segunda-feira, 5 de setembro de 2011

UMA GOTA NO GPS


Crónica publicada no Diário de Coimbra (Ciência na Imprensa Regional)

A observação das constelações de estrelas, aparentemente fixas no céu nocturno, guiou muitos destinos, fez eclodir a globalização.

Hoje, com o resultado do desenvolvimento da tecnologia conhecida por sistema de posicionamento global, vulgo GPS, dispensamos esses sóis distantes, esses faróis de caminhos. Orientamo-nos á velocidade da luz na aldeia global.

Quando precisamos de um percurso até à bomba de gasolina mais próxima, por exemplo, entregamo-nos à resposta que nos é dada por um dispositivo electrónico que nos descodifica a informação que nos é dada pelo GPS, no telemóvel ou no computador de bordo do automóvel.

A maior parte dos dispositivos não são mais do que emissores e receptores de radiações electromagnéticas, de frequências bem estabelecidas, para, e de, pelo menos 4 dos satélites pertencentes às constelações de satélites artificiais que enxameiam o planeta, descrevendo órbitas terrestres baixas (entre os 350 e os 1400 km acima da superfície do mar), a velocidades na ordem dos 10 km/s.

Com uma precisão cada vez mais afinada, a nossa posição é estabelecida no espaço e no tempo, a hora de chegada ao destino pretendido ajustada á velocidade média do nosso movimento.

E, se a navegação orientada pelas estrelas dependia da visibilidade das mesmas, de um céu limpo, dito estrelado e sem aerossóis de água enublando a abóbada, esta tecnologia que nos diz onde estamos e por onde vamos, desenvolvida a partir de fundamentos anteriores mas basilares à teoria da relatividade (velocidade de propagação da luz constante nesta altura do universo das nossas vidas) e das do conhecimento da natureza da matéria feita de átomos que permutam electrões entre si, fornece-nos uma ferramenta que funciona independentemente das condições atmosféricas, “faça chuva ou faça sol”.

Os mapas digitais e os algoritmos que decidem, por nós, por onde ir tendo em conta contratempos geográficos, determinados e informados à velocidade da luz, alienam a nossa consciência física, táctil, visual, do meio que nos envolve e que nos condiciona. Se não fizermos um esforço, estas tecnologias de orientação e programação dos nossos destinos diários, podem distanciar a nossa sensibilidade ecológica e afastar-nos do ambiente em que vivemos ou por onde nos movemos. Torna-se-nos mais sensitiva a representação do que a coisa real.

Tal como o uso abusivo e inconsciente da calculadora pode levar a que esqueçamos como fazer uma soma, ou a prova dos nove, o ócio propiciado pelos dispositivos de GPS, mais ou menos inteligentes e ajustados às nossas necessidades urbanas, pode diminuir o nosso sentido de orientação inato, a nossa capacidade de antever um obstáculo, de planear um percurso ponderando os prós e os contra. É uma tecnologia muito útil, mas a dependência dela em excesso pode inabilitar-nos de conseguir planear os nossos destinos.

E se fosse possível seguir, através desta tecnologia, uma gota de água desde a sua nuvem, a escorrer pelo guarda-chuva em pingos para o chão, encarreirando por regatos entrançados de água, pelos sistemas de drenagem das águas ditas residuais, pelas ETARs, pelos rios até à foz da sua libertação marítima?

Uma aplicação assim, permitir-nos-ia aumentar o nosso conhecimento sobre os cursos de água tão importantes para a vida que preenche os nossos ecossistemas? Sobre a geografia e geologia que partilha com a água os seus percursos?

Este último assunto foi tema de um editorial da edição de 15 de Agosto da revista Nature. Nele, é-nos informado que o ecologista norte-americano Timothy Carter, da Universidade de Butler, em Indianápolis, desenvolveu uma aplicação para telemóveis inteligentes (smartphones) para permitir seguir uma gota de água da chuva, desde a localização em que se encontra, até ao mar. A investigação foi financiada pela NOAA uma Agência do Governo dos Estados Unidos para a Atmosfera e Oceanos.

Esta aplicação será lançada no próximo mês. Por enquanto, só poderá ser utilizada naquela região dos Estados Unidos percorrida pelo rio Mississípi. Esperemos que dela surjam globalizações que nos ajudem a apreciar, seguir e compreender os ciclos da água desde os céus de Coimbra até ao estuário do Mondego na Figueira da Foz.

António Piedade

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