As conversas sobre fraudes em trabalhos académicos saíram definitivamente dos gabinetes e corredores das escolas e universidade para os jornais, televisões, blogues, rádios. Estão na rua.
Não era assim até há bem pouco tempo: os plagiadores faziam do seu acto grande segredo e creio que a consciência de alguns ganharia peso com o passar do tempo. Quem sabia, por ter escutado qualquer coisa em surdina à mesa do bar, olhava-os como pecadores para o resto da vida. Mesmo que ganhassem graus académicos perdiam em reputação. Alguns eram afastados discretamente, com um “convite” para desistirem das provas ou para deixarem lugar vago. A poucos se fazia passar a vergonha da divulgação pública. Nos casos que conheci, vi aliada a punição à complacência.
Porém, de um momento para o outro tudo parece ter mudado, e apenas falo da minha experiência na universidade, naquela a que pertenço e noutras que visito: passo pelos corredores e ouço um estudante dizer, muito naturalmente e em voz alta, qualquer coisa do género, “manda-me o trabalho que apresentaste em… para eu apresentar amanhã em…”; leio a parte de uma tese que se me afigura familiar e percebo que fui eu que a escrevi; passo os olhos por um ensaio e o que vejo é uma manta de retalhos sem qualquer sentido, com umas partes em português de Portugal e outras em português do Brasil, porque o seu “autor” nem se deu ao trabalho de o tratar e uniformizar.
E isto em licenciaturas, mestrados e… doutoramentos. Ou, na terminologia de Bolonha, no primeiro, segundo e terceiro ciclos. Falo de jovens, mas também de pessoas na meia idade; falo de quem nunca desempenhou nenhum cargo, mas também de quem desempenha cargos que implicam responsabilidade e honestidade.
Quando confronto os estudantes, sempre com evidências na mão, por mais diversos que sejam, duma coisa posso ter a certeza: porão um ar desentendido e terão dois tipos de reacção. Uma reacção é uma quase não reacção, do tipo “sim, e depois!?”, reconhecem, portanto, o que fizeram, mas não vêem onde está o problema; outra reacção é mais reacção e pode traduzir-se na negação, ou na afirmação repetida de não perceberem onde quero chegar, ou que não tiveram qualquer intenção de usar obra alheia, ou de nunca lhes terem explicado como se pode usar essa obra… ou, ainda, tudo isto.
Mais grave do que as reacções dos estudantes são as circunstâncias que têm permitido a sua expansão e consolidação. Parece que foi preciso a comunicação social dar atenção continuada às fraudes para que se começasse a estudar o assunto nas universidade. Mas daqui a fazerem algo de substancial para as reduzir pode falar pouco ou pode faltar muito tempo. Convinha que não faltasse muito porque é o prestígio dos graus académicos, já tão ameçados por outros factores, que está em causa.
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9 comentários:
O problema não está nos estudantes mas primeiro que tudo nas escolas e universidades que nada fazem para prevenir e não punem os alunos.
Os jovens desprovidos de valores morais que os pais não lhes ensinam, simplesmente aprendem a manipular o sistema pela via do menor esforço.
Licenciei-me há mais de 15 anos e já nessa altura era uma balbúrdia completa e apesar dos copianços e batotas óbvias e descaradas, nunca conheci um caso de um aluno punido ou penalizado.
O resultado vê-se por todo o lado nas empreas com "profissionais" para quem "profissionalismo" é um conceito estranho e que só lhes interrompe a conversa sobre o Euromilhões ou a transmissão da bola na internet a que assistem orgulhosamente em full-screen no local de trabalho em hora de expediente.
"Uma reacção é uma quase não reacção, do tipo “sim, e depois!?”(...) outra reacção (...) pode traduzir-se na negação, ou na afirmação repetida de [que] não perceberem (...) ou que não tiveram qualquer intenção de usar obra alheia, ou de nunca lhes terem explicado como se pode usar essa obra… ou (...) tudo isto."
Estas pessoas estão, portanto, aptas a desempenhar o cargo de presidente do governo regional da Madeira ou de primeiro ministro de Portugal. Se forem mais modestas podem, por exemplo, ser candidatas a juízes.
Naturalmente estão também aptas a desempenhar qualquer cargo de responsabilidade no nosso país, especialmente se for do Estado.
E o mal não é de agora. Nem é mais praticado agora que no passado, provavelmente.
Donde, a situação em que nos encontramos poder (eventualmente) ser o corolário destas e doutras coisas.
Quem tem a culpa (evito o termo responsabilidade)?
Só mais uma coisinha: em matéria de graus académicos passados por muitas das nossas universidades, há muito que se perdeu o prestígio que deviam ter. Nem é preciso recuar ao caso literário daquele lente referido na obra de Trindade Coelho em que, mediante o sistema de bolas brancas e pretas, se aprovou um assumido, mas "esperto", ignorante.
