Artigo de opinião recebido de Armando Vieira:
A educação, ensino superior e a ciência vão sofrer cortes de financiamento do Estado da ordem dos 10% para 2012. Significa isso que o país está a desinvestir na formação dos jovens, comprometendo ainda mais o nosso desenvolvimento a longo prazo? Não necessariamente. Pelo contrário, creio que pode ser uma oportunidade para se fazerem as reformas necessárias.
Sempre considerei que os nossos problemas estruturais não se resolvem atirando mais dinheiro sobre os mesmos. Normalmente essa é uma forma fácil de agravar ou disfarçar os problemas. E na educação tem sido precisamente isso que aconteceu nos últimos 15 anos. Aumentámos os orçamentos mas não revolvemos algumas das questões de fundo do funcionamento das escolas. O resultado está à vista: a qualidade manteve-se a níveis baixos, nalguns casos agravou-se mesmo, como comprovam os relatórios da OCDE sobre o desempenho dos nossos alunos a nível internacional.
A nível do ensino superior, nasceram escolas como cogumelos por todas as cidades e vilas deste país; como se criar uma boa universidade fosse sinónimo de construir um, muitas vezes caro, edifício. O número de cursos explodiu, numa oferta desajustada à procura, com muitos de qualidade duvidavel. Não havendo critérios rigorosos, andámos a enganar uma geração inteira que agora luta desesperadamente para conseguir um emprego para o qual a sua formação não os preparou.
Para mim o dinheiro do Estado é para ser visto como um investimento, não uma despesa. E como todos os investimentos, temos de ter medidas do seu retorno. Para se aferir se um investimento é rentável ou não temos de fazer benchmarking. Embora seja difícil fazê-lo, podemos recorrer a alguns números reveladores.
1. Existem vários rankings que comparam a qualidade das universidades de todo o mundo. Dos ratings que consultei não encontrei nenhuma universidade portuguesa entre 100 primeiras e apenas uma constava entre as duzentas melhores. Muitos institutos politécnicos nem sequer aparecem entre as 1000 melhores.
2. Nalguns casos podemos ter acesso a medidas mais exactas da actividade científica de cada departamento de forma a perceber as razões do nosso baixo ranking. Por exemplo em http://ranking.zeit.de/, comparei o departamento de física de uma universidade alemã com o departamento de física do instituto onde leccionei, durante o último ano lectivo:
Parâmetro Univ. Gotinga / ISEP
Números docentes 32 / 30
Alunos 768 / 280
Alunos de doutoramento 35 / 2
Artigos revistas internacionais 243 / 5
Citações por artigo 11.3 / ?
Patentes por 10 cientistas 0.5 / ?
Projectos financiados por Investigador 242 000 €/ ?
3. Em termos de despesa na educação, o nosso esforço na é da ordem de 6% do Produto Nacional Bruto. Um valor muito próximo de países como a Irlanda ou o Reino Unido. Estaremos nós uma qualidade a este nível? Muito provavelmente não.
Como resolver o problema? Simples, indexar o financiamento ao desempenho da Universidade. Sem qualidade não há dinheiro. De resto, cortar ainda mais o financiamento até este estar ao nível da qualidade do ensino prestado.
Armando Vieira
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6 comentários:
Escolhi esta citação para frase do dia. Creio-a propositada para afirmar a minha concordância com o conteúdo do post.
Concordo que se está a pagar mais dinheiro por um serviço que comparando internacionalmente não tem a mesma qualidade. Alturas de vacas magras são óptimas para racionalizar custos, mas o problema é se se baixa o financiamento e a qualidade desce ainda mais... Como evitar isso? Como garantir que na prática se aumenta a qualidade (ou mantém) com o mesmo dinheiro?
Caro Armando Vieira,
Parabéns pela coragem ao escrever este artigo com o qual concordo totalmente.
Peço desculpa, mas eu gostava de saber o gasto em euros por aluno, não a percentagem, Portugal, infelizmente possuímos um PIB per capita 3 vezes inferior aos estados referidos no texto.
Portugal não é Irlanda, e para meu desgosto estamos mais perto da Turquia, esta a comparar o incomparável.
Esses 10% de cortes que sejam aplicados em:
Escolas superiores de educação
Novas oportunidades
Orgânica do ministério da educação
Nos Magalhães, e-escolas e e-escolinhas
nos mais de 23
Há toda uma panóplia de coisas inúteis a extinguir que não se necessitará de cortar onde o dinheiro faz falta.
Concordando no essencial contigo, Armando, eu faria uma separação clara entre aquilo que depende de nós, portugueses, e aquilo que não depende de nós porque... é feito por outros.
A educação, a transmissão de conhecimento é, em 99%, mão-de-obra. Os custos são essencialmente salários. Por isso parece-me quase absurdo chegarmos ao ponto em que dizemos que vamos cortar 10% quando esses custos deveriam estar exactamente no ponto em que nós, portugueses, podemos pagar. A solução óbvia é cortar a massa salarial em 10% porque o valor económico do produto é inferior ao valor do dinheiro que é consumido. Como tudo aquilo que é massa salarial do estado deveria há muito estar indexado àquilo que o país pode pagar.
Por outro lado há tudo aquilo que não depende de nós e que, de alguma forma, contribui para o valor final do produto. Viagens ou reagentes ou máquinas. E estes valem aquilo que valem, se são fundamentais para o produto final, então quando se cortar neles está-se a cortar imediatamente no produto.
Como gosto de repetir, não há substituto a fazer as coisas bem feitas. O consumo do serviço de educação tem que ser equivalente ao produto e, atendendo que o produto é uma bosta, tem que se cortar salários. E gostava realmente que estas coisas fossem ditas com todas as letras porque aquilo que acontece sempre é que os cortes são sempre no serviço. Se o serviço é mau, corta-se no custo do serviço. Não se mantém o custo e corta-se no serviço para ser ainda pior.
Se a nossa investigação é fraca, corta-se nos salários, não se corta na investigação. Isto parece óbvio? Então porque é que se faz SEMPRE o contrário?
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