quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A Física Nuclear: de Rutherford à bomba atómica


O físico britânico Ernest Rutherford, que há cem anos descobriu o núcleo atómico, foi o primeiro a reconhecer no seu interior a existência dos protões, partículas com carga simétrica da dos electrão mas cerca de 2000 vezes mais pesadas, no núcleo atómico.

Além dos protões, que mais partículas há nos núcleos dos átomos? Como os electrões escapam dos núcleos nos processos radioactivos beta pensou-se durante algum tempo que existiam, de facto, electrões nos núcleos, tal como existem fora deles. Diz o senso comum que se o Senhor Fonseca aparece à porta de casa porque, com certeza, se encontrava antes em casa. Os electrões, contudo, apareciam e aparecem à porta do núcleo sem terem estado antes do núcleo. Eles eram o resultado do declínio de uma partícula, de cuja existência suspeitaram várias pessoas, entre elas o próprio Rutherford, mas que só foi identificada experimentalmente em 1932 por um discípulo dele, James Chadwick, num laboratório de Cambridge, que ganhou assim direito ao Prémio Nobel da Física de 1935. Na experiência de Chadwick, um núcleo de berílio, bombardeado com partículas alfa (núcleos de hélio), originava carbono e libertava um neutrão. Este neutrão era depois absorvido por azoto, saindo finalmente novas partículas alfa e ficando um núcleo de boro.

1932 foi o "annus mirabilis" da Física Nuclear: nesse ano foi construído o primeiro acelerador circular (por Ernest Lawrence, em Berkeley, Califórnia), foi realizada a primeira reacção nuclear num acelerador (por John Cockcroft e Ernest Walton, em Cambridge; note-se a "importância de se chamar Ernesto", uma vez que já é o terceiro que aqui aparece) e descobriu-se, como já foi dito, o neutrão. Se as duas primeiras proezas foram percursoras de importantes técnicas experimentais para a exploração dos núcleos, tendo essas máquinas primitivas sido antepassadas dos modernos aceleradores, a última veio completar o elenco dos principais componentes do núcleo: o núcleo atómico é uma colecção de protões e neutrões (genericamente nucleões), sendo a soma deles igual ao número de massa e o número de protões, ou número atómico, igual ao número de electrões no átomo.

Em 1933 reunia mais um Congresso Solvay em Bruxelas. Desta vez a percentagem de físicos nucleares era bastante maior que das outras vezes. Apareciam, da velha geração, Ernest Rutherford e Marie Curie, e da nova, Niels Bohr, James Chadwick, Ernest Lawrence, John Cockcroft, Enrico Fermi, George Gamow, Rudolf Peierls, Irène e Fréderic Joliot Curie, Lise Meitner, Werner Heisenberg, etc. A Física Nuclear estava a entrar na sua idade adulta.

A mecânica quântica, estabelecida na sua forma actual em finais dos anos 20, conseguia explicar os fenómenos tanto do átomo como do núcleo. A radioactividade alfa só pode ter lugar devido a um efeito quântico chamado efeito túnel, tal como o físico de origem russa George Gamow (famoso pelos seus excelentes livros de divulgação) concluiu em 1928. Os processos radioactivos beta, por sua vez, foram teorizados pelo italiano Enrico Fermi em 1934, usando sempre a mecânica quântica. A teoria apareceu nestes casos bem depois da experiência.

Em 1934 descoberta a radioactividade artificial por Fréderic e Irène Joliot Curie, esta última filha do casal Curie. Núcleos leves em configurações anormais, por exemplo com grande excesso de neutrões, podiam ser a origem de processos radioactivos, tal como os núcleos pesados. O novo casal Curie bombardeou alumínio com partículas alfa, obtendo uma modalidade radioactiva de fósforo e provocando emissão de neutrões. Em 1935, Fréderic e Irène Curie receberam o Prémio Nobel da Química (numa cerimónia a que a mãe de Irène não pôde assistir pois tinha falecido de leucemia no ano anterior, em resultado do seu prolongado contacto com material nuclear; já Pierre Curie tinha efectuado sobre si próprio experiências sobre os efeitos fisiológicos da radioactividade).

De 1935 a 1945, Enrico Fermi, um notável professor que, vindo de Roma, atravessou o Atlântico para se estabelecer em Chicago e se confirmar como um dos maiores génios na Física do século XX (conseguia até, por cálculos simples, saber o número de pianos que havia em Chicago sem precisar de os contar!), foi o principal intérprete dos desenvolvimentos da Física Nuclear. Uma vez descoberto o neutrão, Fermi começou por efectuar numerosas experiências de bombardeamento de outros núcleos por neutrões, desencadeando assim várias reacções nucleares. Ganhou assim o Prémio Nobel da Física de 1938.

Usando ainda colisão de neutrões, os alemães Otto Hahn e Fritz Strassman descobriram em 1938 a cisão do urânio, num laboratório em Berlim. O urânio 235, quando bombardeado com neutrões, dava origem a núcleos de crípton e bário, muito mais leves que o urânio, e libertava neutrões. A cisão nuclear foi logo explicada por uma física sueca de origem austríaca, Lise Meitner, e por um seu sobrinho, Otto Frisch. Um tal processo pode ser induzido por neutrões ou mesmo aparecer espontaneamente, sendo neste caso, tal como acontece no declínio alfa, resultado de um efeito túnel. A cisão, descoberta no limiar da Segunda Guerra Mundial, viria a provocar o seu termo, como é bem sabido. Em 1942, Fermi punha a funcionar debaixo da bancada de um estádio de Chicago a primeira reacção em cadeia no urânio. O urânio bombardeado com neutrões lentos fazia libertar novos neutrões que, por sua vez, cindiam outros núcleos de urânio. Em 15 de Julho de 1945 num sítio chamado Trinity Zero, no deserto do Novo México, no meio do maior segretismo, era realizada a primeira explosão de uma bomba atómica no planeta. O chefe da notável equipa do Projecto Manhattan, que concebeu e experimentou a bomba foi Robert Oppenheimer, um jovem e brilhante físico norte-americano que haveria nos anos 50 de conhecer os horrores da suspeita política e da perseguição (existem uma peça de teatro e uma série televisiva sobre o caso Oppenheimer). A história do fabrico da bomba por demais conhecida: a fuga recambolesca de Niels Bohr da Europa com uma garrafa que julgava ser de água pesada mas que afinal continha cerveja, as travessuras de Richard Feynman a abrir os cofres de Los Alamos, a exclamação penitente de Oppenheimer de que "nós os físicos conhecemos o pecado", o facto insólito de um dos descobridores da cisão ter sabido da explosão sobre Hiroshima num campo de prisioneiros na Inglaterra (Hahn tinha recebido o Prémio Nobel da Química em 1944). Curiosamente, já tinha havido uma premonição de Pierre Curie, no seu discurso Nobel em 1911, sobre os perigos do material nuclear: "pode imaginar-se que em mãos criminosas o rádio se torne uma arma terrível"...

1 comentário:

Cláudia S. Tomazi disse...

"pode imaginar-se que em mãos criminosas o rádio se torne uma arma terrível"... e quem questionararia exemplos se a história fora mãe da mão que inventa e o pai a boa intenção.

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