sexta-feira, 2 de setembro de 2011

MUITO DE TUDO


Minha crónica no "Público" de hoje (na imagem a jabuticaba):

Foi o filósofo Agostinho da Silva que disse que o “brasileiro é um português à solta”, um português longe da sua terra e com muito espaço em volta. Ele devia saber do que falava pois, nascido no Porto, viveu no Brasil entre 1947 e 1969. Mas o escritor Miguel Real já o emendou dizendo que o brasileiro é “muito mais do que um português à solta”. De facto, há muitos brasileiros, alguns mais à solta do que outros, e cabem todos no Brasil. Há brasileiros portugueses como há brasileiros alemães e japoneses, para além de haver, claro, brasileiros descendentes dos índios.

Conforme me respondeu com tanta exactidão como concisão um colega brasileiro, quando lhe perguntei em visita recente se ainda havia muitos bandidos: “Aqui tem muito de tudo”. O que mais impressiona quem visita o Brasil é a imensa variedade de pessoas e coisas. Algumas trazidas há muito de Portugal: por exemplo, no restaurante Manoel e Juaquim, em Copacabana, no Rio de Janeiro, há bom bacalhau e o passante é convidado a entrar por um letreiro que diz “Aqui desde 1500”. Muitas outras trazidas de diversas partes do mundo. O Rio foi descoberto pelos franceses antes de ser conquistado pelos portugueses. E, antes disso, foi índio. Os franceses confratenizaram alegremente com os índios tupinambás e os lusitanos não puderam dispensar, no assalto ao morro, a ajuda dos índios temiminós. Mas antes de ser português o Rio não era Rio. O escalabitano Estácio de Sá fundou a cidade do Rio de Janeiro no ano de 1565, pelo que há um erro óbvio na tabuleta (o anúncio é um pouco “solto”, como aliás a publicidade brasileira em geral). O professor, de origem transmontana, que me elucidou sobre a abundância no Brasil olvidou, porém, tanto os franceses como os índios: para ele “sô” Estácio foi o primeiro carioca.

Hoje, com o eixo do crescimento económico a deslocar-se para Oriente e para Sul, há cada vez mais de tudo no Brasil. E, no entanto, encontra-se uma certa unidade na imensa variedade. Como escreveu a filósofa paulista Marilena Chauí, “tem um povo pacífico, ordeiro, generoso, alegre e sensual, mesmo quando sofredor, é um país sem preconceitos... desconhecendo discriminação de raça e credo, e praticando a mestiçagem como padrão fortificador da raça, é um país acolhedor para todos os que nele desejam trabalhar e, aqui, só não melhora e só não progride quem não trabalha... é um ‘país dos contrastes’ regionais, destinado por isso à pluralidade económica e cultural”. Falta o desenvolvimento, assegurado pela ciência e pela tecnologia? Faltava. Hoje não falta nada, e o país, depois dos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula da Silva, vai em frente com um crescimento que aos portugueses faz inveja. A economia brasileira cresceu 7,5 por cento em 2010 relativamente ao ano anterior, o maior crescimento num quarto de século. O Brasil é conhecido pelas paradinhas de Pelé e pela bossa-nova de João Gilberto. Mas bem podia ser, como divulga a última revista Veja, pelos comandos neurológicos inventados pelo médico paulista Miguel Nicolelis, que quer abrir a Copa do Mundo de 2014 com um pontapé dado por um adolescente tetraplégico, ou pelo walkman inventado pelo brasileiro-alemão Andreas Pavel que permitiu aos seus utentes “soltar a franga que têm dentro”. Para não falar já do avião movido a álcool, o Ipanema da Embraer, do engenheiro Satoshi Yokota, de origem japonesa, ou do sucesso mundial da marca Havaianas obtido pela empresa Alpargatas de São Paulo. Fiquei até com a ideia que, se a crise aqui se agravar, o Brasil nos pode dar “uma mãozinha”. Temos, graças a “sô” Estácio, uma rede onde cair...

O Brasil é também o país da auto-crítica, condição indispensável do progresso. O meu amigo brasileiro ensinou-me o que era a jabuticaba, um fruto tropical que há muito por lá. Vende-se no Rio no meio das longas filas de trânsito (muitos carros vão e vêm às horas de ponta para a Barra da Tijuca, os subúrbios onde pululam os shoppings). E explicou-me: “Se só há no Brasil e não é jabuticaba, pode está certo que está errado”.

