segunda-feira, 11 de julho de 2011
D(I)LEMA, ANTIOXIDANTES E CANCRO.
Crónica semanal publicada no Diário de Coimbra:
A notícia desperta a humildade.
De facto, de quando em quando, somos alertados de que ainda sabemos muito pouco sobre como funcionam e são reguladas as células que compõem o nosso corpo. Muitas são ainda as incógnitas sobre como funcionam e como interagem com o ambiente que as envolve. Isto é válido quer a nível celular, tecidular, como também a nível de todo o organismo.
Um exemplo já com quase dez anos. O grande empreendimento que foi o projecto do genoma humano colocou um marco no avanço do conhecimento sobre a disposição dos genes e outras regiões cromossómicas. Delineou também uma fronteira sobre o que sabemos e o desconhecido, sobre como os genes funcionam dentro da célula, como comunicam com o ambiente.
Verificamos, então e agora, que há ainda muito território desconhecido. Aliás, a própria sequenciação do genoma é um rascunho que tem permitido muitas anotações, muitas perguntas novas sob perspectivas e abordagens antes impossíveis, muitos pontos de partida para experiências cujos resultados abalam o que julgávamos certo e seguro.
Esta dinâmica faz parte da ciência viva!
Avanços e retrocessos, muitas vezes às escuras, muitas vezes sem saber bem onde estamos, apesar de sabermos ou julgarmos antever o cais de chegada. Muitas e muitas vezes, os locais de chegada das nossas viagens experimentais são totalmente inesperados. Ilhas de espanto. Ficamos com respostas paradoxais nas nossas mãos, com resultados válidos per si, mas que aparentam contradições! Ficamos então com a noção de que há elos, peças do puzzle da vida que não conhecemos e até que não sabíamos que existiam. É como se tivéssemos uma imagem que, vista de longe, nos parece perfeita e acabada mas que, ao nos aproximarmos dela, verificamos que está cheia de zonas em que falta informação, está inacabada. E depois, ao olharmos em redor, concluímos que o que falta conhecer é sempre mais do que aquilo que já sabemos.
Há sempre um défice de informação que perturba o nosso conhecimento da realidade em que vivemos, em que somos.
Vem isto também a propósito de dois artigos que acabam de ser publicados na revista Nature.
Num dos artigos (aqui), um grupo de investigadores internacionais, liderados pelo geneticista DeNicola, publicam os resultados experimentais que indicam uma reduzida, ou mesmo inexistente, influência positiva de antioxidantes (como vitaminas C e E, polifenóis, etc.) na luta contra a proliferação de células cancerosas! Ou seja, pelo menos no caso estudado, a presença de substâncias com acção antioxidante não inibe, ou “trava”, o desenvolvimento canceroso.
Este estudo vem “abalar” uma ideia, mais ou menos generalizada, de que uma dieta rica em substâncias antioxidantes é preventiva ou, pelo menos, pode retardar, o desenvolvimento de tumores e cancros.
Os resultados obtidos por estes investigadores indicam que as células dos tumores possuem mecanismos próprios para “se livrarem” das destrutivas espécies reactivas de oxigénio. Assim, e de certa forma, tanto faz se o indivíduo que alberga o cancro tomou e toma suplementos vitamínicos e antioxidantes para o evitar. Pelo contrário, a presença em excesso de antioxidantes e vitaminas até pode potenciar outras doenças no organismo já debilitado.
A outra notícia que vem no mesmo barco (a revista Nature) é um artigo que apresenta um “D(i)lema”. A palavra resume quase tudo: há uma grande controvérsia na comunidade científica sobre os benefícios efectivos para a saúde da toma de suplementos de vitamina D. Será que não é suficiente a exposição, moderada, à luz solar, para permitir ao organismo sintetizar a quantidade que precisa, a qual varia de indivíduo para indivíduo?
Este artigo sobre a vitamina D é muito interessante, ilustra bem a sobreposição de interesses comerciais e de organizações e agências mundiais de saúde pública, e merece ser desenvolvido numa próxima crónica.