Estou neste momento a estudar em Estocolmo, e por aqui o problema é encarado de maneira muito diferente da das universidades portuguesas. Comecei as aulas há três semanas e já tivemos duas sessões diferentes, e obrigatórias, de sensibilização para o plágio e a fraude científica; não só nos artigos científicos mas também nos trabalhos universitários. Cada professor novo que temos faz questão de discutir connosco as implicações de plagiar. E, finalmente, todos os trabalhos são submetidos ao software Urkund.
As universidades portuguesas poderiam bem adoptar este ou outro programa semelhante.
É a geração mais bem preparada de sempre, que os socialistas, e a esquerda em geral, repetem até à náusea. Não me façam rir. Os nossos graus académicos praticamente só enganam africanos e latino-americanos. Bando de analfabetos!
Entristece-me o fato de que as "formas amenas" de plágio ganham força nos bastidores. Por "formas amenas de plágio" entendam as cópias de cópias e o discurso da mesmice só que com erudição e dentro do formato e das normas técnicas tão prezadas por corporativistas. Eu falo do exagero de citações e os esquemas de manta de retalhos que constituem os trabalhos acadêmicos.
O problema é que, pelo menos aqui no Brasil, os professores reforçam esse comportamento, premiando os alunos que sabem copiar bem e punindo os que sabem copiar mal, sendo que essencialmente são a mesma coisa.
Tive muitos colegas de classe, sujeitos com notas altas, mas que passaram toda a vida acadêmica copiando e colando (só que fazendo isso muito bem) e hoje se encontram no mestrado, participando de "esquemas" clientelistas de produção acadêmica com seus superiores, na maioria das vezes professores que escondidamente apoiam tais iniciativas.
Se por um lado fico triste de ver o plágio se tornar uma epidemia(talvez sempre tenha sido), por outro fico feliz que tenha se tornado notícia nos jornais.
"cópias de cópias e o discurso da mesmice só que com erudição e dentro do formato e das normas técnicas tão prezadas por corporativistas."
Aqui mesmo neste blog temos o caso do Rui Baptista que acha que quanto mais vezes disser a mesma treta com palavras mais eruditas mais válida se torna.
"traduzir-se na negarão" negação
parabéns pelo artigo e pela opinião, fico mais esperançada
não posso comentar com o meu perfil, fica então anónimo
O entusiasmo, orgulho e apoio que a Escola Superior de Desporto de Rio Maior, do Instituto Politécnico de Santarém, suscita ao Sr. Ministro da Educação, Prof. Nuno Crato, é partilhado por sucessivos titulares do Ministério com a Tutela do Ensino Superior, nomeadamente, pela Sr.ª Prof.ª Maria da Graça Carvalho, titular da pasta do Ensino Superior nos XV e XVI Governos Constitucionais, como resulta da vibrante intervenção da mesma Senhora, no dia 24 de Maio de 2013, na inauguração das instalações da Escola Superior de Desporto de Rio Maior:
http://www.gracacarvalho.eu/xms/files/ACTIVIDADE_EM_PORTUGAL/OUTRAS_ACTIVIDADES/2013/5_24-05-2013_IP_Santarem/Speech_final_site.pdf
Enfim, é a FOLGOZA.
Num ensino superior politécnico público que já anunciava doutoramentos, em parcerias com universidades, o panorama da habilitação dos seus docentes é elucidativo, pelo menos, segundo dados divulgados pela Direcção-Geral do Ensino Superior, “Análise de todos os Docentes em 2008 por Categoria”, INDEZ2008, reportados a 31 de Dezembro de 2008, num universo de 8.181 docentes, no ensino superior politécnico, 35 tinham habilitação ignorada e os demais a seguinte habilitação: - 49 décimo segundo ano ou menos; - 30 Curso de Especialização Tecnológica; - 111 Bacharelato; - 2.796 Licenciatura; - 73 Pós-Graduação; - 3.602 Mestrado; - 1.485 Doutoramento.
Segundo dados da mesma Direcção-Geral, o REBIDES, no ano lectivo 2011/12, no ensino superior politécnico público num universo de 10.284 docentes, 104 têm habilitação não especificada, e os demais a seguinte habilitação: - 66 Bacharelato; - 3. 390 Licenciatura; - 4.255 Mestrado; - 2. 496 Doutoramento.
Ou seja, mais de 75% dos docentes do ensino superior politécnico público nem sequer são doutorados.
Acresce que, de 31.12.2008 até ao ano lectivo 2011/12, o nº de docentes do ensino superior politécnico público aumentou cerca de 26%.
Não obstante, ser sabido que o n.º de alunos no ensino superior politécnico há muito que tem vindo a decrescer…
A menor qualificação académica dos docentes do ensino politécnico público - em que mais de 75% dos docentes não são doutorados – mas que auferem remunerações equivalentes às dos docentes universitários, independentemente do grau académico de que sejam titulares, ou mesmo de serem titulares de um grau académico – radica no facto de no ensino superior politécnico público não ser necessário que sejam mais qualificados academicamente para ministrarem a sua oferta educativa de Licenciaturas, Mestrados e Doutoramentos.
Ainda que alguns Mestrados – e os Doutoramentos – sejam omissos da oferta educativa divulgada no site da Direcção-Geral de Ensino Superior.
Enfim, é a FOLGOZA.
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