segunda-feira, 26 de setembro de 2011
BOM DIA NEUTRINO!
Crónica (adaptada) publicada no Diário de Coimbra.
A luz solar demora cerca de oito minutos a atingir o planeta Terra, depois de percorrer cerca de 150 milhões de quilómetros a uma velocidade de aproximadamente 299 792 458 metros por segundo. (Diga-se, neste andamento, que a distância Terra – Sol varia ao longo do ano, devido à trajectória elíptica da Terra: É mínima no periélio, que ocorre no princípio de Janeiro (141 milhões de km) e máxima no afélio (152,1 milhões de km) por volta de 4 de Julho (Dia de Coimbra).
Albert Einstein considerou aquele valor como invariante e mostrou que ele era o limite superior inultrapassável para a velocidade de todas e quaisquer partículas e objectos no vácuo. A sua teoria da relatividade restrita, que entre outras se expressa na mais famosa equação do século XX - E = m c^2 (E para energia, m para massa, c a velocidade de propagação da radiação electromagnética no vácuo) -, parte precisamente da invariância da velocidade da luz e tem como consequência a existência de um limite superior para a velocidade: o m naquela equação vai crescendo à medida que a velocidade aumenta de modo a impedir que uma partícula com massa alcance a velocidade da luz.
O físico português João Magueijo tem vindo, há mais de uma década, a investigar a hipótese de o valor de c variar ao longo da evolução do nosso Universo, “desafiando” assim a teoria da relatividade de Einstein. Divulgou essa hipótese ao grande público no livro “Mais rápido do que a luz”, publicado em Portugal pela Gradiva, em 2003.
O novo livro de Magueijo, com o título de “O Grande Inquisidor”, também editado pela Gradiva, conta a vida de Ettore Majorana, um físico italiano que terá sido o primeiro a propor a existência do neutrão, partícula sem carga presente no núcleo dos átomos. Majorana, que desapareceu misteriosamente, terá também trabalhado, “precocemente”, na previsão da existência da partícula conhecida por “neutrino”, a qual tem sido notícia nos últimos dias devido à descoberta, pelo menos aparente, de que pode assumir velocidades superiores às da luz (ver, por exemplo, aqui, aqui e aqui)!
Mas o que é um neutrino?
Quando um neutrão é isolado de alguma forma de um núcleo atómico, os cientistas verificam que, em cerca de vinte minutos, ele “desaparece” aparecendo um protão e um electrão. Os primeiros investigadores a observar esta transformação ficaram intrigados porque, ao calcular (utilizando a equação de Einstein acima indicada) as energias envolvidas nessa transformação, estas não batiam certo: a soma das energias correspondentes ao protão e ao electrão resultante era inferior à energia do neutrão inicial!
A experiência parecia colocar em causa o princípio da conservação da energia, de certo modo semelhante ao princípio enunciado por Lavoisier da conservação da massa. No processo de transformação de um neutrão num protão e num electrão perdia-se, de alguma forma, energia. Num esforço teórico para “conservar”o princípio de conservação da energia (nada se cria, nada se perde, tudo se transforma!), Wolfgang Ernst Pauli (prémio Nobel da Física em 1945) propôs, como hipótese, a existência de uma outra partícula, indetectável pela tecnologia da época, que não teria carga eléctrica, mas que era responsável pela parte em falta no balanço energético! Essa hipotética partícula sem carga foi baptizada de “neutrino”. Os neutrinos viriam a ser detectados experimentalmente em 1956 na proximidade de reactores nucleares. E a confirmação da sua existência permitiu manter “incólume” o princípio da conservação da energia.
Os neutrinos, partículas muito difíceis de detectar por interagirem muito pouco com átomos ou com as partículas que os constituem, têm vindo a ser alvo de grande interesse por parte dos físicos e dos astrofísicos, quer para indagar a natureza íntima da matéria, quer para revelar a natureza do Universo longínquo. Sendo resultado de reacções nos núcleos atómicos, a detecção de neutrinos provenientes do “nosso” Sol foi mais uma confirmação da origem nuclear da energia das estrelas. Para além disso, a sua detecção na explosão da Supernova SN 1987A, em 1987, deu alento à astrofísica dos neutrinos como uma enriquecedora ferramenta para estudar o Universo.