Mas não posso, desde já, de transcrever a última frase desse artigo, numa tradução minha e livre: “nos velhos tempos da medicina, acreditávamos nos especialistas. Mas agora precisamos de começar a perguntar pelos dados e resultados em que se baseiam, para dizer o que nos dizem para fazer.” Estamos realmente numa nova época, não só de acesso á informação, mas também de acesso ao conhecimento que baseia a informação.
Precisamos mais de verdade do que de vitaminas.
António Piedade
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12 comentários:
Caro Professor: Uma dieta rica em antioxidantes não terá efeito no retardamento dos processos de envelhecimento?
Cumprimentos calorosos
Caro Rui Baptista
A comunidade científica tem vindo a publicar inúmeros resultados de experiências que não só põem em causa a teoria que associa envelhecimento com os níveis de radicais livres de oxigénio, bem como mostra que a longevidade pode estar ligada à presença de alguns tipos de radicais livres com o peróxido de hidrogénio. Por outro lado, muitos e interessantes estudos têm vindo a ser publicados sobre o papel regulador e comunicante do óxido nitroso (NO), outro radical livre, cuja presença, em níveis muito pequenos, é fundamental para o bom funcionamento do sistema cardiovascular, por exemplo.
Desde há muito que sabemos que as células possuem diversos mecanismos para controlar, eliminar, reparar danos causados por radicais livres (espécies oxidantes). Só assim é possível a vida na presença de oxigénio, mas também a vida baseada na transferência de cargas como protões e electrões, ou seja, baseada em reacções de oxidação-redução, para produção de energia (acumulada na forma de ATP, exemplo principal), mas também para a síntese de substancias de que precisamos e que não estão presentes na dieta.
Ora, uma dieta rica em antioxidantes, ou seja, com excesso de substancias antioxidantes, pode por e simplesmente eliminar espécies oxidantes de que precisamos para um bom estado de saúde!
Sugiro a leitura do seguinte artigo da Catarina Amorim, sobre este assunto do envelhecimento: http://www.science20.com/catarina_amorim/major_blow_our_understanding_aging
Como sempre na história da ciência, vamos substituindo teorias, por outras melhores que explicam e englobam os velhos e os novos resultados experimentais. Isto aplica-se, à química, à física, à biologia, à bioquímica, etc.
Precisamos de mais verdade e de mais atitude crítica já que o Marketing dos produtos é uma grande mas pobre fonte de conhecimento dados os interesses económicos envolvidos. Talvez mais regulação também sobre o que se anuncia.
Caro António Piedade: Segui a sua indicação e li com muito interesse e julgo que proveito o artigo: “A MajorBlow To Our Undrstanting Of Aging”.
Da leitura desse artigo retenho duas situações:
1.A afirmação baseada em estudos, havidos como mais ou menos recentes, dizem-nos que os radicais livres são prejudiciais e os antioxidantes são benéficos. Este princípio é posto em dúvida pelas autoras do estudo, através da seguinte interrogação: Mas é esta a realidade?
2.O estudo das cientistas da Universidade do Minho, respondem pela negativa a esta interrogação: Os danos oxidativos aumentam a longevidade.
Com base no princípio da refutabilidade de Karl Popper, a ciência deixou de se poder amparar em dogmas. Ou seja, só são aceites hipóteses que terão a vida que lhe é consentida até uma nova hipótese cuja validade seja aceite pela comunidade científica .A questão que coloco é a seguinte: o estudo da Universidade do Minho anula definitivamente todos os estudos anteriores sobre esta temática?
Sabendo-se, todavia, que estudos com ratos nem sempre têm resultados idênticos em humanos, registo, contudo, o recente estudo sobre o papel de uma dieta baixa em calorias (se não em excesso) no retardamento do envelhecimento, fazendo com que o organismo viva mais tempo, embora sem serem conhecidas a razão porque isto acontece.
