força avassaladora do desporto, mesmo que algo de destrutivo possa surgir pela força do gáudio (ou de uma mera incompreensão) com a intenção de o desvirtuar, coisa que nem credos políticos ou religiosos, diferenças de nacionalidade ou raças, desníveis sociais ou económicos conseguem destruir por, em muito, contribuir para a fraternidade humana (repare-se que mesmo durante os Jogos Olímpicos antigos eram respeitadas tréguas entre os beligerantes). A magia do desporto tem merecido, muitas vezes, a atenção de literatos, o favor de gente da cultura e a observação atenta de cientistas e, noutras vezes, pelo contrário, chega a ser motivo de escárnio por parte de pessoas que nele não descortinam mais que o simples pontapé na bola em jogo entre casados e solteiros depois de uma copiosa e bem regada refeição.

Depois desta introdução (que o leitor poderá ter como extensa, mas que eu tive por necessária), resta-me dizer que estou 1cem por cento de acordo com o autor do referido comentário, quando escreve: “Um doutoramento honoris causa por qualquer outra coisa que não o mérito científico do doutorando é um dislate”. Se, porém, nos detivermos atentamente no comentário do “Musicólogo” ao meu anterior post, veremos que o facto de som das trombetas que espalham a fama de Mourinho ter atravessado fronteiras, por vezes de mediocridade e inveja, não se deve a simples questões de sorte ou azar ao jogo. Julgo que nesta reflexão se poderão colher elementos demonstrativos que José Mourinho se enquadra em parâmetros de valor académico por ser possuidor de uma licenciatura universitária obtida na Faculdade de Motricidade Humana, FMH. Esse valor justificou que a sua casa-mãe, através da Universidade Técnica que a integra, lhe tenha proposto um doutoramento “honoris causa”, aprovado por esmagadora maioria no Senado Universitário, com a única exclusão do representante da Faculdade de Medicina Veterinária. Repare-se que a Alex Ferguson, treinador do Manchester United, num país de arreigadas tradições, foi atribuído o título honorífico de “Sir”. Sem pretender, de forma alguma, ser chauvinista não posso, todavia, deixar de enaltecer as conquistas desportivas do Doutor José Mourinho como bem mais valiosas e cantadas no mundo do que as de “Sir” Alex Ferguson.

Quanto à concessão de um doutoramento “honoris causa” a Stevie Wonder, parece-me, mais do que “estúpido”, um desprestígio para a própria universidade que o outorgou. Já o mesmo não tenho por seguro no que respeita a Mário Soares, também ele licenciado e reconhecido no domínio de uma sólida cultura política sem fronteiras. Acresce que estas questões não devem ser vistas em termos de simpatia ou antipatia, sob o risco de me ver obrigado a citar o Padre António Vieira: “Quando se olha com simpatia para o rato preto até o rato preto nos parece branco; quando se olha com antipatia para o cisne branco até o cisne branco nos parece preto!”

Em boa verdade, posso até compreender que se deteste Mourinho (como o comentarista ao meu post confessa) pela sua arrogância pública. Arrogância que se desfez como gelo em dia de sol quando humildemente se mostrou grato pela honra concedida embora bem merecida, como reconhece Vitor Serpa: [Mourinho],” por um lado, abriu a Faculdade (neste caso a FMH) ao legítimo reconhecimento público de uma formação de excelência que está longe, aliás, de se esgotar em Mourinho; por outro, oferece ao futebol um legítimo reconhecimento da natureza da sua importância social e económica; por fim, traz a universidade e o saber científico ao campo concreto do desporto, oferecendo-lhe mais saber e mais competência. Disso falou, e bem, o Dr. José Mourinho. E o futebol e a universidade só têm razões para estar felizes” ( A Bola, 24/03/2009).

Rui Baptista

À ESPERA DE GODINHO - QUANDO O FUTURO EXISTIA


Informação recebida da Editorial Bizâncio:

Sairá no próximo mês o livro "À ESPERA DE GODINHO - QUANDO O FUTURO EXISTIA", da autoria de Amadeu Lopes Sabino, Manuel Paiva, José Morais e Jorge Oliveira e Sousa. Na badana Carlos Fiolhais escreve: «Do coração da Europa chega-nos este diálogo de quatro estrangeirados, um relato muito original da nossa história recente. Portugal desafia as leis da óptica: vê-se melhor ao longe do que ao perto.»

Três portugueses e um belga de origem portuguesa, nascidos nos anos 40 do século XX e cujos caminhos se cruzam em Bruxelas, reúnem-se em quatro jantares à espera de um quinto conviva que se faz rogado. Reencontram-se na terra de ninguém entre a memória e o esquecimento, os tempos e os espaços em que o futuro foi uma realidade: o Estado Novo e a guerra colonial que todos recusaram, escolhendo a experiência amarga e enriquecedora do exílio; a oposição à ditadura, vivida por cada um de diferentes modos e com diferentes expectativas; as miragens da revolução e da democracia e, encerrado o ciclo do império, o regresso de Portugal ao rectângulo europeu.

