quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Ainda As Metas de Aprendizagem do Ministério da Educação

“Para ensinar há uma formalidade a cumprir: saber” (Eça de Queiroz, 1845-1900).

Numa escola pública que se quer valorizada e se diz “instrumento para a igualdade de oportunidades”, depois de uma mensagem televisiva da ministra da Educação, no início do ano lectivo em curso, que infantilizou os escolares de um sistema educativo, ad contrario, porque a duas velocidades - bastante exigente no percurso académico regular do ensino secundário e demasiado permissivo, escandalosamente permissivo até, no que respeita às Novas Oportunidades e Provas de Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23anos -, eis que surge uma nova mensagem sobre “Metas de Aprendizagem” . Transcrevo partes dessa mensagem, subscrita pela ministra da Educação:

“O Programa do XVIII Governo Constitucional na área da Educação define como objectivos prioritários a concretização de uma educação pré-escolar, básica e secundária de qualidade para todos e a valorização da escola pública como instrumento para a igualdade de oportunidades. Portugal poderá vencer com mais confiança os desafios do futuro e ocupar um lugar mais favorável na competição internacional se reforçar o rigor e a exigência na promoção e na consolidação das aprendizagens, as quais deverão naturalmente ser expressas em melhores resultados escolares.O projecto Metas de Aprendizagem insere-se na Estratégia Global de Desenvolvimento do Currículo Nacional que visa assegurar uma educação de qualidade e melhores resultados escolares nos diferentes níveis educativos”.

Uma educação básica de qualidade quando na formação dos professores do antigo ciclo preparatório ( actual 2.º ciclo do ensino básico) era exigida uma formação universitária passando a bastar, em paralelo, uma formação politécnica em que ciências da educação de duvidosa qualidade se superiorizam ao desejável conhecimento científico dos docentes numa concorrência desleal em que a simples nota final de curso se sobrepõe à obtenção de diplomas mais exigentes como se a qualidade do ensino estivesse na razão inversa da preparação profissional dos respectivos docentes?

No meu último post aqui publicado, no passado dia 3, intitulado “A ministra da Educação e as Novas Tecnologias da Informação”, fiz uma abordagem crítica sobre o papel dos computadores no ensino pré-escolar em que se pretende que a criança que não sabe ler ou escrever aceda a um programa ou página da Internet num processo de ensino, como diria o povo, em que se põe a carroça à frente dos bois. Hoje, debruço-me sobre o ensino de uma malfadada Matemática, disciplina em que a preparação actual dos respectivos professores tem sofrido os maiores tratos de polé por parte da tutela por tanto se lhe dar como se lhe deu que esse magistério seja entregue no 2.º ciclo do básico, em exclusividade, a docentes com formação universitária ou a docentes formados nas escolas superiores de educação que, depois de terem obtido o bacharelato para o magistério do antigo ensino primário, - num simples ano lectivo posterior são reconhecidos como capacitados para o ensino não só da matemática como simultaneamente das ciências da natureza com os resultados que saltam à vista dos próprios leigos e em que as medalhas obtidas em concursos no estrangeiro pelos nossos alunos do secundário são excepções que confirmam a regra de fracos conhecimentos da maioria da população escolar portuguesa, facto reconhecido pelo próprio primeiro ministro de um governo socialista de então, António Guterres, em entrevista À RTP (23/10/96): “Há alunos do 1.º ciclo do ensino básico que saem sem saber fazer contas”.

Este status quo não pode deixar de preocupar os portugueses, mormente, pelo não acatamento de pareceres solicitados à Sociedade Portuguesa de Matemática que, pura e simplesmente, foram deitados para o lixo como nos relata o Público, de anteontem , com uma notícia, intitulada “Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática critica metas de aprendizagem divulgadas pelo ministério”. Por ela se torna conhecimento do desrespeito do ME pela opinião daqueles que, com diz o povo, sabem da poda representando os seus pares que labutam com conhecimento científico de causa e experiência colhida e vivida no seu dia-a-dia profissional para que a ignorância dos alunos portugueses não seja motivo de desalento ou mesmo vergonha nacional. Reza a notícia:

“O presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), Miguel Abreu, criticou ontem as metas de aprendizagem divulgadas pelo Ministério da Educação (ME), afirmando que o documento em causa é idêntico a um outro já divulgado no final de Julho, o qual, em sua opinião, é ‘extenso, pouco objectivo e pouco claro’. ‘A Sociedade Portuguesa de Matemática é a favor da existência de metas e mantém total disponibilidade para ajudar o ministério [da Educação] a elaborá-las. Mas não podemos deixar de lamentar que o documento agora divulgado não tenha tido em conta as alterações sugeridas’, disse ontem ao Público o presidente daquele organismo.” Ainda segundo essa notícia, mais adiante, o presidente da SPM critica os responsáveis pelo facto de “na elaboração das metas de aprendizagem apenas terem sido consultadas pessoas ligadas às ciências da educação e de não ter sido solicitado o contributo de nenhum matemático”, o que motivou a entrega no ME de um parecer considerado “bastante crítico” por não ter havido qualquer receptividade “às sugestões apresentadas pelos matemáticos”.