PS) Emendei o nome do restaurante portugues no Rio para "Manoel e Juaquim", mesmo assim com 0 u e o o trocados (agradeço a indicação a Manuel Mota).

2 comentários:

Cláudia S. Tomazi disse...

Peço-vos que considere Doutor Carlos Fiolhais de tão laboriosa crônica, talvez ao frêmito por frieza de minha prosa, mas, não consigo vislumbrar que tamanho desdenho fosse ao que com lamas pelo pescoço teriam que enfrentar tais franceses se por aqui outrora, aos sertões adentro afundariam de estilosos saltos, e o que diriam na disposição de enfrentarem onças, serpentes de cores e tamanhos, insectos e pragas das incontáveis incursões de toda profundeza e acaso. Encurtando a conversa das jabuticabas, asseverando as papas da língua, tomem tento que de entre vikings à fenícios, a pouco, quiseram consumar vosso feito, mas bem haja que das entranhas dos tempos, mira-se que até estes se afugentam, pois de tal de franqueza (eis por única palavra caiba francos) que os portugueses de outrora foram machos e bem que se diga somente da masculinidade e fé, a se verem de vistas embrenhados de bandeiras até os dentes enfrentando holandeses, espanhóis e subitamente ingleses, cujas derrotas por terra e mar (até aquelas não contabilizadas, as de sorrateiro embuste) emergem por prova da unidade continental destas terras.
Por isso, por vossa qualidade de querido lusitano e vos digo, encha o peito do que fora seus antepassados, avós, tios e primos, linhagem de homens e mulheres de esforço mútuo por nada temerem. Pois o que nós brasileiros entendemos por progresso é expresso oficialmente em língua portuguesa ao que aqui o muito de tudo, fora atributo e origem da própria natureza e aos nativos como se digam da saborosa e exclusiva jabuticaba.

Cláudia S. Tomazi disse...

Em decorrência do nobre explano do Doutor Carlos Fiolhais, faz jus capacitar a coerência do primeiro comentário ad hoc, com relação aos franceses.
No Brasil eis que França estreita motivações que permeiam enlaces figurando a propriedade da navegação francesa na América por ventura de estimular projetos intrínsecos língua e identidade. Ora, considerando a importância e desprendimento de França e que muito disponibiliza convites reconstruindo tal identidade em que suma importância comemora para nosso carinho com Binot Palmier de Gonnonville, em 1504 São Francisco do Sul, Santa Catarina a La Pérouse – na ilha catarinense 1785, com as fragatas Astrolabe e Boussole, ou ainda Dom Pernety, na expedição empreendida por Louis Antoine de Bougainville, na ilha 1763 à bordo do navios l’Aigle e Le Sphinx. Entre outras incursões de visitantes, porém há que deter atenções se é que por igualdade, liberdade e fraternidade se assumidos feitos, também assimilem contrafeitos... Como o caso de Jaques Soria 1570 e que talvez, por excelência complacente com a humanidade cursora onde caibam expectativas, antes de mais que a própria figura humana em questão por perda ou conquistas, salvaguarda avaliados inconvenientes disponibilizam retratos. E tão somente prezada é qualidade da figura humana ao engenho precursor e motivações do porque celebrar. Por nobreza ainda estende-se e configura o progresso de valores por exemplos. E que para vos Doutor Carlos Fiolhais cito de humilde por nosso céu na luz que irradia de esperança para a justiça e solidariedade por enfrentar a verdade do passado deste Brasil em consciência e graça, onde esteve na África a pouco por retratar aquela gente ao episódio de afro-descendentes, outrora por força da comunhão braçal e contrapartida a pátria empenha-se em honrar o que fora remanescente quilombola, cuja ironia seria pensar que em algum momento há como saldar, pois bem, tal exercício permite legitimar a intenção da igualdade e fraternidade, que da liberdade faculta reparar erros aos que cativos evoluímos na busca da dignidade dos dias em saúde, educação e moradia.
E pelo quanto amamos a França, eis do trato ao cavalheirismo francês haveria maior eficácia de regastes históricos por documentos desta envergadura que de ordem aplicam registros da história em Portugal, notadamente deva por este período ao que caiba a identidade portuguesa, ipso facto.

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