quinta-feira, 9 de agosto de 2007
EFICÁCIA DA PUNIÇÃO CORPORAL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR?
Foi notícia recente nos jornais, que o Conselho da Europa pretende pôr fim aos castigos corporais, preparando-se para lançar proximamente uma campanha generalizada de sensibilização dirigida aos educadores e à sociedade em geral. O comissário dos Direitos Humanos desta organização esclareceu que, dos 47 países que lhe estão afectos, apenas 16 proíbem este tipo de castigo em casa e na escola e assinalou que nada justifica o “castigo razoável” ou o “correctivo lícito” (Guimarães, 2007). Aqui deixo uma pequena contribuição proporcionada pela investigação em pedagogia para o debate que se aproxima.
Intimamente ligados à escola, os castigos corporais têm encontrado uma dupla justificação no quadro desta instituição: por um lado, assinalariam erros cometidos pelos alunos no plano da aquisição de conhecimentos e, por outro lado, corrigiriam comportamentos tidos por indesejáveis, sob o ponto de vista moral e social. Se a primeira justificação foi, progressivamente, perdendo argumentos a seu favor, podendo considerar-se ultrapassada; a segunda constitui um ponto de confronto que tem ocupado um lugar de destaque, tanto nos meios académicos, como nos meios educativos, como, ainda, na opinião pública.
A recusa da utilização da punição corporal «para ajudar os alunos a aprender» deve-se em, grande medida, à aceitação, por parte de legisladores e práticos, de dados empíricos proporcionados tanto pela investigação de teor behaviorista como cognitivista sobre os processos de aprendizagem, que têm assinalado a inoperância desta estratégia e, em certos casos, os seus efeitos contraproducentes. Do mesmo modo tende-se a recusar a punição corporal «para ajudar os alunos a comportarem-se». Esta tendência não têm sido, contudo, acolhida de igual modo pelas diversas entidades educativas e, assim, não obstante o esclarecimento científico disponível, o castigo corporal mantém os seus fiéis defensores e os seus não menos fiéis opositores. Enquanto uns o apontam, se não como estratégia a utilizar indiscriminadamente em qualquer problema comportamental, pelo menos como estratégia a utilizar em situações de indisciplina ou de violência; os outros repudiam-na mesmo nessas circunstâncias, por mais graves que sejam.
Na verdade, os que consideram a punição corporal, invariavelmente, como uma actuação desadequada e abusiva baseiam, em grande medida, a sua opinião em estudos realizados em torno da violência familiar, que sugerem uma estreita e perigosa ligação entre a violência exercida sobre as crianças e a violência que elas exercerão sobre outrem no futuro. Alegam também que, numa sociedade humanista, a escola deve defender e implementar certos princípios, entre os quais se contam a protecção dos mais jovens e a ilegitimidade de deter a violência com violência. Assentes nesta posição empírico-ideológica, têm emergido, um pouco por todo o mundo, movimentos sociais guiados pela intenção de eliminar a punição corporal na escola. Pode dizer-se que o seu impacto junto dos poderes políticos e legislativos tem dado resultados positivos, uma vez que diversos países, estados e regiões (por exemplo, Europa, Israel, Canadá, Japão, Irlanda, Porto Rico, Nova Zelândia, alguns estados dos Estados Unidos e algumas regiões da Austrália) têm vindo a interditar formalmente não só as escolas públicas como também as escolas privadas — estas, em geral, um pouco depois daquelas —, de aplicar qualquer coacção física sobre os alunos.
Contudo, nos últimos anos, apoiando-se sobretudo nas informações disponíveis sobre o número e a gravidade dos comportamentos anti-sociais destes sujeitos, que parece ser crescente em todos os níveis de escolaridade, grupos de pais, professores e directores, voltaram a exigir a legitimação desta ancestral medida “pedagógica”, alegando que o seu uso e/ou a ameaça do seu uso é fundamental para fazer face aos referidos comportamentos. Estes três grupos de parceiros educativos, muitos dos quais ligados a escolas privadas situadas em locais onde já havia sido proibida a punição corporal, quando questionados sobre as suas razões, apresentam genericamente tal prática como um instrumento que suporta a autoridade da própria instituição escolar, permitindo manter um clima relacional favorável à aprendizagem. Numa análise mais detalhada, pode perceber-se que, para além de não lhe reconhecerem efeitos nocivos, consideram-na preferível a outras práticas que decorrem da mesma intenção de controlar comportamentos — por exemplo, a humilhação pública — e imputam-lhe diversas funções, nomeadamente, apoio ao trabalho docente, promoção da auto-disciplina, desmotivadora de comportamentos problemáticos e, ainda, único modo de controlar certas situações-limite.