Porém, pouco ou nada me espanta a consulta privilegiada a entidades ligadas às ciências da educação (menina dos olhos das escolas superiores de educação) se levarmos em linha de conta que a actual ministra da Educação foi professora da Escola Superior de Educação (ESE) de Lisboa e Ana Maria Bettencourt, actual presidente do Conselho Nacional de Educação, professora da ESE de Setúbal, tendo exercido o cargo de professora coordenadora do Ensino Politécnico. O contrário é que seria de espantar porque, como escreveu, Miguel Torga, “maldito seja quem se nega aos seus nas horas de aperto”. Isto é, em período de forte contestação e" horas de aperto" para os sacerdotes do altar do eduquês por Gossman, Wilson e Schulman (1986) criticarem com autoridade “o reducionismo às técnicas pedagógicas na concepção da formação e da avaliação dos professores” [de Matemática].

Para encurtar razões, o Ministério da Educação arrebitou as orelhas para o que lhe disseram das ciências da educação e fez ouvidos de mercador aos pareceres da Sociedade Portuguesa de Matemática. Uma opção muito discutível, senão mesmo dolosa, por estar em jogo uma dos mais importantes factores do desenvolvimento cultural, económico e social da sociedade portuguesa. O mesmo vale para outras disciplinas do currículo escolar em que a asneira científica é, por vezes, ensinada por métodos pedagógicos de duvidosa credibilidade que a incrustam como lapa no rochedo da sacrossanta ignorância!

19 comentários:

Ana disse...

Sem querer "disconcordar" (ehehehe), e como por vezes todos os profissionais precisam de ânimo e exemplos de sucesso no meio do facilitismo e iletracia, chamo a atenção (se me permite) para o seguinte exemplo de sucesso escolar e científico:

http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=45358&op=all

http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=45350&op=all


Apesar de todo o eduquês e facilitismo para onde se caminha, e que já vem de longe, continuamos a ter excelência entre nós, portugueses.

Só é deveras triste constatar que essa excelência sairá rapidamente de Portugal...

Unknown disse...

Olá amigos, deixo aqui a minha dica:
A Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia da América Latina e do Caribe (Red-POP) recebe até 15 de novembro, propostas de trabalho para a 12ª Reunião Bienal que acontece no Brasil, organizada pelo Museu Exploratório de Ciências (MC), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de 29 de maio a 2 de junho de 2011.
Com o tema “A profissionalização do trabalho de divulgação científica”, o encontro aceitará tanto trabalhos de pesquisa, de caráter acadêmico, quanto de profissionais da área, interessados em relatar suas experiências. Cinco eixos temáticos vão nortear a 12ª Reunião: Educação não-formal em ciências; Jornalismo científico; Programas e materiais para museus de ciências: materiais e práticas concretas; Museografia e museologia científica; Público, impacto e avaliação dos programas.

Fartinho da Silva disse...

Caro Rui Baptista,

Este exercício das metas de aprendizagem é mais um exemplo clarificador de quem manda efectivamente no Ministério da Educação, nas escolas, na formação de professores e nos professores; e quem manda é o lobby das "ciências" da educação; e tal como na alegoria da caverna de Platão este lobby tudo faz para que ninguém olhe para trás e veja o... sol!!

Rui Baptista disse...

Vani: Obrigado pelo seu comentário em que me parece estarmos ambos de pleno acordo no que respeito ao que escrevi no meu post(14.º, 15.ª e 16.ªa linhas do 4.º §): (...)"as medalhas obtidas em concursos no estrangeiro são excepções que confirmam a regra" (...).

Acresce que sempre tenho defendido que o ensino secundário regular é (até quando?)o último reduto de um ensino de qualidade que, não poucas vezes, se superioriza ao próprio ensino superior!

Rui Baptista disse...