Em torno da integração política na Europa e das turbulências do início do terceiro milénio reacendem-se os debates do passado revisitado. O diálogo aguça e lima arestas, contradições, interrogações. Chegou a hora de cada um se dedicar a cultivar o seu jardim? Será a Utopia ainda possível ou mais do que nunca nefasta? Quem vence a partida: o descobridor de novos mundos ou o Velho do Restelo?

Quem é afinal o convidado que falha sucessivos encontros e recursos? O Godinho que parte para África é um Gonçalo Ramires, o fidalgote queiroziano que passa pelos trópicos sem tostar a pele, ou um senhor Oliveira da Figueira, o laborioso mercador de panos e contas de vidro dos álbuns de Tintim?

AUTORES

Amadeu Lopes Sabino (Elvas, 1943). Foi advogado, jornalista e docente universitário em Portugal. Exilou-se na Suécia na fase final do Estado Novo. Funcionário da União Europeia, em Bruxelas, a partir de 1984. Conselheiro do presidente da Comissão Europeia para as questões institucionais. Ficcionista e ensaísta.

Manuel Paiva (Porto, 1943) naturalizou-se belga em 1972. Físico, exilou-se na Bélgica em 1964. Professor honorário da Universidade Livre de Bruxelas, onde leccionou e dirigiu o Laboratório de Física Biomédica. Autor de obras de divulgação científica.

José Morais (Lisboa, 1943). Neuropsicólogo, exilou-se na Bélgica em 1968. Professor emérito da Universidade Livre de Bruxelas onde leccionou Psicologia Cognitiva e dirigiu o Laboratório de Psicologia Experimental. Ensaísta e romancista.

Jorge de Oliveira e Sousa (Lisboa, 1945). Politólogo, exilou-se em 1966. Assistente da Universidade Católica de Lovaina, funcionário da Organização das Nações Unidas, posteriormente director-geral da Comunicação na União Europeia e professor no Colégio da Europa (Bruges). Docente do Colégio Europeu.

ÚLTIMA CORRIDA DE TOUROS EM ARRONCHES


Minha crónica no "Público" de hoje (foto de R. L. Pérez, no Flickr):

A infausta morte, ocorrida a 16 de Março, de Francisco Matias, membro do grupo de Forcados Amadores de Portalegre, quando treinava a chamada “sorte da gaiola” numa tenta em Esperança, Arronches, trouxe-me à memória o conto de Luís Rebelo da Silva (1822-1871) que li no meu terceiro ano do liceu, por constar de uma selecta de língua portuguesa.

Muita gente se lembra desse conto, “Última corrida de touros em Salvaterra”, que até já deu a letra de um fado. Mas, para quem nunca o leu, acrescento que também aí há uma morte na arena, embora de um cavaleiro, o Conde dos Arcos. O velho pai, o Marquês de Marialva, que assistia à lide, desceu da bancada para enfrentar o touro, conseguindo ao matá-lo vingar a morte do filho. A corrida era real pois D. José estava a assistir, acompanhado pelo Marquês de Pombal. Nesta altura, o melhor é dar a palavra ao escritor, que narra assim o diálogo entre o rei e o primeiro-ministro:
“Sebastião José de Carvalho voltava de propósito as costas à praça, falando com o monarca. Punia assim a barbaridade do circo.
— Temos guerra com a Espanha, Senhor. É inevitável. Vossa Majestade não pode consentir que os touros lhe matem o tempo e os vassalos! Se continuássemos neste caminho... cedo iria Portugal à vela.
— Foi a última corrida, marquês. A morte do conde dos Arcos acabou com os touros reais, enquanto eu reinar.”
Fui agora averiguar a veracidade desta história. A morte do Conde dos Arcos foi, de facto, autêntica, embora não tenha ocorrido na praça de Salvaterra, sob o olhar do rei e da sua corte (D. José já tinha falecido), mas sim num “brinco”, à vara larga, num sítio da lezíria perto de Salvaterra. O escritor romanceou bastante o episódio de modo que este melhor entrasse na literatura... Se eu, em jovem, julguei verídica a conclusão, agora limito-me a desejar que o tivesse sido: o fim das corridas de touros em Salvaterra. Impressionado com as circunstâncias da morte do jovem portalegrense, ao mesmo tempo que apresento os pêsames à sua família e amigos, não posso deixar de pensar que uma boa forma de manter viva a memória do jovem – o sexto forcado a morrer em lides taurinas nos últimos vinte anos! - seria determinar que a última corrida em Arronches, tal como a de Salvaterra no conto, tivesse mesmo sido a última.

