domingo, 12 de agosto de 2007
IDEIAS MALUCAS EM CIÊNCIA
Como estamos na "silly season" recupero um texto meu sobre ideias malucas em ciência. É o prefácio ao livro: R. Ehrlich, “Nove Ideias Malucas em Ciência. Algumas podem mesmo ser verdade”, Gradiva, 2002.
A associação das palavras “maluca” e “ciência” tem uma longa tradição na literatura de ficção, na banda desenhada e no cinema. Pois não é o perigoso Frankenstein o produto de um cientista louco? E o professor Tornesol das “Aventuras de Tintim” não é o protótipo do cientista tão genial como lunático? E não é ainda a “mente brilhante” do matemático John Nash ofuscada pelos seus ataques de esquizofrenia?
De facto, essa associação, embora decerto infeliz para a imagem da ciência, contém alguns laivos de verdade. Não que os cientistas sejam malucos. Os cientistas são tão loucos, lunáticos ou esquizofrénicos como a generalidade da população (há, por exemplo, estatísticas sobre a percentagem de esquizofrenia entre os cientistas, que está próxima da percentagem geral, o que só mostra que os cientistas são pessoas como as outras). Mas é forçoso reconhecer que a ciência contraria muitas vezes o senso comum e, se aceitarmos como definição de maluquice a fuga ao senso comum, não será completamente injusta a ideia do “cientista maluco”.
Quando a ciência contraria o senso comum, este sai normalmente derrotado. A atitude científica consiste precisamente em ir além do senso comum, em procurar descrições e explicações do mundo que não se justifiquem apenas pelas primeiras aparências mas que estejam antes solidificadas por evidência verificável. Um dos primeiros exemplos, e de certo modo um dos mais triviais, é a ideia de que a Terra se move em volta do Sol. Foi uma ideia maluca porque contrariava o senso comum, mas hoje ideia maluca é, evidentemente, a contrária.
O físico norte-americano Robert Ehrlich, que tem manifestado grande interesse pela educação científica (ver o seu livro “Virar o Mundo do Avesso, nº 6 da colecção “Aprender/Fazer Ciência” da Gradiva) discute, no livro “Nove Ideias Malucas em Ciência”, nove ideias malucas, entre as quais:
• “a SIDA não é causada pelo HIV”,
• “não houve nenhum Big Bang”,
• “o sistema solar tem dois sóis”
• e “existem partículas mais rápidas que a luz”.
Algumas destas ideias são definitivamente malucas (descanse o leitor bem informado que as duas primeiras são muito provavelmente ideias erradas). Mas outras, como indica o subtítulo deste livro, poderão ser mesmo verdade: é precisamente o caso das duas seguintes (por muita surpresa que cause ao leitor a eventual existência do segundo sol ou a possível existência de partículas – os taquiões – que ganham na corrida com os fotões). Como um físico um dia retorquiu a um seu colega: “A sua ideia está errada não por ser maluca mas por não ser suficientemente maluca”.
Mais do que a avaliação final de cada de cada ideia, que Ehrlich não se dispensa de fazer, o importante neste livro não é tanto as conclusões a que o autor chega mas mais o modo como chega a elas. Quer dizer, mais importante do que um resultado científico, que poderá sempre ser revisto e substituído por outro, é o método científico que permite obter resultados e que os permite substituir quando é caso disso. O livro insiste neste ponto, procurando comunicar ao leitor o fundamental da atitude científica. Portanto, o que Ehrlich nos ensina não é tanto o produto da ciência mas mais o trabalho da ciência, a ciência em acção.
A ciência deve estar aberta à análise de todas as hipóteses, mesmo as mais aberrantes (com as naturais reservas quanto ao alcance de “todas”: convém ter o cérebro aberto, mas não tanto que os miolos caiam para fora). Deve saber libertar-se da prepotência das chamadas “autoridades” (como disse Carl Sagan, no seu notável livro “O Mundo Infestado de Demónios”, Gradiva, não existem em ciência “autoridades” mas sim e só “especialistas”). Deve usar toda uma panóplia de meios para evitar os erros, que, como uma praga, aparecem onde não são chamados. Deve aceitar o veredicto dos factos, quer a justificação deste veredicto seja lógica quer seja experimental, isto é, deve estar pronto para aceitar que as hipóteses de partida estavam erradas (se uma hipótese não puder estar errada, não é certamente do domínio da ciência!) E deve, humildemente, estar preparada para rever as sentenças apuradas, se surgir evidência mais forte e consistente.
É corrente alguma incompreensão da ciência, nomeadamente quando se pensa que a ciência perde a credibilidade ao mudar as suas conclusões. Há nomeadamente quem diga que a ciência não é certa porque desfaz o que fez antes. A este respeito, convém esclarecer que a ciência, ao progredir, nunca muda radicalmente o que tinha apurado antes. Muda apenas quanto baste para tudo continuar na mesma. O método continua o mesmo. Pesem embora todas as “revoluções” científicas, a ciência é mais conservadora do que revolucionária. Não será sempre certa, mas procura e consegue acertar o mais possível. É a actividade humana onde o homem mais acerta.
Ao analisar cada uma das “ideias malucas”, Ehrlich conduz o leitor por uma viagem ao método científico, que, salvaguardadas as devidas diferenças, tanto se pode aplicar no domínio das Ciências Sociais e Humanas como no domínio das Ciências Fisico-Químicas, passando pelas Ciências Biomédicas. O leitor, que fizer o esforço de chegar ao fim deste livro, ficará mais habilitado a encontrar e evitar erros no âmbito de um qualquer dos vários ramos das ciências: estará prevenido para não comprar gato por lebre. Passará a ser um cidadão mais bem preparado para viver e intervir na sociedade de hoje, onde os riscos pululam e as dúvidas sobre eles são manifestas. Reconhecerá melhor o extraordinário valor da ciência.
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4 comentários:
É pena não ter sido incluída a tese do "aquecimento global", sobretudo a ideia (científica?) de que o planeta está a aquecer devido às emissões de dióxido de carbono de origem antropogénica.
Jorge Oliveira
A hipótese da existência de uma 2ª estrela - Némesis - no Sistema Solar foi consequência directa da Teoria Alvarez, que ligava uma extinção (há 65 M.a.) com outras que periodicamente afectam a Terra, o que levou a supor que haveria um grande objecto (que também poderia ser uma planeta gigante...) na zona da nuvem de Oort e que provocava estas extinções quando passava entre os OTN's e os levava a mudar de órbita...
Esta hipótese merecia um post completa...
PS - Ouvi, outro dia, numa actividade da Geologia no Verão, que o Doutor Carlos Fiolhais tinha sido espeleólogo... É verdade?
Isso não seria apenas Deus a fazer "reset"?
Estou de acordo com o Jorge de oliveira sobre a inclusão do famigerado "aquecimento global" uma grande falácia...isso sim uma idéia maluca. Por outro lado vejo que a idéia de que os "combustíveis fósseis" não são fósseis não é nada maluca e sim uma realidade proposta para que possamos acordar para o século 21. Achar que petróleo e carvão preto são oriundos de detritos orgânicos é um completo nonsense.
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