sexta-feira, 17 de abril de 2009

O 17 DE ABRIL, 40 ANOS DEPOIS


Hoje passam 40 anos sobre o 17 de Abril de 1969 , data que marca o início da Crise Académica de 1969 em Coimbra. O jornal coimbrão "Campeão das Províncias" pediu-me um depoimento pessoal que transcrevo aqui (na foto Osvaldo de Castro, na altura vice-presidente da AAC, a falar aos estudantes na Via Latina em 1969) :

Onde eu estava no dia 17 de Abril de 1969? Pois estava, em plena adolescência, no quarto ano do Liceu Normal de D. João III, que hoje se chama Escola Secundária de José Falcão, em Coimbra. Não tinha, como é óbvio, nessa época qualquer tipo de consciência política.

E, no entanto, dei-me conta que me encontrava, passados alguns dias, numa cidade em guerra. De um lado os polícias e os guarda-republicanos por conta do governo (lembro-me que havia uns jipes com arame farpado à frente) e do outro os estudantes, senão todos os estudantes pelo menos a esmagadora maioria deles. O ambiente era mesmo marcial, embora não tivesse presenciado nenhum dos incidentes durante a greve aos exames de que mais tarde vim a tomar conhecimento. Dei-me conta que não houve, em Maio, Queima das Fitas, uma festa onde me tinha habituado a ir como mirone (“ó senhor doutor dê-me uma plaquete!”).

O chamado “luto académico” haveria de perdurar por longos anos, tendo eu participado dele. Sou tão participante do luto académico que não entrei nem na Queima das Fitas nem na Latada nem sequer em nenhum dos outros actos da praxe. Entrado em 1973 no curso de Física da Universidade de Coimbra, e tendo sido surpreendido pela Revolução de 25 de Abril de 1974, numa bela manhã, com a notícia a interromper uma aula de Análise Matemática, acabei por viver na Universidade de Coimbra os tempos agitados do PREC. Nessa época, devido à crise académica de 1969, não havia praxes. Portanto, se os protestos estudantis de 17 de Abril tiveram uma influência directa na minha vida estudantil foi a de não praxar nem ser praxado. Devo confessar que a praxe nunca me fez qualquer falta...

Mas tive, decerto, influências indirectas do Abril de 1969. Ainda em adolescente, pelo jornal “O Século” e pela revista “Século Ilustrado” (os dois publicações do século passado), percebi que um ano antes de Coimbra ter estado em guerra, Paris também o tinha estado, tendo aí as hostilidades sido bem mais violentas. Achei curiosíssimas as frases da Sorbonne: o meu francês, ainda que incipiente, dava para perceber “au dessou du pavé, il y a la plage” ou “soyons réalistes, demandons l'impossible”. Em 1979, quando, jovem licenciado, fui fazer o doutoramento em Frankfurt, na Alemanha, ainda encontrei, apesar de meio apagados, “grafitti” dessse mesmo tipo nos muros de uma universidade que também tinha estado revolta no final dos anos 60. Numa altura em que a minha mente estava em formação, as revoltas estudantis aqui e, em geral, na Europa tinham necessariamente de me deixar marcas. Tentei perceber o que se tinha passado e porquê...

Claro que em Portugal, ao contrário do que se passava na França e na Alemanha, havia em 1969 uma guerra nas colónias (nos "campi" dos Estados Unidos havia também lutas estudantis que tinham, pelo menos em parte, a ver com a guerra do Vietnam) e havia oposição ao regime (no curto semestre e meio universitário que vivi no tempo da “outra senhora”, lembro-me de encontrar panfletos oposicionistas nas casas de banho da Faculdade e de ter aulas interrompidas com protestos políticos). Foi, por isso, com alívio que recebi a notícia do fim da guerra na altura dita do Ultramar. Quando, quase despido, me apresentei às inspecções militares em Junho de 1974, tinha acabado, felizmente, de se tornar inútil o meu recrutamento. Um coronel-médico a quem me queixei de miopia e daltonismo (se acaso a guerra voltasse eu não via bem o inimigo ao longe, nem sequer a cor dele se fosse vermelho) me perguntou se me queixava de mais alguma coisa, pensei, embora, por elementar prudência, não o tenha dito: “Senhor doutor, ainda aqui só estou há meia hora, mas, se permanecer mais meia hora, receio que vá haver mais queixas”.

Hoje eu sei que não só não fui à guerra colonial como vivo em liberdade graças, entre outros movimentos sociais e políticos, ao movimento a que parcialmente assisti em Coimbra em 1969, sem dele na altura perceber grande coisa. O Abril, mais geral e decisivo, de 1974 é devedor do Abril estudantil de 1969. Embora indirecta, essa é, decerto, uma influência bastante forte que o 17 de Abril teve em mim e, felizmente, em muito mais gente da minha geração. Passados 40 anos essa bem pode ser a principal razão para que comemoremos o 17 de Abril.

6 comentários:

victor simoes disse...

Olá Carlos, estava a pensar fazer uma alusão ao 17 de Abril de 1969, no blogue colectivo A Voz do Povo, quando encontrei este seu post. Informo que irei passar este seu texto no blogue, com as devidas referências.

Um abraço

Anónimo disse...

1 campus, 2 campuses.

Henrique Dória disse...

Também eu estava então no D. João III, mas percebi bem como o poder estremeceu e Coimbra viveu uma hora de libertação.Um abraço

Osvaldo de Castro disse...

Caro Professor,

Um abraço em nome de uma geração que soube aproveitar o momento certo para conduzir uma luta vitoriosa.

OC

Osvaldo Coimbra disse...

Sou da mesma escola e gostava de ter estado no lugar do Osvaldo de Castro. Era só mudar o último nome. Mas cheguei com 23 anos de atraso...

José Carlos disse...

. Esta é, apenas, uma das versões do que REALMENTE se passou no dia 17 de Abril.

. Alberto Martins é o actual chefe do grupo parlamentar do PS. José Hermano Saraiva, ministro da Educação na época, está activo, lúcido, sendo muito respeitado, mesmo por pessoas que não perfilham as suas ideias políticas.

.Gostaria de assistir a um frente a frente entre os dois. Repito: a história do que REALMENTE se passou naquele dia ESTÁ MAL CONTADA, como muitas outras... (mas isso daria pano para mangas)

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Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente .  N...