D. José pode não ter proibido as corridas de touros, mas D. Maria II fê-lo em todo o território nacional. Em 1836, doze anos antes de Rebelo da Silva publicar o seu conto, o ministro do Reino Passos Manuel promulgou um decreto proibindo as touradas:
“Considerando que as corridas de touros são um divertimento bárbaro e impróprio de Nações civilizadas, bem assim que semelhantes espectáculos servem unicamente para habituar os homens ao crime e à ferocidade, e desejando eu remover todas as causas que possam impedir ou retardar o aperfeiçoamento moral da Nação Portuguesa, hei por bem decretar que de hora em diante fiquem proibidas em todo o Reino as corridas de touros.”
A proibição não durou mais do que escassos nove meses, tendo a tradição voltado a ser o que era. Nos dias de hoje surgiu, porém, uma nova interdição de touros. A maioria municipal socialista acaba de declarar Viana do Castelo a primeira “cidade anti-touradas” em Portugal, emulando 53 cidades espanholas. O que se vai fazer com a praça de touros de Viana? Pois a ideia da Câmara é excelente: transformá-la num Centro Ciência Viva, um espaço cultural aberto a todos e não apenas aos aficionados.

Aos defensores dos espectáculos tauromáquicos têm-se oposto os defensores dos direitos dos animais. Se os primeiros dizem que “se há alguém que cuida e que ama os touros são os próprios toureiros", os segundos ripostam que isso "é o mesmo que dizer que os pedófilos são os melhores amigos das crianças" (Público, 5/12/2008). Como argumento para o fim das touradas, não só em Arronches como no resto do país, julgo que nem é preciso invocar os direitos dos animais. Quando há uma absurda sucessão de mortes humanas, bastará invocar os direitos dos homens.

GRANDES LIVROS


Informação recebida da RTP2 e Companhia das Ideias:

Faz sentido falar de literatura em televisão? Contar a história dos livros em tv promove ou afasta os leitores dos livros? Será que é serviço público apresentar ao público de tv as obras portuguesas que são também do domínio público?

GRANDES LIVROS
Estreia: Sexta, 21h00, RTP 2

Para ajudar à discussão, a RTP 2 estreia na sexta-feira (dia 27 de Março) em horário nobre a série "Grandes Livros", produzida pela Companhia de Ideias. “Os Maias”, de Eça de Queiroz; “O Delfim”, de José Cardoso Pires; “Os Lusíadas”, de Luís de Camões; “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo Branco; “Navegações”, de Sophia de Mello Breyner; “Peregrinação”, de Fernão Mendes Pinto; “Sermão de Santo António aos Peixes”, de Padre António Vieira; “Aparição”, de Vergílio Ferreira; “Livro do Desassossego”, de Fernando Pessoa; “Sinais de Fogo”, de Jorge de Sena; “Viagens na Minha Terra”, de Almeida Garrett; “Mau Tempo no Canal”, de Vitorino Nemésio – estes doze grandes livros não cobrem a imensa riqueza da literatura em língua portuguesa, mas são obras de referência da nossa identidade. E agora passam a fazer parte da identidade audiovisual do país.

São 50 minutos que incluem excertos das obras e dos enredos das vidas dos autores, em estilo biográfico, histórico e, surpreendentemente, apelativo. Boa televisão a aproveitar-se da melhor literatura para agilizar as mentes. Todas as sextas na 2.

COVINHAS NAS BOCHECHAS E MISTÉRIOS DA BELEZA


Informação recebida do Museu de Ciência da Universidade de Coimbra:

Darwin dá o mote a mais um trimestre de ciência divertida, com uma novidade: ateliers dedicados a "cientistas" até aos 5 anos

O Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (UC) vai inaugurar um novo trimestre de "Sábados no Museu" com uma novidade: ateliers especiais para curiosos dos 3 aos 5 anos. Uma vez por mês, ao sábado das 15h às 16h30 e por apenas 3 euros, os "cientistas" de palmo e meio poderão descobrir com as suas próprias mãos os mais incríveis mistérios da Ciência.

O que é o arco-íris e que cores é que ele tem? Por que conseguem certos animais caminhar sobre a água? Por que é que no Mar Morto nunca vamos ao fundo, mesmo que não saibamos nadar? E por que motivo que é que as flores e as abelhas são amigas há milhares de anos? Estas são apenas alguns dos segredos da Natureza que os "cientistas" dos 3 aos 5 anos vão poder descobrir no Museu da Ciência da UC. A primeira sessão de ciência divertida para os mais pequenos, "Em busca do arco-íris escondido", terá lugar no dia 25 de Abril. A 23 de Maio é a vez de as aventuras da flor Maria Papoila e das suas abelhas fazerem as delícias dos pequenos "cientistas", que, no dia 27 de Junho, poderão gritar "Eureka!" quando descobrirem as "Maravilhas da Água" em mais um atelier especial.

Para os investigadores de palmo e meio com mais de cinco anos (e até aos 12), há também surpresas. Em pleno Ano Darwin, o novo trimestre de ciência divertida vai estar recheado de actividades relacionadas aquele que foi um dos maiores cientistas de todos os tempos.

Depois de andarem "Às voltas com as cores" (4 de Abril) e de desvendarem os mistérios da electricidade ("Curto Circuito", 11 de Abril) e do universo ("Sputnik em órbita", a 18 de Abril, e "O Meu Sistema Solar", a 2 de Maio), os jovens "cientistas" poderão descobrir a que se devem as covinhas que têm nas bochechas e de onde vem os seus gostos na comida. A sessão "Quem sai aos seus...", para crianças a partir dos 8 anos, terá lugar no dia 9 de Maio. Apenas uma semana depois, continua a celebração de Darwin, no atelier "Diz-me o que comes, dir-te-ei como és".