Curiosamente ou não, numa conferência, “A Educação Física ao Serviço da Saúde Pública”, publicada em livro posteriormente com idêntico título, que realizei na Sociedade de Estudos de Moçambique (de que viria a ser, meses mais tarde, presidente da respectiva Secção de Ciências), em 16.Agosto. 71, a respeito da longevidade tive a seguinte intervenção de que extraio este naco de prosa:
“Muito recentemente, a Organização Mundial de Saúde atenta aos problemas relativos à longevidade, dá-nos conta de experiências realizadas em ratos, submetidos a uma dieta pobre em hidratos de carbono e em que reside a esperança de aumentar em mais quinze anos a média da vida humana. E aqui atrevo-me a interrogar-me: um regime alimentar escasso em hidratos de carbono (alimento energético por excelência) não diminuirá o vigor da raça humana, quer sob o ponto de vista de rendimento físico? Não terá ele como efeito uma geração vivendo mais quinze anos em média, mas arrastando penosamente esses três lustros? Como diria Arnaldo da Gama, pela voz de uma personagem: ‘Para isto é que eu vivi!Malditos anos! Maldita velhice!’
Para que servem, então, esses quinze anos? E mais me interrogo: será a exagerada ingestão desses alimentos energéticos responsável pela redução do tempo médio de vida? Ou, pelo contrário, deverá ser imputada essa responsabilidade á sua insuficiente combustão por uma vida sedentária? Dito de outra maneira. Não estará a razão numa alimentação demasiado rica para uma actividade física e intelectual demasiado pobre (o trabalho intelectual também provoca gasto calórico)?”
São questões, concedo, ainda que impertinentes, que ponha à consideração dos cientista na certeza de que das suas respostas muito beneficiarei. Ao contrário do que se costuma dizer,nem sempre a curiosidade mata o gato.
Retirar "quer" da 7.ª linha do 8.º §.
4.ª linha do 9.º §:alterar o acento aguda de "á" para acento grave.
1ª linha do último §: alterar "ainda que impertinentes" para "ainda que possam ser tidas como impertinentes".
"Precisamos mais de verdades do que vitaminas"
É uma frase ousada!
Na medicina e pesquisa dos Radicais Livres, já está bem explorada e o próximo desafio é com relação aos Telômeros, eis que ali muito por desenvolver com relação a longevidade.
TITÃS
Enquanto o espaço uns tentam vasculhar
e conhecer os astros que o povoam
e em número infinito se amontoam,
tudo fazendo para os registar,
outros na terra, nos laboratórios,
procuram desmontar o ser humano,
célula a célula, um trabalho insano
com resultados sempre aleatórios.
Não sei quem mais admire, francamente,
se o astrofísico a contar estrelas
se os biólogos, em buscas paralelas,
querendo articular todos os nós
da corda labiríntica, latente,
que em corpo e alma somos todos nós!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Cara Cláudia S. Tomazi
Com o devido respeito, olhe que ainda sabemos muito pouco sobre como é que as células regulam, por exemplo a nível da expressão genética, o controle dos níveis de radicais livres!!! E o artigo que citei, mesmo que possa ser irrelevante na espuma das certezas e no mar das dúvidas, mostra bem o nosso pouco conhecimento sobre como são reguladas as expressões de genes de proteínas envolvidas no seu controle. Não esteja tão segura sobre a fortaleza do nosso conhecimento sobre radicais livres. São moléculas com tempos de meia vida tão pequenos que pouca ou nenhuma bioquímica analítica os detecta directamente. Só detectamos os seus efeitos danosos.
Bom à excepção do peróxido de hidrogénio. Esse detectamos-lo bem por coulometria. Assim como ao NO.
Em relação à frase ousada: É menos do que ousada - É errada.
Sem vitaminas, não funcionamos para viver em verdade!
Sr. António Piedade não sinta-se inseguro de vossa capacidade e inteligência.
Pois está a verdade para vida quanto ao existir da vitamina está para a evolução desta vida.
Altero a redacção dos tercetos para:
Não sei que mais admire, francamente,
se o astrofísico a contar estrelas
se o biólogo que, sem desdenhar delas,
tem por escopo articular os nós
da corda labiríntica presente
na constituição de todos nós!
JCN
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