Outro excerto da entrevista que dei a Fábio Rodrigues, aluno de Comunicação Social da Universidade de Coimbra:
FR- O que é que o preenche mais: passar o seu saber a novos alunos ou desbravar novo conhecimento?
CF- A nível do ensino superior, não se pode simplesmente ser professor sem se ser também investigador porque estamos a tentar passar conhecimento ao mais alto nível. Para fazer isso temos de estar não só actualizados, mas também familiarizados com o método científico, com a maneira de chegar ao conhecimento. Não podemos servir aos alunos coisas feitas e acabadas, dizendo “isto é assim e acabou-se”, mas temos antes de dizer “isto é assim e vocês, pelo menos alguns de vocês, têm a possibilidade de fazer mais”. Isto não pode ser dito por alguém que não tenha capacidade para fazer mais, de acrescentar ele próprio pedras ao edifício científico. Para mim perguntarem-me se gosto mais do ensino ou da investigação é como perguntarem-me se gosto mais do pai ou da mãe... Tive uma altura que me dediquei com maior intensidade à investigação do que hoje, mas é sempre uma actividade apaixonante. Quando dou aulas, o que também é apaixonante, sirvo-me dos conhecimentos mas também das capacidades que adquiri e adquiro na investigação. Na relação professor-aluno deve passar uma outra coisa muito importante, a atitude de prevenção perante o erro. O cepticismo é uma das atitudes fundamentais que temos de transmitir na ciência, temos de ensinar a não acreditar naquilo que outros ou mesmo o próprio acreditam, porque, muitas vezes, o segredo da ciência está em descobrir erros em pequenas coisas. No fundo, ensinar só aquilo que se sabe sem ensinar como se pode saber mais é ensinar muito pouco.
FR- Falando de investigação científica, já afirmou publicamente que, em Portugal, este sector estava ainda pouco desenvolvido...
CF- Estava e, se compararmos o nosso país com outros mais desenvolvidos, ainda está. Tem havido progresso, havendo cada vez mais pessoas a fazer ciência, mas a situação era tão má há umas dezenas de anos atrás, que pior era difícil. Quando dizemos que não somos um país avançado, devíamos dizer, para sermos mais rigorosos, que não somos um país tão avançado como podíamos ser. Não se trata aqui de uma mera competição, não se trata de ganhar uma medalha como nos Jogos Olímpicos. De facto, não é coincidência que os países mais avançados na ciência sejam também os países mais ricos, é algo que faz sentido. Não será uma relação directa e imediata, mas os países que geram mais riqueza são também os detentores de maior conhecimento. Se quisermos tomar o caminho adequado para nos tornamos mais ricos temos, necessariamente, de tomar o caminho para nos tornarmos mais sábios.
FR- Devido a esse baixo nível de desenvolvimento comparado, há cientistas que se auto-limitam por escolherem trabalhar em Portugal?
CF- A questão de trabalhar em Portugal é uma falsa questão porque em ciência não há fronteiras. Por exemplo, na física o objecto de estudo é todo o Universo, e este é único, habitado por todos, pelo que a física é a mesma para um chinês ou para um americano ou para um português. A ciência é um trabalho internacional: não há ciência portuguesa, mas sim ciência feita por portugueses ou ciência feita em Portugal. Como é evidente, sendo a ciência feita em conjunto em todo o mundo, uma das molas da investigação é a circulação de pessoas. As pessoas têm de circular. A forma que temos para evitar erros é haver uma comunicação permanente de resultados, o que se faz melhor em directo e ao vivo. Sendo assim, há pessoas que saem e que entram do país. Contudo tenho a impressão que esse saldo nos tem sido positivo nos últimos tempos. Houve um tempo que para fazer ciência se tinha de emigrar e ficar lá por fora, mas, hoje em dia, a situação é bem diferente. Há evidentemente uma questão de mercado e alguns dos profissionais com maiores capacidades são naturalmente chamados a trabalhar nos países mais desenvolvidos a nível científico. É importante perceber que a ciência feita aqui nos é mais relevante, porque nos vai chegar mais depressa e se pode tornar mais rapidamente em riqueza. Desse ponto de vista, todo o estímulo que puder ser dado para manter cientistas aqui será uma maneira de permitir uma mais fácil comunicação, também aqui, entre criação científica e bem-estar material.
FR- Falando de mercado, qual pensa ser o papel dos privados na investigação científica?
CF- Essa é uma questão muito interessante e actual, porque um dos progressos que fizemos nos últimos tempos foi o aumento de empresas privadas a apostar na investigação, mas a percentagem de participação dos privados no investimento em ciência ainda é baixa, quando comparanda com a dos países mais desenvolvidos. Nesses países, uma parte importante desse investimento é pública, mas há uma outra parte ainda mais importante que é privada. Essa parte pode e deve crescer mais entre nós. Um dos meios para o desenvolvimento passa pela percepção das empresas privadas de que apostar na investigação pode ser lucrativo para elas. O problema, desde logo, é que algumas das empresas que trabalham entre nós são multinacionais, o que significa que a gestão e a investigação não residem aqui. Quanto às tão faladas pequenas e médias empresas, muitas delas têm de facto a ver com a ciência e tecnologia, mas a sua preocupação, e isso é muito típico dos empresários portugueses, tem sido mais a procura do lucro imediato. Uma forma para tornar uma empresa sustentável e lucrativa a longo prazo pode ser investir na investigação. Para isso, terá de se abdicar de pequenos lucros rápidos, em favor do futuro, o que, entre nós, é uma questão de mudança de mentalidade. É preciso saber planear e investir, distinguindo o curto e o longo prazo, pois uma solução para o curto prazo pode não ser a melhor opção para o longo prazo. Em geral, não é.
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1 comentário:
Sobre a participação das empresas em I&D, tendo sido sempre minha preocupação, ao longo de quase 30 anos de carreira académica, a agora denominada "transferência de tecnologia", e tendo trabalhadado com a EFACEC por 7 anos no desenvolvimento de uma nova linha de produtos (em plena comercialização) e depois mais 6 anos com a EDP, fora muitos trabalhos de consultoria avançada para essas e outras empresas, diria o seguinte:
1) Há grandes (à nossa escala) empresas privadas que investem em I&D, mas pouco. Isso resulta sobretudo de: a) extrema fragilidade financeira, geradora de uma ansiedade frequentemente confundida com "visão de curto prazo"; b) Falta de pós-graduados competentes em temas de interesse empresarial e com vontade de descer á terra.
2) Há também as empresas públicas de capital privado (que há quem considere erroneamente privadas) como a EDP, PT, REN, CGD, etc. Essas, dados os monopólios de que gosam, não sofrem do problema da fragilidade financeira e correspondente ansiedade "pelo curto prazo". No início dos anos 80 algumas iniciaram programas de apoio à I&D em empresas suas fornecedoras, sendo isso visto como preparação para a entrada para a UE. Porém, com esta entrada tudo isso morreu em pouco tempo, acabando-se com a destruição dos núcleos de I&D que existiam, vindos do antigo regime. Há muitos exemplos, mas entre outros sublinharia o caso da Junta de Energia Nuclear, sem cujo know-how a aquisição de uma central nuclear para Portugal implicará o mesmo tipo de riscos que haveria em tal aquisição no Gabão ou na Guatemala...
Claro que isto deriva da (ausência de) estratégia política.
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