“Onde todos são alguém, ninguém é alguém” (Sir W.S. Gilbert, 1836-1911).
A participação televisiva de ontem à noite, na SIC Notícias, de Helena Roseta e Luís Filipe Menezes faz com que me debruce novamente sobre o ensino técnico ministrado antes de 25 de Abril, aliás como o tenho feito neste blogue e em inúmeros artigos de opinião em jornais.
Da referida participação televisiva retenho de memória a mensagem de Helena Roseta quando disse que Portugal nunca teve uma juventude tão classificada academicamente como hoje. Esqueceu-se ela de esclarecer que não basta referir a percentagem actual de licenciados sem sequer fazer a destrinça das licenciaturas outorgadas antes e depois de Bolonha e a qualidade dessas licenciaturas quer tenham sido ministradas no ensinos universitário público ou privado. Correu ela, com isso, o risco de deixar pairar na opinião pública não existir diferença entre uma licenciatura em Engenharia obtida, por exemplo, na extinta Universidade Independente ou no Instituto Superior Técnico ou de uma licenciatura em Relações Internacionais dessa mesma universidade privada com uma outra da Faculdade de Economia de Coimbra.
Meter tudo no mesmo saco, como diria Mestre Aquilino, “insufla-me no espírito o mais vivo sobressalto” por confundir-se (com fins meramente estatísticos?) a quantidade do ensino universitário com a respectiva qualidade numa altura em que as Novas Oportunidades e o Exame de Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos aí fizeram desaguar, com finalidades economicistas de sobrevivência, os detritos de uma declarada ignorância anterior.
Aliás, a própria Helena Roseta o reconhece ao aludir ao facto de, quando no desempenho do cargo de bastonária da então criada Ordem dos Arquitectos, não ter reconhecido a qualidade de certos cursos não autorizando, assim, o respectivo ingresso aos respectivos licenciados mesmo numa altura em que em que foi subtraídas às ordens profissionais o reconhecimento da validade dos cursos que lhes dão acesso. No caso da Ordem dos Engenheiros, criada em anos anteriores a esta sonegação de direitos, a questão não se pôs ao não consentir a inscrição de licenciados em engenharia pela Universidade Independente como seus membros.
Abordo agora a participação de Luís Filipe Menezes quando chama a atenção para a falta que faz ao sistema educativo nacional um ensino técnico-profissional com as linhas orientadoras que presidiram à sua existência e características educativas que nortearam as antigas escolas industriais e comerciais. Folheando uma pasta com centenas de artigos meus de opinião nos jornais, reporto-me ao interesse que me mereceu esta temática três décadas atrás com a transcrição de excertos de um texto meu publicado em “Cartas ao Director”:
“Uma das muitas críticas formuladas ao regime deposto em 25 de Abril reporta-se ao cunho elitista de que se revestia o ensino e, por isso, às fracas oportunidades dadas às classes economicamente desfavorecidas. Havia então cursos médios que procuravam solução para o problema de filhos de pessoas de fracas posses para quem o ensino superior estava dificultado economicamente ou não vocacionado. Diplomaram-se deste forma inúmeros professores do ensino primário, agentes técnicos de engenharia, contabilistas que, por mérito próprio, e sem se tornarem demasiado pesados às famílias, mais tarde, depois de instalados na vida profissional, e à sua própria custa, como estudantes-trabalhadores, obtiveram formaturas universitárias [ou mesmo doutoramentos e cátedras] em Direito, Engenharia, Economia, etc. (…) Com isto, e por causa disto, não mais haverá diplomados de formação média em Portugal (muitos deles de extraordinária capacidade profissional) como espinha dorsal de uma era tecnológica que deles precisa como precisa de licenciados. Consequentemente, surgirá uma legião imensa de jovens que não tiveram acesso à Universidade, por motivos vários, e para os quais as escolas secundárias não deram resposta capaz como a deram, no passado, os institutos médios e as escolas técnicas. Para estes jovens, muitos deles com o 11.º ano, só existe como alternativa ao desemprego uma tarimba como electricistas, carpinteiros, serralheiros, etc. Ganhará com isso o País? Mas será, por outro lado, o actual 12.º ano prova de capacidade intelectual do jovem para o seu ingresso na universidade? Parece-me que não e a melhor prova disso é que raramente o aluno é capaz de por si só vencer esta barreira sem a ajuda onerosa de explicadores” (O Dia, 18/03/81).
Aqui chegado, há que reconhecer justeza e, infelizmente, actualidade à crítica do conhecido professor universitário de Física, António Manuel Baptista, quando escreveu: “Muitos dos títulos actuais servem apenas para que se lhe pendurem pesos leves intelectuais que os usam apenas para polir com eles as suas pequenas vaidades não aceitando a tremenda responsabilidade que a associação com os títulos impõe” (Semanário, 17/11/84).