Como se pode perceber, tais grupos, descuidam ou desvalorizam o conhecimento científico sobre esta questão, fazendo notar que são eles quem melhor conhece as crianças pelas quais são responsáveis e são eles também que sabem o que é preferível para a sua educação. Deste modo, não reconhecem ao estado nem aos tribunais legitimidade para decidir acerca dum pelouro que consideram da sua estrita competência.
A discussão em torno da punição corporal não se esgota, no entanto, nas considerações feitas até aqui. De facto, existindo, desde os anos de 1970, trabalho empírico relevante que procura esclarecer a real eficácia da punição corporal ao nível da modificação comportamental no enquadramento escolar, deve ser igualmente considerado.
Em geral, os autores que empreenderam estudos desse teor consideram que punição corporal significa inflingir dor ou restringir movimentos a um aluno de modo intencional, decorrente de ofensa verbal ou comportamental por ele(s) cometida (v.g. Hyman & Wise, 1979; Hyman, 1990). Não se trata, portanto, de uma reacção espontânea de auto-protecção por parte do educador, nem de protecção de outrem ou de protecção da propriedade da escola, casos em que o uso da força ode ser admitido e considerado legítimo, trata-se de um acto previamente estabelecido que se exerce deliberadamente e que tem subjacente um determinado intuito de correcção. Nesta linha, Delagrage (2001) distingue castigos corporais de maus-tratos, porquanto estes são aplicados de maneira intensiva, sistemática e aleatória por alguém que tira satisfação pessoal desse comportamento.
Assinalamos que qualquer trabalho empírico sobre práticas efectivas de punição levanta dificuldades assinaláveis, não porque essas práticas, mesmo quando proibidas, ocorram raramente e sejam inconsequentes — na verdade os estudos apontam-nas como bastante frequentes e muitas delas, dada a sua severidade, implicam intervenção médica —, mas porque envolve delicadas e complexas questões éticas metodológicas e institucionais. De facto, estamos perante um tema sobre o qual nos planos pedagógico e social se exerce uma forte censura e que vários sistemas educativos proíbem. Estas razões tornam-no, pelo menos para os professores, num «assunto tabu», podendo depreender-se que seja tema de reflexão apenas em círculos muito restritos e com a necessária prudência. Assim, por muitos cuidados que o investigador ponha na apresentação da investigação a estes profissionais, para fazerem face à desejabilidade social, certamente omitirão algumas das suas práticas “mais condenáveis” e enviesarão outras. Por outro lado, não é possível empreender estudos experimentais que permitam estabelecer relações seguras de causa-efeito, dada a impossibilidade de manipulação dos sujeitos que ensinam e dos que aprendem em função das necessidades deste tipo de investigação.
Com estas limitações presentes, os investigadores têm optado por realizar estudos correlacionais, de carácter transversal e longitudinal, que se debruçam sobre casos concretos de punição corporal. Os resultados de tais estudos, levados a cabo sobretudo nos Estados Unidos, revelam, no entanto, aspectos muito curiosos dos quais passamos a referir os que nos parecem mais relevantes.
Apurou-se que, ao contrário do que os defensores da punição corporal alegam, esta não surge quando o professor ou a escola esgota todos os outros recursos disciplinadores face a comportamento muito violentos; pelo contrário, surge muitas vezes como a primeira resposta a comportamentos com reduzido grau de violência, como falar sem autorização na aula.
Interessante é constatar que a punição corporal não é utilizada com a mesma frequência em todas as escolas: as que mais a aplicam recorrem também mais a outros castigos como a suspensão e a admoestação. De notar que muitas das escolas que apresentam um clima fortemente punitivo seguem uma forte orientação religiosa ou estão implantadas em regiões com tradições de violência social.
Parece também que a punição corporal não é igualmente aplicada a todos os alunos que apresentam problemas de comportamento: os alvos privilegiados são os mais desfavorecidos sob o ponto de vista económico e cultural e os provenientes de minorias étnicas, provavelmente porque ambos os grupos são vistos como menos capazes de fazer afirmar os seus direitos. Por outro lado, não se aplica primordialmente a alunos perigosos mas àqueles que não intimidam os educadores ou seja, que não podem, por razões de ordem física, enfrentar quem os pune, assim, não é de estranhar que esta prática seja mais frequente nos primeiros níveis de escolaridade.