Os segredos do Universo regressam em força ao Museu da Ciência a 30 de Maio, com uma sessão dedicada aos eclipses solares.

Em meados de Junho, Darwin continua a ser o protagonista das actividades divertidas do Museu da Ciência. A 6 de Junho é a vez dos "Grandes gigantes do passado", criaturas enormes e estranhas que já habitaram a Terra, viajarem até ao antigo Laboratorio Chimico da Universidade para uma sessão dedicada aos fósseis.

No dia 13, os "Pequenos Naturalistas" vão descobrir como é que o famoso cientista fez para não se esquecer de todos os animais e plantas que conheceu nas suas viagens pelo mundo, numa época em que não havia fotografias. Uma semana depois, uma pergunta impõem-se: "A Beleza é fundamental?". Quando um grupo de machos bonitos e elegantes aparece numa cidade de aves, despertam a atenção das fêmeas, mas também dos gatos. Será que, passado algum tempo, ainda estão vivos?

A participação nos ateliers "Sábados no Museu", que se realizam todos os sábados das 15h às 16h30, está sujeita a marcação prévia.

Para mais informações, os interessados poderão aceder ao site do Museu da Ciência da UC.

Programa do SÁBADOS NO MUSEU:

04 de ABRIL - ÀS VOLTAS COM AS CORES
Quantas cores tem a tua cor preferida? Descobre as cores escondidas na tinta de um marcador e percebe que a luz branca, afinal, contém todas as cores do arco-íris. A partir dos 5 anos.

11 de ABRIL- CIRCUITO CURTO
Por que é que o interruptor faz acender uma lâmpada? Com pilhas, fios e interruptores, desvenda alguns mistérios da electricidade. A partir dos 7 anos.

18 de Abril - SPUTNIK EM ÓRBITA
Explorar, descobrir e conhecer o Universo! Com sondas, satélites e foguetões vem perceber como o ser humano conquista o espaço. A partir dos 8 anos

25 de Abril - EM BUSCA DO ARCO-ÍRIS ESCONDIDO -
Alguma vez viste um arco-íris? Quantas cores é que ele tem? Vem descobrir este mistério e fazer uma viagem fantástica pelo mundo da luz. Dos 3 aos 5 anos.

2 de Maio - O MEU SISTEMA SOLAR
Os planetas serão todos iguais? Com plasticina e outros materiais, vem construir um sistema solar, conhecer as diferentes características dos astros e quais as distâncias que os separam do Sol. A partir dos 5 anos.

9 de Maio - QUEM SAI AOS SEUS…
Quando te ris ficas com covinhas nas bochechas? Qual a tua comida favorita? Todos nós temos características herdadas dos nossos pais e outras fruto do meio em que vivemos. Vem descobrir alguns exemplos connosco! A partir dos 8 anos

16 de Maio - DIZ_ME O QUE COMES...
Compridos, curtos, largos, estreitos... Já reparaste como os bicos das aves são tão engraçados? Descobre para que servem e porque existem tantos diferentes. A partir dos 5 anos

23 de Maio - MAL ME QUER OU BEM ME QUER?
Era uma vez uma flor chamada Maria Papoila... Vem conhecer a sua história e perceber porque é que as flores e as abelhas são tão amigas há milhares de anos. Dos 3 aos 5 anos

30 DE Maio - QUEM TAPOU O SOL?
A Lua consegue tapar o Sol? Vem saber o que acontece durante um eclipse e por que razão não se vê em todo o Mundo. A partir dos 7 anos

6 de Junho - GRANDES GIGANTES DO PASSADO
Sabias que já existiram preguiças gigantes e criaturas muito estranhas que habitaram a Terra? Vem conhecê-los e leva um fóssil para casa! A partir dos 8 anos

13 de Junho - PEQUENOS NATURALISTAS
Darwin fez uma viagem à volta do mundo e viu muitas paisagens, animais e plantas.Mas na altura não havia fotografias... Como terá feito para não se esquecer de nada? A partir dos 5 anos.

20 de Junho - A BELEZA É FUNDAMENTAL?
Um grupo de machos bonitos e elegantes aparece numa cidade de aves. Eles são um sucesso junto das fêmeas, mas também são mais apreciados pelos gatos... Será que, passado algum tempo, ainda há machos bonitos nesta cidade?
A partir dos 8 anos

27 de Junho - MARAVILHAS DA ÁGUA… EUREKA!
Porque conseguem certos animais caminhar sobre a água? Por que motivo é difícil afundarmo-nos no mar morto? Brincando com a água descobre alguns segredos da Natureza! Dos 3 aos 5 anos

Doutoramentos a pataco


Rui Baptista comenta o último post de Helena Damião (cartoon de Alexandre Romão e André Gonçalves, no "Vale Tudo" - clicar para ler melhor):

“Quando toda a gente é alguém, ninguém é alguém!” (W. G. Gilbert).