Recebemos do centro do Sol um intenso fluxo de neutrinos (cerca de 65 mil milhões por segundo). Como estas partículas atravessam o nosso planeta praticamente sem interagirem com ele, podemos dizer, tal como escreveu Hubert Reeves, que o “Sol neutrínico nunca se deita” e, contrariamente à luz solar, somos banhados por fluxos solares de neutrinos numa alvorada permanente. Os neutrinos estão sempre a dizer-nos bom dia! Aliás, os neutrinos têm estado presentes nos novos dias da ciência, da nossa compreensão da natureza das coisas (De Rerum Natura) de que somos feitos e que nos rodeiam...
António Piedade
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10 comentários:
Isto da ignorância...
Quatro erros:
"Albert Einstein deduziu matematicamente que aquele valor é uma constante no vácuo e limite superior máximo e inultrapassável para a velocidade de todas e quaisquer partículas e objectos. É este um dos fundamentos da sua teoria geral da relatividade, expresso na mais famosa equação matemática do século XX: E = mc2 "
1) A dedução matemática do valor C para a radiação electromagnética foi feita por Maxwell.
2) C é a velocidade limite superior teórico das partículas sub-luminosas. Há muito que se especula sobre a existência de partículas supra-luminosas, para as quais C é o limite inferior de velocidade. A essência da coisa é que não se pode passar de um dominio para o outro.
3) A constância da velocidade da luz é um dos pilares da relatividade restrita, não da generalizada.
4) A equação celebrizada por Einstein já havia sido deduzida por Poincaré, no século XIX.
Mais do que isto, convém assinalar que o Magueijo foi "buscar" uma ideia ao Dirac. Coisa que já tem 80 anos de investigação científica. O Magueijo é apenas mais um a trabalhar nessa linha.
Caro Luís Silva
Muito obrigado pelas suas oportunas observações e correcções.
Ola'!
Tem a certeza de que a necessidade da existencia do neutrino veio especificamente do declinio do neutrao? E' que todos os declinios beta tem o mesmo problema...
Quando diz "interagirem muito pouco com os átomos ou com partículas" parece que os atomos nem sao constituidos por particulas...
Cumprimentos.
Caro Luís Silva,
mesmo tendo razão nas correções que aponta, penso que não havia a necessidade de proferir a primeira frase.
Ignorantes somos todos, ou o meu caro amigo, por acaso, sabe de tudo no que à Ciência diz respeito?
Melhores cumprimentos!
Dos quatro ventos
reveste-se o boreal
também o sul austral
aporte dos elementos.
Caro António Piedade, é sempre um prazer ser útil.
Caro João Calafate, não querendo voltar a um assunto já encerrado, não é preciso saber-se grande ciência para apresentar as correcções que apresentei. Somos todos ignorantes. Mas todos devemos pretender ser o menos possivel.
Acorde
Nasce da inocência
a essência liberdade
ter por crer o tempo
revestira de saudade
és seda do sublime
tocata fraternidade
ter lida e ser fruto
da plena serenidade
venh’a nota perfeita
quão mui desejosa
é soprada quimera
sois seresta formosa
e vosso amor enfeita
tam doce primavera!
Boas!
Acabei por ficar um pouco confuso com a info aqui estendida e decidi abrir este meu processo de procurar respostas a quem agora lê:
- O que são partículas sub-luminosas e supra-luminosas?
- De onde vem afinal a raiz histórica de "necessidade de existência" do neutrino? Não foi pela conservação de massa que se justificou a sua existência?
- Quando um Anónimo dizia que "todos os declinios beta tem o mesmo problema..." qual é a sua intenção? Que a primeira motivação de descrição dos decaimentos beta era a conservação de massa? E porquê é este um problema?
Abri aqui uma página ao lado que me refrescou conteúdos e logo me lembro de alguns momentos da escolinha. Vou explorar mais um pouco, quem quiser partilhar seja bem vindo ;)
erro! leia-se conservação de ENERGIA e não de massa no meu comentário ;)
seria possivel que este neutrino no futuro distante, poderia ser usado para viagens interdimencionais ?
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