No que respeita ao perfil dos educadores mais punitivos, verificou-se que, quando comparados com os seus pares, para além de serem menos experientes, revelavam-se mais autoritários, dogmáticos, impulsivos e, mesmo, neuróticos.
Na sua globalidade, a análise dos resultados das investigações sobre os efeitos da punição corporal permite concluir que esta estratégia, pode produzir, no plano imediato, em alguns casos, conformismo por parte dos alunos e controlo da situação problemática por parte dos educadores, mas a médio e a longo prazo, para além de se revelar ineficaz ao nível da correcção comportamental, desencadeia outros problemas não menos graves. De facto, tem-se verificado que esta medida, quando utilizada com frequência e durante um longo período de tempo pode potencializar uma escalada de violência não só entre quem pune e quem é punido, mas também em relação a terceiros, chegando a formas de vandalismo e de delinquência; pode afectar a memória e a concentração dos alunos, prejudicando seriamente as suas aprendizagens cognitivas; pode originar queixas psico-somáticos, nomeadamente distúrbios do sono, fobia à escola, depressão e síndrome pós-traumático; pode, ainda, afectar a auto-estima e fazer emergir sentimentos negativos face ao outro, como sejam o ódio, o medo, a revolta.
Devemos, ainda, dar conta de investigações que pretenderam verificar a evolução dos comportamentos perturbadores no caso da punição corporal ser eliminada na escola. Os resultados obtidos esclarecem que tais comportamentos não aumentaram em frequência nem em gravidade, o que reforça a hipótese da ineficácia desta estratégia e corrobora a ideia de que a sua ausência não incentiva a indisciplina ou a violência.
Face aos dados empíricos, os diversos autores que se debruçam sobre a problemática em questão assinalam que a intervenção sobre os comportamentos desadequados dos alunos terá necessariamente de passar pelo abandono da punição corporal e, em alternativa, investir em procedimentos mais estruturantes que contribuam para a própria qualidade das escolas. Entre esses procedimentos são frequentemente referidos, a análise de conflitos, a implementação de regras sociais e responsabilização face às mesmas, a valorização dos alunos como pessoas e como aprendizes, a dinamização de actividades extra-curriculares, o envolvimento de encarregados de educação, a mediação através de pares/pares-tutores.
Referências bibliográficas:
Delagrage, G. (2001). Pourquoi punir?. Sauvegarde de L`enfant. Vol 56, nº 1, 46-52.
Goldstein, A. P. & Conoley, J. C. (Eds) (1997). School violence intervention. New York: The Guilford Press.
Guimarães, M. J. (2007). Conselho da Europa quer fim de palmadas às crianças. Jornal Público. Ano XVIII, n.º 6337, 12.
Hay, C. (1998). Parental sanctions and delinquent behavior: toward clarification of braithwaite`s theory of reintegrative shaming. Theoretical criminolog. Vol 2, n.º 4, 419-443.
Hyman, I. A. & James, H. W. (Eds.) (1990). Corporal punishment in American Education. Philadelphia: Temple University Press.
Hyman, I. A. (1990). Reading, writing, and the Hickory Stick. Lexington Mass.: D. C. Heath.
Lawrence, R. (1998). School crime and juvenile justice. Oxford: Oxford University Press.
Wright, D. (1972). The punishment of children: a review of experimental studies. Jornal of Moral Education. Vol 1, nº 3, 221-229.
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7 comentários:
Não sei se com fundo de verdade ou não,conta-se que uma mãe preocupada com a educação do filho perguntou a Freud: "Senhor Professor, com devo educar o meu filho?". Resposta mais pessimista não se fez esperar: "Minha senhora, faça o que fizer fará sempre mal!". Outro exemplo, do mesmo jaez, pode ser encontrado na angústia de um pedagogo, ao confessar: "Dantes tinha 6 teorias sobre educação e nenhum filho; hoje tenho 6 filhos e nenhuma teoria". Sao histórias que se contam e como tal devem ser tomadas nesse sentido, apenas. Seja como for, servem para demonstrar a dificuldade que preside à educação dos jovens: um método que dá para um caso mostra-se incapaz noutro, e vice-versa. Agora o que não me parece passível de concordância por parte de verdadeiros educadores é o retorno dos castigos corporais nas escolas ou no próprio lar, mesmo como "ultima ratio". Os exemplos que aqui deixo servem apenas para demonstrar que a educação é um processo demasiado complexo em que não há receitas feitas. Há estudos sérios e bem documentados, como os aqui apresentados no post, que devem merecer uma cuidada atenção.
Isso sim!