Em louvável oportunidade, no post Doutoramentos na hora”, chamou Helena Damião a atenção para a falta de pudor em haver mestrados e doutoramentos obtidos através de convénios entre escolas politécnicas portuguesas e universidades estrangeiras, como que a modos de casamentos por procuração sem os nubentes sequer se terem visto. Mesmo antes, aquando da passagem das antigas escolas do magistério primário a escolas superiores de educação, foi feito um protocolo com uma universidade de Boston que atribuiu mestrados em três meses de duração aos seus professores licenciados. Um dos contemplados na rifa foi Valter Lemos, actual secretário de Estado do Ministério da Educação e ao tempo professor duma dessas escolas do magistério primário.

Naquilo que eu tenho hoje por “Antigas Oportunidades”, o mesmo aconteceu em escalões académicos de menor graduação, assistindo-se a casos de diplomados com cursos médios que frequentaram uns meses escolas "superiores” privadas, criadas à pressão para lhes venderam uma licenciatura. Depois, foi só ir até à vizinha Espanha, no dizer de Eça, “boa amiga, que dorme deitada a nosso lado o sono da indiferença, tendo por travesseiro os mesmos montes e por lavatório os mesmos rios”, para de lá regressarem, em menos de um fósforo, “mestre” e “doutor”. Razão dou-a, de boa mente, a Sophia de Mello Breyner quando escreveu: “Depois do 25 de Abril, tenho-me sentido tentada a escrever uma peça que se chamaria o ‘Auto dos Oportunistas’, mas que é impossível de escrever porque há sempre mais um acto”.

“Sendo o cómico a intuição do absurdo, ele afigura-se-me mais desesperante do que o trágico”, escreveu Ionesco. E haverá coisa mais absurda e trágica para uma sociedade desenvolvida (ou que o pretende ser, pelo menos) do que a distribuição de graus académicos com quem distribui uma dádiva a um desgraçado ávido de subir na escala social, mesmo que à custa de golpadas?

Como já escrevi noutro lado: “No estertor da monarquia o fascínio pelos títulos de nobreza concedidos a granel (a que o festejado Camilo não foi capaz de se subtrair, só descansando quando o fizeram visconde, logo ele que tanto criticara esses títulos) deu azo ao dito jocoso: ‘Foge cão, que te fazem barão! / Para onde, se me fazem visconde?’ Em nossos dias, com idêntica razão, desajustado me não parece parafrasear: ‘Foge gato. Que te dão o bacharelato! / Para que lado, se me fazem licenciado?’ Mas, em tempo algum, as licenciaturas tiveram como destino trágico servirem o ego da legião de desempregados…ou a exercerem profissões para que a seriedade do diploma da antiga 4:ª classe capacitava. E bem!” (Diário de Coimbra, 26/07/2001).

Mas ia ainda a procissão no adro! Anos mais tarde, porque este triste panorama longe de tomar juízo nas cabeças que o permitiram e apadrinharam, voltei à carga em crítica a uma situação tanto ou mais grave do que a já referida. Escrevi então: “Mas porque, ao contrário do que nos legou o poeta, nem sempre se mudam as vontades com os tempos, acrescento desta feita: ‘Bate as asas canário/ Para além do bónus do mestrado / Não se trata de imaginário/ Com mais um pouco sairás doutorado!' Mas será que há a coragem e a vontade política em vencer um estado mórbido provocado por detractores do saber científico, mezinhas de curandeiros de uma falsa pedagogia e agravado por leis frouxas da responsabilidade de diversos governos ou simples declarações de boas/más intenções dos seus responsáveis? Nada há que uma boa purga não expulse cá para fora!” (Diário de Coimbra, 31/07/2005).

Hoje pouco ou nada mudou quanto ao facilitismo dos graus. Mas será que custa assim tanto entrar no bestunto dos nossos governantes que, com isto para inglês ver e aumentar as estatísticas de gente "diplomada”, se está a hipotecar a respeitabilidade cultural e científica do país e a troçar da juventude que se esforça em ter um lugar ao sol numa sociedade ensombrada por diplomas a pataco?

Rui Baptista

quinta-feira, 26 de março de 2009

SÁBADOS À DESCOBERTA: NEM TUDO O QUE LUZ É OURO


Informação recebida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra:

Neste sábado dia 28, com a organização da professora Física Constança Providência, o Departamento de Física realiza a actividade sobre moedas e ouro falso:

"Como posso detectar moedas falsas? E ouro falso? Querem-te vender um fio de ouro mas desconfias que o ouro é falso! Como poderias confirmar se é feito de ouro sem estragar o fio? Para isso precisas de conhecer o volume do fio, mas como poderás medir o volume ocupado pelo fio rapidamente? Qual é a diferença entre um fio de ouro e um fio de aço?
"

As experiências são direccionadas aos jovens dos 9 aos 14 anos e começam
às 15h no Departamento de Física, terminando por volta das 17h. O limite de participantes é de 25 e devem inscrever-se através do endereço sabados@mat.uc.pt, indicando o(s) nome(s) e idade(s) dos jovens participantes e, ainda, o nome, contacto telefónico e de e-mail do responsável.