No retrato atrás feito de uma verdadeira feira de vaidades de graus académicos de duvidosa respeitabilidade, longe vão os tempos em que Eça, referindo-se a Ramalho superiorizava a saúde em relação ao reputado grau académico de bacharel da vetusta Universidade de Coimbra! Não será esta a sintomatologia de um contemporrâneo país megalómano em que ao fascínio do grau académico de licenciado universitário, servindo apenas para "polir com ele as suas pequenas vaidades", se não conseguiram subtrair algumas das destacadas figuras da vida política nacional?
A participação televisiva de ontem à noite, na SIC Notícias, de Helena Roseta e Luís Filipe Menezes faz com que me debruce novamente sobre o ensino técnico ministrado antes de 25 de Abril, aliás como o tenho feito neste blogue e em inúmeros artigos de opinião em jornais.
Da referida participação televisiva retenho de memória a mensagem de Helena Roseta quando disse que Portugal nunca teve uma juventude tão classificada academicamente como hoje. Esqueceu-se ela de esclarecer que não basta referir a percentagem actual de licenciados sem sequer fazer a destrinça das licenciaturas outorgadas antes e depois de Bolonha e a qualidade dessas licenciaturas quer tenham sido ministradas no ensinos universitário público ou privado. Correu ela, com isso, o risco de deixar pairar na opinião pública não existir diferença entre uma licenciatura em Engenharia obtida, por exemplo, na extinta Universidade Independente ou no Instituto Superior Técnico ou de uma licenciatura em Relações Internacionais dessa mesma universidade privada com uma outra da Faculdade de Economia de Coimbra.
Meter tudo no mesmo saco, como diria Mestre Aquilino, “insufla-me no espírito o mais vivo sobressalto” por confundir-se (com fins meramente estatísticos?) a quantidade do ensino universitário com a respectiva qualidade numa altura em que as Novas Oportunidades e o Exame de Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos aí fizeram desaguar, com finalidades economicistas de sobrevivência, os detritos de uma declarada ignorância anterior.
Aliás, a própria Helena Roseta o reconhece ao aludir ao facto de, quando no desempenho do cargo de bastonária da então criada Ordem dos Arquitectos, não ter reconhecido a qualidade de certos cursos não autorizando, assim, o respectivo ingresso aos respectivos licenciados mesmo numa altura em que em que foi subtraídas às ordens profissionais o reconhecimento da validade dos cursos que lhes dão acesso. No caso da Ordem dos Engenheiros, criada em anos anteriores a esta sonegação de direitos, a questão não se pôs ao não consentir a inscrição de licenciados em engenharia pela Universidade Independente como seus membros.
Abordo agora a participação de Luís Filipe Menezes quando chama a atenção para a falta que faz ao sistema educativo nacional um ensino técnico-profissional com as linhas orientadoras que presidiram à sua existência e características educativas que nortearam as antigas escolas industriais e comerciais. Folheando uma pasta com centenas de artigos meus de opinião nos jornais, reporto-me ao interesse que me mereceu esta temática três décadas atrás com a transcrição de excertos de um texto meu publicado em “Cartas ao Director”:
“Uma das muitas críticas formuladas ao regime deposto em 25 de Abril reporta-se ao cunho elitista de que se revestia o ensino e, por isso, às fracas oportunidades dadas às classes economicamente desfavorecidas. Havia então cursos médios que procuravam solução para o problema de filhos de pessoas de fracas posses para quem o ensino superior estava dificultado economicamente ou não vocacionado. Diplomaram-se deste forma inúmeros professores do ensino primário, agentes técnicos de engenharia, contabilistas que, por mérito próprio, e sem se tornarem demasiado pesados às famílias, mais tarde, depois de instalados na vida profissional, e à sua própria custa, como estudantes-trabalhadores, obtiveram formaturas universitárias [ou mesmo doutoramentos e cátedras] em Direito, Engenharia, Economia, etc. (…) Com isto, e por causa disto, não mais haverá diplomados de formação média em Portugal (muitos deles de extraordinária capacidade profissional) como espinha dorsal de uma era tecnológica que deles precisa como precisa de licenciados. Consequentemente, surgirá uma legião imensa de jovens que não tiveram acesso à Universidade, por motivos vários, e para os quais as escolas secundárias não deram resposta capaz como a deram, no passado, os institutos médios e as escolas técnicas. Para estes jovens, muitos deles com o 11.º ano, só existe como alternativa ao desemprego uma tarimba como electricistas, carpinteiros, serralheiros, etc. Ganhará com isso o País? Mas será, por outro lado, o actual 12.º ano prova de capacidade intelectual do jovem para o seu ingresso na universidade? Parece-me que não e a melhor prova disso é que raramente o aluno é capaz de por si só vencer esta barreira sem a ajuda onerosa de explicadores” (O Dia, 18/03/81).