Este artigo é eduquês? Se não, o que o distingue do eduquês?
É pena estar ausente desta discussão um tema que devia ser central: o da crueldade.
Se discutíssemos este assunto da perspectiva da crueldade, faríamos perguntas como: será o castigo físico sempre o mais cruel dos castigos? Poderá eventualmente (e em que casos) ser o menos cruel dos castigos possíveis? Se um castigo consiste, por definição, em fazer sofrer, há alguma razão para além do preconceito para que se proíba o castigo físico sem proibir os outros?
O nível de argumentação utilizado neste artigo parece-me muito baixo, quando comparado com outros do mesmo blog. Fico mesmo com a sensação de estar perante um exemplo de anti-ciência. Infelizmente, falta-me a capacidade para o justificar, pelo que este comentário é - agora sim, sem dúvida - anti-científico.
E o que dizer sobre a violência crescente dos jovens sobre outros colegas, professores, auxiliares de educação e até pais?...
Será que não será por causa de falta de autoridade que se criam outras vítimas?... Suprime-se os castigos aos alunos e depois deixa-se que outros alunos sejam agredidos por colegas?... E o que acontece a essas vítimas de maus tratos?... Crianças são agredidas por colegas, não são vítimas de maus tratos. Este último fenómeno só agora coemçou lentamente no estrangeiro a ser alvo de atenção mas pouco se fala. Entretanto estão preocupados sobre os castigos institucionais. Penso que quanto mais se «esgravata» nesta questão menos se demonstra saber. Há estudos actuais, que dizem que apenas 1/10 da personalidade do indivíduo é que é formada pela educação e ambiente familiar. Portanto, em casa os castigos e até maus tratos ficam quase fora de parte na influência que possuirão no futuro. Tudo o resto é grupo de pares e biologia. E mesmo aqueles que demonstram que a influência paternal pode ter algum significado, ainda, mesmo nesses, tudo dependende da biologia do indivíduo. E isto não significa que se deva promover os castigos. Mas uma coisa são maus tratos outra são castigos. No entanto, sempre que se justificasse, e com base no que foi dito, não vejo a razão para não promover os castigos, nem que fosse para orientar a influência da biologia dentro do grupo de pares e para impedir que outros colegas e outras pessoas fossem vítimas de maus tratos, de que pouco se fala, nem que fosse sobre certos «chicos espertos», que promovem a violência primeiro em casa e na escola, e mais tarde alastram à sociedade. E o que dizer das vítimas detes maus tratos?...
à pala de acabar com os castigos corporais nas escolas e em casa é que existe agora crianças / alunos que batem em professores, fazem o que querem, batem nos país e muito mais e quais são os castigos??? uma repreensão?? para quê? entra por um ouvi e sai pelo outro para alem de serem malcriados! se estas crianças levassem um bom correctivo com um chinelo ou com o cinto em casa ou com a palmatória na escola talvez as coisas em Portugal mudassem radicalmente, eu levei castigos destes na escola e em casa e todos da minha geração assim levaram e agora são pessoas trabalhadoras e poucos são os vadios, até á minha geração nunca houve problemas de levar uns bons mas eficazes correctivos. vejam agora os "putos" que andam por aí! são malcriados, não têm disciplina nenhuma, são agressivos, são uns reis e rainhas que podem fazer tudo o que querem porque sabem que não lhes acontece nada.
Em Inglaterra também aboliram os castigos corporais nas escolas, o que aconteceu é o que está acontecer actualmente aqui em Portugal, alunos agressivos, indisciplina ao máximo, tudo. O que fez de imediato o estado Inglês? começou novamente com os castigos corporais nas escolas, acabou logo o reinado dos meninos.
Foi a uma escola à pouco tempo e estava a ouvir uma aula de português com uma professora a falar para um aluno com mais ou menos uns 15 anos, que mais parecia que o aluno era um senhor doutor e a professora uma submissa, para além de estar a falar mal e porcamente em português e muito bem em crioulo. Perguntei a esse aluno se não sabia falar correctamente o português o que ele me respondeu foi algo em português muito manhoso com crioulo à mistura, se fosse eu o aluno na minha altura tinha logo levado umas bofetadas na cara e com a palmatória nas mãos, ficava logo a saber que tinha que falar direito, se fosse eu o professor dava-me uma vontade louca de lhe dar uma correctivo destes, assim na próxima pergunta de certeza que a resposta já era em português correcto.
Agora digam-me se ainda achas injusto haver que comece novamente os castigos corporais nas escolas.
Leio, vice-versa.
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