Ana Maria de Almeida
Coordenadora do projecto "Sábados à Descoberta na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra"

Doutoramentos na hora

Há coisas que pensamos não que poderem piorar, mas quando damos conta… já pioraram…

Depois de ter percebido ser trivial fazerem-se mestrados e doutoramentos em matérias duvidosas (quero dizer, do meu ponto de vista, duvidosas), de ter percebido que, sem qualquer pudor, se anuncia a “fabricação” dos mais diversos trabalhos académicos, de ter percebido que, para não dar muito nas vistas, se vão fazer teses, digamos, mais leves e em tempo record, numas certas universidades espanholas (mas não só...), confesso que, ainda assim, me surpreendi pelo facto de tudo isto poder ser feito na hora, conforme ironizou David Marçal em texto aqui publicado.

Na hora, é como quem diz, em meia dúzia de dias ou um pouco mais… Tempo aceitável, diria eu ironizando também, para estabelecer contactos, escolher com calma o tema (presumo que haja catálogo…) e receber tudo devidamente organizado e acomodado em casa…

Se o caro leitor desconfia do que digo, leia, por favor, o anúncio que abaixo reproduzo, acabado de chegar à minha caixa de correio electrónico.

PS. Por razões óbvias, cortei o número de telefone, mas é tão fácil chegar a anúncios deste género…

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Jogos Matemáticos em campeonato

O Campeonato Nacional de Jogos Matemáticos é uma pérola única em Portugal.

Organizado de forma autónoma pela Ludus, uma pequena associação que reúne os maiores especialistas portugueses em jogos matemáticos, e com a colaboração activa da APM e da SPM, o Campeonato Nacional mexe com cerca de três centenas de escolas do ensino básico e secundário, em que se colocam as crianças e jogar 6 jogos diferentes. Um cálculo back-of-the-envelope dá assim uma estimativa da ordem de 50.000 crianças que, numa altura ou noutra, são mobilizadas para desta forma lúdica encontrar

Na final, cada escola envia um representante por jogo. Quase três centenas de escolas, meis dúzia de jogos, mais de um milhar de crianças de todas as idades e de todos os pontos do país - a aprender matemática e a adorar!

A final, em que estiveram presentes 1210 jogadores dos ensinos básico ao secundário, teve lugar na Universidade da Beira Interior, a 13 de Março.
A organização esteve a cargo da Associação Ludus, Associação de Professores de Matemática, Sociedade Portuguesa de Matemática e Universidade da Beira Interior. Os campeonatos anteriores foram organizados pelas três primeiras instituições (em parceria com outras, locais) e tiveram lugar em Lisboa (2004), Aveiro (2006), Évora (2007) e Braga (2008).

Esta edição do CNJM contou pela primeira vez com a participação de invisuais (!). Foram utilizados materiais desenvolvidos pela Associação Ludus especialmente para este efeito. Mais fotos e informação (em inglês) aqui.

Sobre os jogos desta edição:

O Semáforo é um jogo de alinhamento (três em linha) que se desenrola num tabuleiro rectangular 3x4
(Eu já joguei Semáforo com o meu filho de 8 anos e fartei-me de perder).

Konane é o jogo tradicional do Hawai, que despertou o interesse dos especialistas em Jogos Combinatórios nos últimos tempos, sendo campo activo de investigação.

Ouri é um jogo da família dos Mancala, versão praticada em Cabo Verde.

Hex é o famoso jogo de conexão inventado por Piet Hein e John Nash, cujas ligações à matemática são profundas e surpreendentes.

Rastros é um jogo recente, de grande mérito táctico.

Avanço é baseado no movimento dos peões do xadrez, com grande complexidade táctica.

Todos os documentos, regras, regulamentos, etc estão disponíveis aqui.

Vale a pena ver a reportagem que passou na RTP1. Por estranho que pareça, às vezes passam na TV coisas que vale a pena ver.

Parabéns Profs. Jorge Nuno Silva, João Pedro Neto, Carlos Pereira dos Santos e todos os outros que tornaram estes momentos possíveis. Parafraseando o físico americano Leo Szilard, são coisas como esta que fazem com que Portugal se torne um país que mereça ser defendido.

A 1ª Grande Guerra e a ditadura de Sidónio Pais


Post de divulgação histórica recebido de António Mota de Aguiar sobre a 1ª Grande Guerra (que findou fez no passado dia 11 de Novembro 90 anos) e o ano (Dezembro de 2017 a Dezembro de 1918) em que Sidónio Pais, Professor de Matemática da Universidade de Coimbra, foi Presidente da República (na capa livro recente de Alberto Franco e Paulo Barriga, saído na Guerra e Paz, sobre o assassínio de Sidónio; a RTP passou um filme sobre essa morte em Dezembro passado):

A participação de Portugal na 1ª Grande Guerra teve várias razões. Se, por um lado, a secular aliança que Portugal tinha com a Grã-Bretanha pesou na decisão de participar na guerra, por outro lado, uma outra razão centrou-se na grave dependência que Portugal tinha do nosso velho aliado. O Ultimato de 1890 viera melindrar o orgulho nacional e pôr em evidência a debilidade nacional, marcando o fim do sonho português da criação em África de “novos «Brasis» africanos” [1]. Era necessário recuperar o ânimo nacional e para isso era preciso estar, no fim da guerra, sentado à mesa dos vencedores.