Prezada Letícia:

Aqui ficou registado a sua dica na esperança de que ela encontre eco pelo interesse que esta temática desperta no Brasil e que, igualmente, deve dar panos para manga para uma troca de experiências separadas pelo Atlântico.

Cordiais cumprimentos,

joão boaventura disse...

Caro Rui Baptista

Não resisto ao seu último comentário à Letícia, que, se me permite, lhe sugiro outra formulação:

"Aqui ficou registado a sua dica na esperança de que ela encontre eco pelo interesse que esta temática desperta no Brasil e que, igualmente, deve dar panos para manga para uma troca de experiências unidas pelo Atlântico."

Isto porque sempre tenho perfilhado que o oceano foi o veículo da língua portuguesa para todo o mundo, logo, o oceano não separa, une.

Com um abraço

Ana disse...

Exacto, Rui Baptista, quis somente dar um exemplo concreto dessas excepções. ;)

Rui Baptista disse...

Prezado Fartinho da Silva:

Gostaria de acrescentar a acção nefasta de alguns sindicatos que chegaram a inscrever indivíduos que, por descuido ou continuação de estudos, viram no ensino uma forma de ganhar uns cobres.

Para se ser sapateiro é necessário saber pôr meias-sola. E para a docência? Casos houve de "docentes" terem menos habilitações académicas que os próprios alunos com a água-benta sindical que lhes passava o respectivo cartão de sócios.

Não me consta que noutras profissões de exigência académica idêntica se passe este verdadeiro regabofe. O sindicato dos médicos, por exemplo. Enfim...pelo menos as nossas discordâncias são vozes a pregar no deserto. Mas incomodam!

Rui Baptista disse...

Caro João Boaventura: As experiências docentes portuguesas e brasileiras, quer queiramos ou não, estão separadas pelo Atlântico. Esse mesmo Atlântico que une dois povos irmãos. Seja como for, a sua sugestão clarifica melhor o meu pensamento. Registo-a e agradeço-a como forma de uma mais clarificadora redacção para o futuro.

Retribuo, com amizade, o abraço.

Rui P. Guimaraes disse...

Muito bom texto Sr. Rui Baptista. Um relato excepcionalmente bem enquadrado nos factos. Fui imediatamente ler os comentarios da Sociedade Portuguesa de Matematica sobre as metas de aprendizagem do ME. Constata se facilmente que todos concordam com as definicoes de metas mas discordam do modo como elas deverao ser definidas. No entanto as criticas feitas pela SPM sao constantemente de caracter pedagogico. Assim sendo, e natural que os propios peritos em pedagogia tenham uma reaccao defensiva. Por outro lado, estas metas sao apenas uma linha orientadora e por isso nao incomodaria nada se a Sociedade Portuguesa de Matematica publicasse as suas propias metas. Ou entao publicasse uma lista de correcoes a lista ja referida. Porque alias, estas metas nao sao estaticas e deverao ser continuamente discutidas e revistas por toda a comunidade. Desafio a SPM a plublicar as suas metas ou em criar uma WIKI em que toda a comunidade possa participar e onde se encontrarao as correcas da SPM.

Anónimo disse...

“A educação é um meio de criar amigos difíceis, que são mais tarde os melhores cidadãos”.((Agustina Bessa-Luís)

Sem me pedissem o antónimo de “qualidade em educação”, eu responderia “eduquês”.

Nunca um ministério pariu tantos documentos como o ministério da educação. E o delirium in extremis deste ministério evidencia-se, não só na duplicação estéril de “mais do mesmo”, como no facto de dar à luz documentos caracterizados pela extensão, falta de objectividade e pouca clareza, como denuncia o Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática. Como pode um documento que se pretende normativo e/ou regulador apresentar tais características?

Quando a ignorância acumulada se institucionaliza passando, portanto, a ser consentida e difundida, só um corte epistemológico pode inverter o processo. E não me parece que ele venha a acontecer por um livre-arbitrío consciente, informado e generalizado. Parece-me que vai ser um pouco pior. Tal como o sistema económico que, moribundo, assiste aos seus derradeiros finais – e ainda bem, porque uma economia baseada na especulação é tão abjecta quanto inútil –, assim a educação, por arrastamento ou não, está moribunda e vai perecer. Quiça, o próprio modelo da civilização ocidental no final duma diáspora de XXI séculos?

A Mudança (com “m” maiúsculo) é desejada por todos nós, mas o receio da mesma também o é sentido por todo nós, pois todos nós temos descendentes ou seres que amamos e desejamos protegidos.