Aqui chegado, há que reconhecer justeza e, infelizmente, actualidade à crítica do conhecido professor universitário de Física, António Manuel Baptista, quando escreveu: “Muitos dos títulos actuais servem apenas para que se lhe pendurem pesos leves intelectuais que os usam apenas para polir com eles as suas pequenas vaidades não aceitando a tremenda responsabilidade que a associação com os títulos impõe” (Semanário, 17/11/84).
No retrato atrás feito de uma verdadeira feira de vaidades de graus académicos de duvidosa respeitabilidade, longe vão os tempos em que Eça, referindo-se a Ramalho superiorizava a saúde em relação ao reputado grau académico de bacharel da vetusta Universidade de Coimbra! Não será esta a sintomatologia de um contemporrâneo país megalómano em que ao fascínio do grau académico de licenciado universitário, servindo apenas para "polir com ele as suas pequenas vaidades", se não conseguiram subtrair algumas das destacadas figuras da vida política nacional?
7 comentários:
Bom artigo! Mais uma vez, haja quem do lado do ME, o leia e tenha a coragem de repor a mudança!Mas uma coisa é certa: uma grande parte dos jovens de hoje, mal ou bem, têm muito mais habilitações académicas do que há anos atrás. Resta o enorme problema da não interligação entre o que se aprende e o mercado de trabalho disponível. Aí as Universidades são um logro, uma mentira! Por outro lado, não preparam os jovens para a vida. Muitos jovens estão desempregados porque não querem um trabalho qualquer mas um emprego à sua medida e à medida do seu curso, de preferência bem remunerado e trabalhando numa secretária em frente a um computador... Portanto, as universidades são as responsáveis por esta deseducação ou falta de educação! Umas sê-lo-ão mais que outras, obviamente. Mas quem as alertará para o facto?
Não vejo como seja possível nos dias de hoje falar em desemprego sem falar na substituição do homem pela máquina nos ambientes de trabalho. Continua a ser considerada uma boa ideia, um bom acto de gestão, substituir um(ns) homem(ens) por uma máquina, e essa é a real causa de haver cada vez mais desempregados no mundo ocidental.
É possível esconder esta verdade durante alguns anos, com expos ou estádios, mas não vai ser possível esconder para sempre, até porque cada vez que se executam grandes obras, ou pequenas, com a intenção expressa de combater o desemprego, os executantes dessas obras redobram os cuidados com a produtividade, para obter mais lucros: máquinas sem condutor, software de gestão mais sofisticado, etc.; automação a todos os níveis.
Não vai voltar o tempo em que, em novas actividades-que-não-servem-para-nada nasciam postos de trabalho ao mesmo ritmo que morriam postos de trabalho atacados pela automação.
As máquinas são criadas para auxiliarem o Homem, não é verdade? Assim, custa-me a entender que o número de horas de trabalho se venha a manter , e até mesmo a aumentar, e se fale em alargar a idade para obter reforma.
A alusão recorrente à extinta Universidade Independente não deve fazer esquecer das "Independentes", de todos os graus de ensino, quer no privado como no público que por este país fora existem.
Bolonha teve consequências nefastas neste país que pretende ser igual à Europa, não fazendo o mínimo esforço para isso.
Falemos de coisas concretas.
Hoje, graças a Bolonha ou graças ao chico-espertismo que abunda por cá, é possível encontrar um licenciado pré-Bolonha com habilitação profissional para o ensino e um mestre Pós-Bolonha com uma licenciatura numa área qualquer e um "mestrado" em ensino de "qualquer coisa".
Sendo que o dito "mestrado" tem no plano de estudos, no máximo 2 cadeiras da disciplina para a qual o indivíduo fica qualificado para o ensino e tudo o resto são cadeiras pedagógicas.
Terá valido a pena, andar a queimar pestanas?
Bandalheira é uma palavra que traduz mal a situação a que chegámos neste país.
Mas, também o que é que isso importa?
Pois se a "escola" hoje serve para avaliar professores e não para ensinar alunos, quando muito toma-se conta deles, para estes não andarem a praticar a delinquência enquanto os pais trabalham (alguns).
Assim praticam-na dentro dos muros das escolas.
Parabéns, portugueses! Têm hoje aquilo que ao longo dos anos foram sucessivamente escolhendo.
Há canudos e canudos
que não são todos iguais:
embora todos legais,
alguns carecem de estudos!
JCN
Agradeço os comentários enviados.
Brevemente,debruçar-me-ei sobre eles pelo interesse que lhes reconheço como valiosa forma de aprofundar os assuntos.
Não trocava o meu capelo
por qualquer outro do mundo,
porque no fundo, no fundo,
não creio ter paralelo!
JCN
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