Nas vésperas de eclodir a guerra, a Grã-Bretanha era o principal parceiro comercial de Portugal [2] (a Alemanha ocupava o segundo lugar, à frente do Brasil). A nossa dependência da Coroa britânica, datava, pelo menos, das invasões napoleónicas. Portugal dependia da marinha mercante britânica, dos banqueiros britânicos, das firmas britânicas que geriam os transportes públicos de Lisboa, os telégrafos, os telefones, o gás da cidade, etc. O Portugal republicano vivia uma profunda crise económica além de sofrer permanentes conspirações monárquicas.

Dada a aliança que tínhamos com a Inglaterra não equacionávamos uma vitória da Alemanha; porém, se ela acontecesse, pensava-se, poderíamos cair na dependência dela e, provavelmente, mais cedo ou mais tarde, ficar sem as colónias. Por outro lado, se Portugal figurasse ao lado dos aliados vencedores, embora com o peso de uma pequena potência, teria uma posição fortalecida na defesa dos seus interesses. Não participar na guerra significaria ficar na dependência total de quem a ganhasse. Tentar sair na medida do possível da dependência britânica fortaleceria a independência nacional e protegeria o Ultramar português de ataques externos.

Esta posição não foi contudo do agrado dos monárquicos, divididos entre germanófilos e os afectos a D. Manuel II, residente em Londres, que eram anti-alemães, mas também anti-República. Foram tantas as conspirações durante a República que não cabe aqui descrever nenhuma delas [3].

A participação na guerra foi levada a cabo pelo Partido Democrático, de Afonso Costa, que gozava de maioria no Parlamento, tendo ganho para a sua órbita os evolucionistas de António José de Almeida. Os dois partidos formaram em 1917 a União Sagrada, a frente comum que levaria o País a participar na 1ª Grande Guerra, a “Guerra Total”, como lhe chamou um general alemão [4].

Opostos à participação na guerra estavam os unionistas de Brito Camacho, os quais não viram, ou não quiseram ver, no projecto dos dois partidos políticos na esquerda do leque partidário uma estratégia capaz de melhor defender a soberania nacional.

É certo que, com o decorrer da guerra na Europa, as populações civis estavam depauperadas e viam mal a mobilização de tropas para França. A situação económica tinha-se agravado muito, faltando bens essenciais à população.

O governo republicano não desejou, nem participou em qualquer movimento que favorecesse a guerra, aliás não tinha nenhum interesse na eclosão dela. A 1ª Grande Guerra apanhou a República, há pouco proclamada, de surpresa. Mas a participação nela ao lado dos aliados, incluindo não só a Grã-Bretanha como a França, parecia a estratégia nacional adequada.

Todavia, a posição unionista contra o governo contagiou outros grupos sociais e políticos. “Nas páginas do seu jornal (A Lucta) intensificou a campanha de descrédito, de corrosiva ironia e de hábil incitamento a uma solução extra-legal, violenta e revolucionária.” [5] Conjuntamente com os monárquicos lançou no país a instabilidade social e criou as condições para o golpe de estado sidonista. De 5 a 8 de Dezembro de 1917, no preciso momento em que o Corpo Expedicionário Português (CEP) encontrava sérias dificuldades no campo da batalha e tropas portuguesas defendiam Angola e Moçambique, enquanto o chefe do governo, Afonso Costa, se encontrava em Londres, deu-se o golpe de estado de Sidónio Pais, levado a cabo pela Junta Militar Revolucionária, da qual ele era presidente.

Quando a Alemanha declarou guerra a Portugal, o embaixador em Berlim, Sidónio Pais, que tinha sido professor de Matemática da Universidade de Coimbra, passou por Paris e teve uma conversa com João Chagas. Este último deixou um relato dessa conversa: “O Sidónio voltou (…) falou da política portuguesa, que só conhece pela Lucta, único jornal que o governo alemão deixa chegar à Legação.(…). Falou de Brito Camacho, (…) declara-o um homem eminente. Este Camacho tem a admiração de todos os medíocres do tipo deste Sidónio, nulos, mas diplomados, e com eles quis fazer o seu partido, a que chama uma ‘elite.’ (…)” [6]