Mas, assim como é estranha condição do homem engendrar monstros, também é condição da Fénix renascer das próprias cinzas. Aguardemos, pois, nunca deixando de fazer o nosso melhor. É o que me ocorre dizer na actual conjuntura, regozijando-me sempre com o mesmo entusiasmo por haver pessoas, como o autor deste post, que continuam activamente empenhadas em dignificar o ensino e os professores portugueses.
HR

tempus fugit à pressa disse...

há quem diga que hoje se ensina pior do que nas
idades de ouro...

no entanto tal como hontem, no ensino hoje, há vários sistemas de se fingir que se ensina, é possível que vejamos reintegrado na sua glória e esplendor o ensino de outrora
ensinava-se geralmente à pancada e ao insulto, pois se a história insiste em constituir-se por uma série indefenida de revoluções e reacções

êle, o ensino, voltará à velha didática da palmatoada e do puxão de orelhas, que convenhamos deveria ser aplicado já num curso de aperfeiçoamento de alguns professores
homens velhos, mas mestres ainda por fazer...
Agostinho de Campos
(ex-Director da falta de educação dos professores 1906-1910)

Ana disse...

Rui Baptista, só a título de curiosidade e não levando a mal que me intrometa na troca de ideias com o João Boaventura: tive sempre excelentes professoras de Língua Portuguesa, ao longo do meu percurso, e uma das que mais destaco e que mais me ensinou e motivou (acompanhando-me nos meus 7o e 9o anos) era Brasileira. :) (infelizmente já não está entre nós...por iniciativa própria... :( ).

Rui Baptista disse...

Vani:

"In dubio",declaro o meu maior respeito pelos brasileiros e orgulho-me de ver, de quando em vez, post's meus linkados (julgo que é este o nome correcto) em blogues brasileiros, "v.g.", no blogue de uma professora universitária que muito prezo.

Aliás, na Universidade de Coimbra, onde leccionei, mantive (e continuo a manter) grande amizade por um professor brasileiro. "Mea culpa", talvez eu tenha sido, como declarei a João Boaventura, pouco claro no comentário que fiz acima.

Rui Baptista disse...

Resposta ao comentário com a fotografia de Fernandel:

Nunca me passou pela cabeça, nem pela sua, atrevo-me a pensar, voltar à escola antiga das "orelhas de burro" e das palmatoadas (a chamada menina dos cinco olhos). Julgo mesmo (e penalizar-me-ei, se for caso disso,se nos meus textos possa ter perpassado tal mensagem.

Todavia, todavia muito abomino a permissividade permitida no nosso actual sistema de ensino em que pirralhos do 1.º ciclo do básico agridem professoras, apoiados pela boçalidade dos respectivos papás.

Portugal é um país de extremos em que se passa do oito ao ointenta, em vez de nos quedarmos pela respectiva média aritmética. Enfim. idiossincrasias lusitanas...

Rui Baptista disse...

Caro HR:

Grato pelo seu comentário. Dele retenho a antonomia que estabelece para a qualidade de ensino:"eduquês". Definição precisa e em poucas palavras.

Por outro lado, a sua chamada de atenção para a condição humana em engendrar monstros, trouxe-me à memória este pensamento de Nietzche: "Aquele que luta contra monstros deve ter muito cuidado para não se transformar também num monstro".

Anónimo disse...

Rui Baptista,

Mais monstro menos monstro, no meio de tantos...
(estou a brincar)

Mas, a brincar a brincar - e sem pestanejar perante a propriedade de Nietzche-, e se uma noite destas me acontece uma metamorfose repentina à maneira de Kafka?

Sem qualquer espécie de ironia, agradeço a sua resposta ao meu comentário
HR

Rui Baptista disse...

Caro HR: Corro igual risco, mas julgo que ambos saberemos tornear a questão deixando a "monstruosidade" para todos aqueles que têm atentado deliberadamente contra uma educação que sirva um país preso nos grilhos da ignorância.

Bom fim-de-semana.

Anónimo disse...

Apesar de se falar tanto em eduquês e facilitismo, os seus defensores continuam a levar a sua avante, arrastando as escolas e a própria sociedadade no médio prazo para o caos.
E ninguém faz nada!
Assiste-se, comenta-se, fala-se do assunto ao estilo de conversa de café.
A verdade é que o eduquês justifica o emprego/tacho de muita gente neste país e o restante da sociedade está-se nas tintas para a escola (a que chamam de "escolinha").
Querem é os diplomas "ao domingo" que é para isso que pagam, computadores à borla, cheques-dentista, etc...
Enfim, a bancarrota chegou há muito à educação.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...