sexta-feira, 16 de setembro de 2011

As couves do quintal


Destaque para a crónica de J.L. Pio Abreu no "Destak" de hoje:

"Acontece que sou médico. A clínica médica baseia-se na privacidade da relação interpessoal. Existe um gabinete, instrumentos simples, um processo e uma receita que se preenchem, discretamente, à mão. Ah, e também existiam recibos em papel. Um pouco artesanal, mas eficaz e humano. Foi sempre assim.Agora obrigaram-nos a passar tudo pelo computador. Dizem os administradores que se economiza não sei o quê. Não é em papel, pois nunca vi estragar tantos prints que vão para o lixo. Mas eles é que sabem, controlam-nos melhor e dão trabalho às indústrias de software e de reciclagem.

Lá aderimos aos computadores. É certo que os doentes queixavam-se de nos dedicarmos mais às máquinas do que a eles próprios, que a privacidade das informações pessoais passava para a internet, que a escolha dos medicamentos era cada vez mais formatada, mas que fazer? É o progresso! Mas as redes informáticas estão a funcionar mal, certamente congestionadas com este entusiasmo pelo progresso. O que vale são os velhos processos artesanais que, por precaução, ainda existem. Mas os recibos em papel já acabaram, e o portal das finanças tem estado inacessível. Muito bem, que falhem os recibos, ninguém morre por isso. Parece-me que o problema é geral. A excessiva adesão ao progresso está a congestionar o caminho. O melhor, então, é manter os velhos processos artesanais. E uma boa ideia é ir plantando nos quintais. Com tanto progresso, ainda vamos ter de recorrer às couves do nosso quintal."

J. L. Pio de Abreu

4 comentários:

Maria Lalage disse...

Vivo num bairro histórico de Lisboa. Daqueles com muitas pessoas idosas e sozinhas. Têm por hábito enganar a solidão com a ida ao médico e à farmácia. É triste. Eu sei.
No outro dia faleceu uma destas vizinhas de quem me lembro desde sempre. A filha pediu-me para a ajudar a esvaziar a casa. Encontrámos 500 (QUINHENTAS!) embalagens de Lorenin por abrir e dentro do prazo de validade. Os muitos médicos com quem a senhora conversava eram generosos na prescrição deste medicamento.
Se a receita for electrónica podemos evitar situações destas, não é?
A solidão dos meus vizinhos é que continuará...

José Batista da Ascenção disse...

Permita-se-me:

Cara Maria Lalage:

Nestes casos também convinha que filhas e filhos atentassem tanto quanto possível no seu pai e/ou mãe, quando idosos a viver em solidão, para não terem a surpresa de descobrirem centenas de "lorenines", depois de eles falecerem.
Vão difíceis os tempos, eu sei.
Mas, no que me toca, tomarei (ainda mais) cuidado.

Cláudia S. Tomazi disse...

Canto do Quintal

Sempre é Coimbra teu formoso céu,
atestaram dos ciclos tuas escadarias
entre os jardins, flores de vosso mel
concorre o guindaste vossa honraria.
Oh, néctar Portugal! Não estas a léu
e quantas estrelas vossas todas guias
vi subir o dom elevaram por mísseis
quão perfeito é a sereia se o vísseis?

Quisera saber onde nascem ventos?
Dos quais o sedentos é elementar
não são vagas os moinhos violentos
que portal cinzento haveriam cruzar.
D’onde são as correntezas e outeiros?
Promessa é vosso arco quem estudar,
sinais são certezas e não da apostasia,
tampouco alegorias ou idiossincrasia.

Feitos e projectados estes caminhos
desde sempre fulgura o rio de gente.
Esperançar tivera por cultivar Sábios
amainam quantas lágrimas do poente
fizestes parto valorosa quina à navios?
Cruzaram de um almadén benevolente
conduzidos rios e ventos na Almedina,
são bênçãos d’esta Coimbra cristalina.

Que sonata é notada luz assim querida,
vossa harpa um pergaminho do citar,
eterna deste povo preciosa de guarida
que vosso ninho, tantas aves faz voar.
Pedras são notas, força natural medida
que pássaros coloridos fazem modular
são votos destes filhos, ais do coração
crivem as roladas, assentá-las à oração.

Cláudia da Silva Tomazi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.

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