Brito Camacho teve uma responsabilidade acrescida nos acontecimentos trágicos deste período por ter criado “uma espécie de comité revolucionário, em que entravam alguns dos seus amigos, entre eles o Sr. Sidónio Pais” [7] . Segundo Luís Fraga [8]: “Quer dizer, Brito Camacho, num país já de si vivendo uma situação de profunda instabilidade, resolveu criar o seu exército privado para garantir a sobrevivência do regime republicano! O argumento é ardiloso, como ardilosa era a postura política do chefe unionista; ele preparava, sim, uma revolução contra o Governo legítimo de Afonso Costa da qual, por salvaguarda pessoal e do seu Partido (Partido da União Republicana), se desvinculou quando viu que Sidónio Pais estava a ir excessivamente longe”. E o mesmo autor interroga-se: Quais foram as alianças que Sidónio Pais, na sua acção conspirativa, terá criado para amedrontar Brito Camacho ao ponto de ele se desvincular da acção conspirativa e ter afirmado no Congresso do seu Partido que não encarregara Sidónio de fazer uma revolução?” [8]

Luís Fraga descreve também, na sua tese [8], o forte apoio monárquico que Sidónio Pais recebeu no golpe de estado. Refere ainda as tomadas de posição da ditadura após o golpe, tais como a reintegração de todos os funcionários civis afastados em consequência das suas ligações ao governo ditatorial de Pimenta de Castro e o encerramento de todos os centros republicanos. A laicização do Estado e a desarticulação do poder da Igreja Católica em Portugal foram anuladas. Para “Presidente da Comissão da Reforma do Ensino” [9] foi nomeado o monárquico, ultra-conservador, Costa Lobo que, já antes na ditadura de Pimenta de Castro, tinha tido “grande actividade política” [10] e, mais tarde, orientará a sua acção em favor do Estado Novo. Afonso Costa, ao chegar a Portugal vindo de Londres, é preso. Bernardino Machado, Presidente da República, é expulso do país.

Como era de esperar o golpe de estado teve repercussões na moral das tropas a combater em França. Em Abril de 1918 as forças do CEP eram derrotadas em La Lys sem que o governo sidonista tenha conseguido os necessários reforços para substituir as tropas exaustas. Após o Armistício, a situação atingiu o extremo, por o Estado português não ter meios para trazer de regresso as suas tropas. Uma das acusações que se faz ao sidonismo é de ter abandonado à sua sorte em França o CEP. Foi, aliás, este argumento que levou José Júlio da Costa, combatente em Timor e África, a assassinar Sidónio Pais, a 14 de Dezembro de 1918.

É fácil concluir que Sidónio Pais, com o seu golpe, desmotivou as tropas portuguesas em França e, nesse sentido, ajudou a Alemanha. Todavia, o desmoronamento do Estado português que se seguiu tornou o nosso esforço de guerra inútil.

Em Dezembro de 1918, Bernardino Machado dizia de França, numa proclamação ao país:

“Cometeu-se em Portugal um crime abominável. (…). Assaltou-se o poder, despedaçando-se a Constituição da República, que era o código fundamental dos direitos da democracia portuguesa. (…). Estávamos em guerra, e todos tínhamos de unir-nos como um só homem e como um só cidadão, em nome da salvação pública”. (…). Quem, pois, diante do inimigo estrangeiro, franqueando assim inteiramente o terreno das competições legais, se lançaria na insurreição armada, rasgando e calcando aos pés a Constituição, que não é um farrapo desprezível de papel, e ferindo parricidamente a própria vida da nação, como o faria um traidor ao serviço do inimigo estrangeiro?” [11]

António Mota de Aguiar

NOTAS:

[1] Joel Serrão, “Da «Regeneração» à República”, Livros Horizonte, Lisboa, 1990, pp. 157-169
[2] Dados do comércio externo português in A.H. Oliveira Marques, “História da 1ª República Portuguesa, As Estruturas de Base”, Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1978, pp. 290-297.
[3] Tese doutoral de Luís Manuel Alves de Fraga, “Do Intervencionismo ao Sidonismo, Os Dois Segmentos da Política de Guerra, 1916-1918”, Universidade Autónoma de Lisboa, 2008. O autor descreve os ataques que a República sofreu que propiciaram o golpe de estado de Sidónio Pais.
[4] General Erich Ludendorff (1865-1937), La Guerre Totale, Flammarion, Paris, 1936. A noção de guerra total foi uma ideia primeiro concebida por Clausewitz, mas depois tratada por outros estrategas militares.
[5] Armando Malheiro da Silva, “Sidónio e Sidonismo, História de Uma Vida”, vol. I, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006, p. 409
[6] João Chagas, “Diário de João Chagas, 1915-1917,” Livraria Editora, Lisboa, 1930, pp.223 e,224
[7 ] Armando Malheiro da Silva, obra citada, pp. 409.
[8] Tese doutoral de Luís Manuel Alves de Fraga, citada, 2º vol., p. 387-388.
[9] Diogo Pacheco de Amorim, “Elogio Histórico dos Doutores Francisco Miranda da Costa Lobo e Gurmesindo Sarmento da Costa Lobo,” O Instituto, vol. 117, 1955, p. 14
[10] Idem, p. 12.
[11] Tese doutoral de Luís Manuel Alves de Fraga, citada, 2º vol., p. 392

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